sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Radioativo


Erguiam-se as mãos para um ultimo suspiro, desejando a morte rápida e indolor. Incolor como o pior veneno, todos procuravam manterem-se os mesmos e assim tornavam-se inevitavelmente intocáveis.

Havia uma fenda naquele muro. Do outro lado era claro, mas ninguém se atrevia a atravessar a linha de fogo.  Como explicar aquela fuga de massas, o êxodo era impossível, o ar irrespirável. Calma, ferro e fogo. Explodiam os tambores de combustível. O cenário fumê dos incêndios nos campos de concentração.

Campos onde a neve clara se confundia com os rostos daqueles que não abriam os olhos. Jamais os utilizaram, não os possuíam. Em sobra, na sombra, pela escuridão. Assemelhavam-se aos animais, sem pelos, sem olhos, com dentes afiados, amarelados. O vermelho que enchia de pavor. Cheiro de sangue, ferroso e doce como tal.

Experimentava pela primeira vez a luz, a mesma que abria a mente daqueles que permaneciam trancados dentro da radioatividade do reator abandonado. Eram seres instáveis. Reagindo em cadeia. Enclausurados.
Ao sentir a luz em seu corpo, se desfez em cinza, após avermelhar toda a superfície tocada pelos raios UVA. Sem filtro, o ar era aquele mesmo, denso, com odores pútridos. Naquela sala fechada, alimentavam-se deles mesmos.

Mutilados por seus semelhantes, a lei do mais forte perseverava, em nome de um deus cego e surdo. Um grunhido de desespero se ouvia do fundo, uma luz acendia e o incêndio novamente explodiu. Hora do jantar.



sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Night Sky


Olhando na janela daquele quarto escuro, David não sabia se as estrelas apenas brilhavam tão distantes ou se eram pequeninas, confundia as mesmas com os aviões que passavam no céu com suas luzes vermelhas e brancas. O menino de apenas 5 anos chamava seu pai para perguntar o porquê daquelas estrelas se moverem tão rapidamente e ao mesmo tempo piscarem com aquele barulho todo. 

Ascendia aos céus o Sol daquela manhã de Domingo, David estava debruçado na janela observando o os pássaros que passavam por ali em vôos cada vez mais perto do telhado. Aquela pipa que estava fazia dias na antena do vizinho, ninguém deu conta que a mesma não se soltaria, a linha formava um varal por entre as casas.

Seu pai, que não vieram naquela noite, não viria. David era filho de mãe solteira, largada, o pequeno menino nem ao menos conhecera seu pai. Mas ainda convivia com a idéia paterna que sua mãe exercia sobre tudo. Viviam juntos, como poderiam ser. 

O tempo passava e aquele menino não crescia, a janela aberta naquela noite de verão proporcionava a melhor vista da galáxia. A casa, de um bairro afastado naquele instante que ocorreu o “black-out”, todos foram para a rua, munidos de velas e lampiões, os mais sofisticados com suas lanternas. David preferiu o aconchego da cama e a companhia de seu urso de pelúcia, os dois assistiam a aquele espetáculo de luzes e fogos.

Certa vez, o menino subiu no muro, era fim de tarde e o Sol já se desfazia no horizonte, junto de seu fiel escudeiro, desafiou a altura e partiu rumo ao telhado, onde teria uma aproximação maior com aqueles pontos brancos no céu. Deitou-se como de costume, aconchegou o ursinho em seu abraço e ali ficou, aguardando a hora da chegada dos astros, chegaram se mostraram e sumiram. A lua ofuscou o brilho as estrelas que nada podiam fazer. O menino por si só, desafiou a altura e saltou daquele telhado ao abismo. Flutuou.

Flutuou e subiu aos céus junto com aquelas que seriam seu objetivo, as estrelas que ele olhava da janela do quarto estavam mais perto de seus olhos. Mais perto de suas mãos. Ele podia tocá-las, eram feitas de bolinha de gude assim como mamãe havia dito dias atrás, umas com suas cores exóticas e outras com um branco quase que transparente. Ainda maravilhado com aquela imagem, viu seu amigo cair sobre as nuvens de algodão que surgiam com o amanhecer. Era um menino, brincando por entre as nuvens e bolinhas de gude.



terça-feira, 11 de outubro de 2011

Golden Gate


Alcançar o céu já não era o bastante.

Queria o infinito, buscava o encontro entre os deuses. Suas asas negras lembravam as de um corvo, voaria cada vez mais alto até que a pressão não mais fosse leve. Sentia a fumaça sair de sua pele, o horizonte cabia em seus olhos e uma lagrima escorria. Assimilando ao dia em que partiu daquele lugar rarefeito.

Ainda sujava o céu, seria apenas um ponto negro enquanto caia. Não suportando a atmosfera, explodindo como um cometa sua cauda reluzia o fogo que saia de sua boca. O sopro do dragão inflamava seu corpo.
Ainda em chamas arriscando um pouso forçado, rompendo as barreiras do som, criavam-se as nuvens juntamente aos estrondos. A água ainda imóvel recebia seu corpo em formato de pedra, rígida, inflexível...

Seus membros deslocados, as asas destruídas pelo fogo apagado pela água. Não sabiam ao certo o porquê daquele fim, o sofrimento contido a fim de libertar-se, sem motivos a ser analisados, sem questões a levantar. Daquele momento em que o mundo já não servia, fez-se o salto. Fora de controle, em pleno voo se deu conta que não flutuava, mas em queda livre é que surgia. 

O sol no horizonte apontava o ultimo suspiro, a redenção.

Criou-se o limite entre o firmamento e o imaginário. Perpetuando assim, sua imagem e semelhança. Mostrando não se importar com os fatos predispostos pela crença, não seria mais necessário enfrentar o mundo, o divino já não era o mistério e o fim já era previsível.

Arrependeu-se.

Antes de tocar o solo.


sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Código de Barras


A fortaleza caiu a meus pés, ao ver aquelas pessoas caminhando no mesmo rumo senti um leve tormento. Minha cabeça pensava, passava do ponto, às vezes, o sol batia no chão refletindo um milhão de cores entre as flores de plástico e coroas. O solo arenoso e venoso se mantinha até o muro que findava aquele terreno. 

As pessoas eram identificadas por silhuetas e feixes de luz. Naquele dia o sol ainda se punha e as pessoas me olhavam com um ar de tragédia, cerrava os olhos a fim de escurecer a imagem, nada ali ainda era visível, ofuscado pelos últimos raios me escondi por trás de meus óculos escuros.

Sono profundo, ainda escuta aquela cantiga de ninar e não dorme, com medo de que ela pare. Para fechar os olhos somente quando o peso das pálpebras não se faz mais por onde se agarrar, uma lagrima que caía durante o percurso que se criava naquele rosto pálido. Faltava algo, faltava alguém. Aquela musica começava a fazer sentido, escutando algumas crianças cantando em coro.

Escutei alguém me chamando, talvez para uma despedida. Não olhei para trás achei que não devia, uma estranha energia tomava conta de mim e quase desabei. Vi naquela mulher uma simples humana. Cabisbaixa ainda escondia seu rosto, não sei ao certo, mas foi a quebra de um mito naquele dia em que o tempo foi generoso com alguns e tão cruel com outros.



Dedicado àquele que se doou tanto por todos nós e me ensinou tantas coisas... 
Valeu Vô... 


quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Papo de Elevador - nº 4


Naquela telinha do lado de fora (aquela telinha digital onde se sinalizam os andares) no térreo, podia-se ver os andares quatro, cinco e seis se revezando, quarto andar... Quinto andar... Sexto andar e descia para o quarto novamente, subindo ao quinto e para o sexto outra vez.

Dona Clementina olhava para aquilo e batia o pé no chão, esperando que o elevador viesse ao térreo ou que o mesmo caísse no fosso com o autor daquela proeza. A velhota não agüentou mais, memorizou os andares, subiu pelas escadas e parou no 4º andar, tinham uns cinco metros que a separavam da porta do elevador e logicamente do mal-feitor daquela brincadeira.

As portas se abrindo, ela pôde ver o braço do Silva (o faz-tudo da empresa, geralmente o que varre, limpa, conserta, pinta, cava, tampa, sepulta, reza, dirige, busca as coxinhas da sexta, a mortadela da terça e passa o cafezinho todo santo dia. Há, ele também ganha pouco), correu mais que podia com suas pernas já desgastadas pelo tempo de percurso (alias, a velhota já fazia hora extra), coitada não tinha mais aqueles pulmões de alguns 30 anos atrás e suas pernas pareciam um emaranhado de veias e vasinhos, era peluda também, mas isso não vem ao caso.

É lógico que não deu tempo. As portas fecharam antes mesmo de a velhota pensar em gritar.
 Ainda podia observar o andar que o elevador pararia. Lá foi a nossa cascavel correr atrás do elevador. Enquanto trombava com Sr. Meinfuhrer que lhe perguntava:

- Você esta se divertindo correndo pelas escadas?  Nesta idade que esta, pode correr sérios riscos subindo os andares naquela pressa e alias deveria usar o elevador.

Dona Clementina só não foi estúpida com o Patrão, pois perderia o Silva e o elevador.
Ela ainda corria escada acima, esperando chegar a tempo no 6º andar, para pegar o brincalhão, mas não teve a tal sorte que pensava. O letreiro digital do elevador já apontava o 5º andar novamente, para desespero da nossa senhora.

Descendo as escadas, ela novamente trombou com o Sr. Meinfuhrer que desta vez afiou suas garras e estava possuído, dizia:

- Você deveria cuidar da saúde em outro lugar, pois além das escadas serem para transito dos funcionários a fim de cumprir os papéis de seus ofícios e não para que os mesmos fizessem cooper durante o expediente, imagina se a moda pega. O Silva, aquele vagabundo em trajes de corrida, shortinho, meias até o joelho, tênis branco, munhequeira e todos aquele aparatos, seria um carnaval né.

A senhorita mais velha já caminhava sem esperanças pelo saguão quando trombou o ascensorista, o mesmo cabisbaixo não parecia bem. E disse à dona Clementina:

- O Silva me expulsou do meu próprio elevador, o que será de mim agora, me diz o que será de mim?

Comovida com a situação, ela saiu correndo novamente, mas o esforço foi em vão, o Silva estava em frente ao elevador, passando um pano no chão. E já chegou chegando, descarregando todas as magoas daquele dia:

- Ora seu projeto de faxineiro, o que pensa que estava fazendo neste elevador? Isto é um lugar sério, para utilização de todos nós, com que direito mandou o pobre amigo sair de seu posto? Seu infeliz.

Silva sem entender muita coisa, apenas dizia:

- Estou limpando os botões do elevador e aquele numero seis tava dando um trabalho. Não sabia muito bem quem escreveu nele “Aperte aqui”, mas demorou pra sair. E ainda quebrei o vidro que dizia, “em caso de emergência, quebre o vidro.”

Dona Clementina:

- E por que quebrou o vidro?

Silva:

- Deu uma dor de barriga lá em cima, quebrei o vidro e me caguei todo. Emergência que nada aquele vidro mentiroso, mas a sinhora num se preocupa não, já limpei tudo.