sexta-feira, 8 de julho de 2011

Tão Distante - Parte 3 - O Passado

Caminhávamos a mais de dois dias sem parar, parávamos a noite para descansar, um sono sem vontade, não havia cansaço em meu corpo e não entendia o porquê. O frio não incomodava mais, meus pés não estavam congelando mais, eu podia sentir somente um leve formigamento, uma pressão nos dedos. Notei também, que ao caminhar, ao longe não via minhas pegadas. Ashkaril passava grande parte do tempo levitando, se é que posso dizer assim. Ele me dizia para tentar também, mas não acreditei em nada do que ele disse, queria ver logo Lena e Aliek, aquela distância era angustiante, restavam mais cinco dias.

Ashkaril parou em minha frente, foi uma das poucas vezes que pisou o solo.

- Yvel, podemos chegar em sua casa em duas horas, basta que aceite minha idéia.
- Jamais aceitarei isso, não deixarei que me leve e muito menos saltarei para tentar voar. Isso é loucura, vou caminhando como sempre fui.

“Yvel estava angustiado. Ashkaril resolveu então começar a contar toda a historia de Yvel, do exercito de anjos e de como tudo aconteceu.”

- Bem, não sei como começar.
- Comece do inicio, estou curioso para saber o que mais você vai inventar. 
- Não inventarei nada, você lembrará de tudo. 
- OK. Comece. 
- Yvel,  a muito tempo atrás, formávamos o esquadrão da resistência, liderados pelo General Kzul, era dos grandes Aéreos, sua experiência contava muito, poderia destruir exércitos facilmente, se não fosse pelo golpe sofrido por Grindev. 
- Mas Grindev não seria um forte concorrente? Lembro-me que ele também era um dos melhores. 
- Sim, mas acontece que Grindev queria a qualquer custo o poder do exercito. Realmente, vimos uma luta muito forte em nossas terras. Grindev tinha certo poder em algumas facções de nosso povo. A guerra estourou contra o império dos Cyber. E nosso exercito já estava enfraquecido com esta disputa interna. Foi um passo para a morte, mas você estava lá, pronto para lutar sempre. Os Cybers tomaram 40% do nosso território, nossos suprimentos elétricos e nossas reservas de energia vital. Armazenada nos fetos em desenvolvimento. 
- FETOS EM DESENVOLVIMENTO? (Yvel, soltou um grito de indignação) 
- Sim, de onde acha que tiramos energia? Utilizamos a carne humana como alimento.

“Yvel ajoelhou-se na neve, não sentira nenhum frio. Estava aterrorizado com as palavras de Ashkaril. Não conseguia imaginar uma coisa dessas, fetos gerados para morrer... vidas servindo de alimento. O pior, cultivadas como plantas, em uma estufa gigantesca.”

- Você não pode estar falando serio, não mesmo.
- Já disse. Você uma hora irá lembrar-se de tudo isso. 
- ... (o silêncio tomou conta do ambiente)  
- Posso retomar a historia? - Pode, já não estou acreditando mesmo. 
- Enfim, vou contar... Os Cybers estavam em plena ascensão, eliminando nossa raça e escravizando os sobreviventes.

“Yvel estava à beira de um ataque, estava aterrorizado com todo aquele depoimento. Não negara que algumas coisas eram absurdas para sua compreensão, mas Ashkaril era tão convincente em suas palavras. Yvel debochava daquilo tudo, ainda tinha algo que lhe dizia que tudo não passava de um pesadelo. Que iriam chegar a sua casa e encontrar sua esposa e seu filho. Yvel, não dormia mais, seu corpo não se cansava.”  



Não é pedir muito, apenas mais uma canção...


Está não é uma canção de amor...
Nem seria, mesmo que ainda que falasse a língua dos homens... ou talvez dos anjos.

Crer na alegria que sonhava já era mais que suficiente ao corpo aberto de que dizíamos naquela noite, mais vezes acontecido, poderia ser ao mesmo tempo em que a noite caía, o céu desabava sobre lentes de contato. Superficialmente verdes com pingos acastanhados, via-se as estrelas caindo, causando aqueles riscos no céu.

Cântico dos anjos, aquelas palavras que derramavam da boca daquela soprano, a ópera se fez ali, a meus pés. Não poderia apenas aplaudir, meu ser se enchia de luz, minha boca cantarolava até mesmo as notas mais altas, queria bailar no palco, tirá-la para dançar. Exímia.

Deitado no chão, frio, duro, sujo...
Não ligaria para nada, aquele corpo não respondia mais por pensamentos, o céu explodia em laranja e azul cósmico, chuva radioativa caia sobre seu rosto, não queria mais saber, a vida era apenas um detalhe naquele instante. O céu era o limite.

Os vitrais, distantes, trincavam com a pressão adversa aos mesmos. Trovões causavam a cena aterrorizante, o céu desta vez preto, fumaça negra, carregada de solidez. Solidão.

Fiéis, ajoelhados em seus templos, suplicando o perdão divino, lamentando seus atos, fanáticos. A crença se faz viva, a fé de sobreviver por mais um dia causando os pedidos de misericórdia. Enquanto o teto é arrancado, as imagens beatificadas, os adereços santos. No olho do furacão, o centro, na velocidade zero. Os fiéis pedem perdão, enquanto numa fotografia o mundo se mostra em seu fim.

O avião que passava por ali com suas luzes vermelhas e brancas, atingido por uma explosão, mudou sua rota, virou-se para baixo e num mergulho em espiral transformou-se em aurora, era tão belo quanto aqueles olhares que assistiam ao fim do mundo.