quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O Mito


Era noite.
Ouvindo as palavras balbuciadas, já sem força.

Admirou as estrelas uma ultima vez. Dizia que percorriam um longo caminho até chegar ali. Mal sabia das ciências e dos entendimentos que a vida ensinava. Analfabeto, sem perspectivas, assumia seu curso para juntar-se a elas.

Era o que aprendera, seguindo e segundo o mito. Aproximou-se de sua então esposa, agarrando-a pelo braço, os dedos trêmulos, a voz rouca e pouca lucidez. Pedia força e chamava ao pai.
Na porta de sua casa, em vigília, toda a vizinhança ajoelhada; velas acesas, mãos dadas. Realizavam uma espécie de ritual, ensinado e passado de pais para filhos. A luz amarelada, os cânticos e movimentos homogêneos.

Abriu os olhos, não tinha dores. Notou que suas mãos não mais tremulavam e sua respiração estava firme. Aquele muco carregado pelos anos no pó e na lida com a terra. Assumiu então sua versão do fim. O Deus maior assumia seu papel de juiz. Na capela que ajudou a levantar. Casaram-se e batizaram seus quatro filhos.

Pedro, com nome de santo, seria absolvido de seus pecados e Maria, nome da mãe de Jesus (também de seu terceiro filho), sua esposa, a qual segurava sua mão, já chorosa com a despedida, pedia mais alguns minutos, quem sabe mais alguns dias, mas sabia que não seria possível mais nem um segundo, observou nos olhou nos olhos de seu velho, sem muitas palavras, com os olhos cheios de lágrimas, apenas desejou que descansasse em paz.

Um suspiro, uma estrela, seguindo e segundo o mito. 


terça-feira, 27 de novembro de 2012

Copas


Deitou-se.

Semicerrando os olhos, agitava-se com a brisa úmida que vinha do temporal avistado ao longe. Os barcos içavam as velas buscando manter-se no equilíbrio distante. Buscavam manter-se flutuando nas nuvens densas que mostrava em seu rosto a bandeira pirata.

Ela dizia que não, abusava das concordâncias, mas negava o fato de que as estrelas surgiam no céu ao pôr do Sol. O astro Rei coroava mais um dia com sua consorte, a Lua, que nascia como um sorriso do Gato Cheshire. 

Alice, não gostava do que surgia ao deitar-se no gramado ainda seco, sem orvalho. Criou-se o mundo e recriava-se o escuro, sem se preocupar, pois estava bem consigo mesma, o luar e os pingos que pintavam o céu em formas diversas.

A menina que possuía mais de uma milha de altura, estava expulsa do tribunal. 

No mesmo tempo em que os planetas se chocavam, causando uma explosão cósmica em cores avermelhadas e azuis. Os pássaros, que não tinham hábitos noturnos, voavam sem rumo. Os bichos, fugiam para destinos incertos.

Ouviam-se as trombetas, os canhões apontados para o reino.

Uma brisa levantava as folhas secas de outono, porém apenas uma brilhava rumo à clara luz prateada que admirava Alice deitada em vestes menores.

As roupas sumiram e o brilho tornou-se o mesmo carmim que a Rainha exigia suas rosas. 

A garotinha, agora despida, fora poupada.



sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Entrelinhas

As notícias chegavam do oriente, não se viam fazia um tempo. Ela e o jornal, a vista do monte Fuji era cômodo na janela numa gravura, Katsushika Kokusai, observava o lado lisérgico. As multicores que se misturavam num tufão que passava pelo oeste da ilha. Em Fukushima os núcleos esquentavam enquanto as paridades e estacas sombreavam o mito.

Na cidade asteca, ainda sobravam os ritos, as ruínas, pedras talhadas com esmero. Eram vivos os credos ao Deus propriamente dito. Os cultos de chuva e bom tempo, enquanto o eclipse seria mais uma vez reverenciado. Foste uma bela tarde de sol enquanto descansavam a beira mar.

Na capital, Tokio, o constraste entre o rural e a cidade, traria uma viagem no tempo ao lembrar de Meiji que no auge da segunda grande guerra, levaria a bandeira do sol nascente a diante. As bombas de Hiroshima e Nagazaki criavam o protesto.

Bandeiras, avisos, comunicados, poder excessivo e a marcha até Stalingrado, na mãe Rússia antigamente chamada de União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, retornando ao centro, após um milhão e trezentas mil baixas, o grande exército vermelho, encaixava o estandarte no topo do 3º Reich em Berlin.

Uma terra morta, as árvores devastadas e relógios incertos. O deserto estava ali e a Monalisa continuava misteriosa sob o olhar de Da Vinci. Michelangelo com a capela Sistina e Caravaggio com a Medusa, petrificados sejam os que no olhar, levam a culpa de Édipo. Nos olhos da esfinge que chorava suas lagrimas de areia.

As pirâmides que se formavam em conjunto e constelações observavam Orion e ascendiam acima das estrelas. Nada ali podia por fim a paz, o escuro não era dilacerador o mundo visto lá de cima era mais bonito, azul.

As nuvens ainda se colorizavam com o brilho de alguma coisa distinta que se formava no horizonte marciano, ó Olympus Mons.

Marte continuava vermelho, árido, seco, inquieto, sério, devastador. Visto a olho nu.


domingo, 4 de novembro de 2012

Imagem


O sol quente lá fora assistia a céu aberto, fascinado, a tempestade que caia dentro do ser imutável, congelado, transgressor. Era o ultimo dia de suas vidas ou talvez não. Apenas lia o jornal com cara de poucos amigos, não gostava das notícias vindas do exterior lá de fora. As grades soldadas na janela tinha plena consciência que estava preso, incapaz de mover-se, viu seus planos pelo chão.

Chovia.

Raios, trovões, relâmpagos...

Um clarão fez com que o corpo reagisse num espasmo. Atordoou-se quando leu que o programa origem estava na versão 2.0.1, algo havia mudado na matriz. Teve medo de abrir as janelas, mas venceu. As grades foram excluídas do pacote, ganhou o sonho da liberdade. Abriu o portão com a chave 1.0, viu-se no paraíso proibido enquanto lágrimas escorriam de seu rosto. 

Havia mais pessoas ao seu redor, saindo de suas casas pela primeira vez, admirando a clara luz do dia com certo receio. Ficaram todos ali, olhando uns para os outros com cara de mistério. As pessoas que passavam pelas janelas não se importavam com os “recém-chegados”, deu-se conta do processo em que viviam, pensou em algo que gostaria de comer, algo que viu na TV, com uma cara boa pra chuchu (era assim que falava o comercial, somente para delivery).

Olhou para as peles azuis, as ondas eletromagnéticas poderiam fundar um novo império, a lei da atração funcionava, a lei das maquinas não. Apesar dos processos e modificações da programação, o aquário permanecia intacto, peixes e cores. A evolução prosperou, a revolução não.

O deus maior, olhando para baixo, tinha uma postura bem marcada: “coloquei-vos no mundo, tenham piedade de seu semelhante e cuidado para não sucumbir ao credo”, ninguém sabia disso, nem mesmo os que já estavam ali há muito tempo. 

O ser que saiu de sua casa, olharia para o céu e ajoelhado não clemência, mas por fraqueza, voltou para casa, cansado do mundo lá fora, a chuva não cessara e o mundo não parou, numa chuva de meteoritos, observou a coisa mais linda que vira em décadas, da janela de sua sala.


quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O Épico


Cansado de ouvir a mesma coisa sempre, resolveu por si só mudar, escondido em uma trincheira aguardando a hora certa para subir ao monte Olimpo, um rádio de uma padaria em ruínas, bombardeada pela guerra, Piaf. Era como descrever a cena de horror ao ver sua tropa atingida por um franco atirador da artilharia inimiga. Ver sua única bala estilhaçando o vidro da torre da capela, atingindo o alvo, foi um alívio para os sobreviventes. Já era difícil saber se o inferno estava ali, onde o soldado alvejado por uma bala calibre 7.62 deitava seu corpo já sem vida.

De que adiantaria correr, olhar para os lados percebendo que não havia para onde ir. Piaf e “La vie en Rose”, descompassado por tiros de fuzil. O rádio parecia trocar de musica ao sentir a terra tremer com os bombardeiros que rasgavam os céus vermelhos de outono. Era tarde, o Sol dava sua trégua entre o pó e a fumaça.

Um cigarro, aceso no chão do botequim, cheiro de sangue embrulhava o estômago. O credo cercava a tropa, alguns ajoelhados implorando o perdão. Não conseguia aceitar a carnificina, muito menos a violação das leis divinas.

Um grito de misericórdia por parte de alguns camponeses, carregavam uma criança. Eram apenas dois, que singelamente desejavam que sua cria fosse salva. A guerra assolava qualquer um, e não entendiam por que as bombas foram jogadas naquele vilarejo tão distante. Eram casas, vielas, pequenos comércios e agricultores.

O vento soprava em seu rosto, estava ali, sozinho. Sua tropa debandada pela noite. Alguns dormiam e outros mantinham-se acordados devido ao choque. Ninguém esqueceu das bombas, dos estampidos, dos estrondos... dormir, era o mesmo que estar sozinho. Dormir, era sinal de fraqueza, o soldado raso, não dormiu, por insônia. O dia amanhecia, com a mesma covardia da guerra. O tempo parecia passar com dificuldades e o objetivo parecia mais longe. O objetivo, permanecer vivo.

Lágrimas escorriam dos olhos ao encontrarem um ser de natureza selvagem, agonizando entre os escombros. Não respeitariam nem ao menos o cavalo. O bicho respirava e sabia seu fim, ninguém foi capaz de sacrificá-lo, mas, todos os soldados remanescentes sentaram-se em volta para confortar sua triste partida.

Levantaram acampamento e seguiram viagem, a vista para o mar estava logo ali, no meio fio entre o céu e o inferno. 


domingo, 14 de outubro de 2012

Dream Eater


Sentado num banco de praça observando as pessoas passarem. Assemelhavam-se aos carros que apenas passavam também. Tomava seu café ainda quente percebia seus pés ainda frios. Massacrava sua mente e não sabia se era vivo ou inerte, poderia apenas ascender aos céus e perceber que era apenas um sonho ruim.

Ali eu observava o jardim, crianças brincando, asas reluzentes. Sangue, o tom avermelhado do por do sol tornavam as palavras, certezas. Sabia que partiria dali para outra dimensão. Seres em desenvolvimento, sem cabelo, sem roupas, sem vida. Ainda restariam os fios que seguravam os mesmos cadáveres que mesmo assim, permaneceriam em pleno movimento retilíneo. Foram apenas noites ruins, apenas preces não atendidas. Como poderiam crer num Deus Surdo, cego e mudo. Como ceder a fúria de uma natureza já em decomposição. Seria impossível a religião manter-se com suas estruturas, o inferno estava ali e o céu, paraíso, ou como pretendem os que buscam a salvação. De joelhos, observei pessoas pedindo misericórdia ao ser que possuía as almas.

Não havia mais por onde escapar, abri os olhos e lá estava eu, de volta ao purgatório. Manhattan parecia bela, com seus prédios milionários. O mundo não para e o central park também não. Olhar para as pessoas passando, observando karmas e auras, eu sabia que naquela noite algo aconteceu, algo diferente. As noticias não mentiam, na ponte que seguia para New Jersey, sete pessoas mortas. Sobrevoando os pilares onde a ponte se unia aos delírios do canal, juntavam-se as almas e procuravam o catalisador. Mentiam seus nomes e seus paradeiros, uma embarcação que passava por ali, porte médio, buzinava, pedia espaço.
Somente ao nascer do Sol, chegávamos à conclusão de que eram almas pedindo socorro. Afogamentos, suicidas, passionais ou não, não sabia ao certo como o mundo podia prosseguir sem que nada daquilo fosse exatamente como o roteiro.

Minhas vestes, já rasgadas e úmidas da neve que caía sobre todo o gramado. Observava as crianças brincando, sabia que aquilo acabaria algum dia, tocar o solo com os pés descalços não formavam pegadas. Olhar aquela menina caindo no buraco de gelo fino, pedindo socorro, crer que no fundo mais uma alma seria levada.

Algo saiu daquela fenda, subindo cada vez mais alto, pude ver que o céu se abria.

Luz, câmera, ação. Vultos passando por debaixo dos carros em plena Times Square, alguém adormecia ao lado da lanchonete na Chinatown. Caminhando rente ao precipício, no meio fio, sabia que a queda seria inevitável. A hora chegou e meu café estava frio. Desmaiei, enquanto nobremente surgia a lua por entre as nuvens, raios, uma precipitação.

No quarto de hospital, eu veria a mesma menina, sobrevivendo, desacordada. Entrei pela janela e enquanto abria os olhos, pode ver que eu estava ali, não para levá-la, mas para que seus sonhos fossem retirados. Ela era fantasiosa, tinha plena certeza de que o mundo deveria ser mais colorido com bichinhos animados, doces e coisas fofinhas. Ela sonhava com um mundo onde não houvesse desavenças, onde nada poderia ser ruim. Meus olhos estufaram, senti como se houvesse quebrado algo em mim, minha cabeça ainda doía quando me atirei do quinto andar. Antes de chegar ao solo, recuperei a consciência, retornei à “wonderland”. Era insuportável ver como o mundo seria pela inocência de uma criança.

Voltei ao banco, no central park, o café amargo tornavam as coisas mais fáceis. Pessoas passando, sem rumo, sem vida. Sonhos que não se sonhavam, devolvendo o que roubei no dia de ontem, sentado ao meu lado, um senhor já sem perspectiva, mudou o olhar, caiu no mundo das maravilhas e chorando ao lado de pássaro morto fez-se a loucura.

Andei por mais uns metros, observando as pessoas. Nada ali seria motivo para a salvação divina e nem mesmo poderia ser algo a ser lembrado. Apenas vivem.

Uma senhora que não sabia se estava sozinha. Ela dirigia a palavra ao vento, pessoas passavam por ali e disfarçavam sua presença. Ela, já cega e quase surda, permanecia falando e ninguém dava ouvidos, sentou-se ao meu lado e me espantei quando dizendo meu nome apontou para um cão, questionou se aquele animal poderia doar-se. O bicho lambendo sua mão recebendo um carinho na cabeça, foi se deitando, morrendo, perdeu a cor e o brilho nos olhos.


quarta-feira, 3 de outubro de 2012

No Fim - Pt. 1


O céu em movimentos espiralados de nuvens negras. Haveriam sinais no chão e luzes no alto dos montes, até os bichos previram a catástrofe e se esconderam com suas crias em qualquer lugar mais distante e ou profundo. Supondo que não olharia mais para a vida de outra maneira e sabia que o corpo quando em cheque torna-se tão bicho quanto é e a racionalidade se vai. 

La tour Eiffel est restée sur le terrain. Entoando junto ao segundo Sol que ascendia na mais alta velocidade fazendo com que todo o esforço de uma humanidade por gerações e gerações criando o próprio inferno a seus pés e não sabiam mais como se proteger, ao descobrirem que a estátua da liberdade estava afundando de cabeça para baixo em um vórtice aberto sem sequer obter ordens superiores.

Ainda lembravam do onze de setembro com certa cautela pois não se sabia se vinham do oriente ou se vinham do espaço porém apenas poderiam dizer que surgiam no céu estrelas cadentes que se moviam em curvas e velocidades distintas e o vórtice ainda permanecia ali. Parado.




sábado, 29 de setembro de 2012

I hope so

Sentado, estático.

Teclas e letras deturpavam o conhecimento e a maior parte de sua alegria. Ouvia gritos de dor, mas era algo mais profundo. Nos fios de cabelo, grudados por todo seu corpo fazia com que o sétimo céu baixasse ao nível dos pés. Musica no rádio perturbava com um ritmo alegre e não entendia o porquê. Apenas vivia.

Fechar os olhos era algo que não poderia mais, aliviava a tensão, sentia como se o corpo se modificasse. Ao redor de seu casulo conseguia olhar para os transeuntes como se fossem peças de um sistema, engrenagens prontas para a substituição. Quer queira quer não, sabia apenas que vivera dentro daquela bolha e sumira num momento inexplicável.

As partículas retornavam com certa atração, como o mercúrio. Ainda estava ali, observando o mundo e poderia crer que também era apenas mais uma peça do sistema. Ele seria a engrenagem mor, a única capaz de pensar antes de consumir. 

Mas consumiu, pela ultima vez, caminhava com certeza de que seria o fim.

Fora substituído e obteve sua liberdade.


quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Diário de Bordeaux


Querido diário, estamos mais uma vez, subindo na audiência e caindo pelas tabelas. O Escracho está mais um dia de folga e deu lugar a um poeta meio machado meio martelo, se bate corta ou espana, atarraxa, mas não prega.

Falando em pregar, o pastor analisava o dízimo enquanto exorcizava do rádio de um taxi, “em nome de Jesus”, era só um garoto epilético. Nas notícias mais comentadas, sabemos que a boçalidade resolveu tomar Red Bull e criar asas. Maluco beleza, uma carta de vinhos com o Lambrusco a 25 mangos, frisante, rose.

Uma charge, uma vinheta. Olhar para os lados e sobrar pouco do dia para passar com quem se gosta, com quem se divide uma vida. Infeliz vida talvez, mas se sobra pouco tempo, talvez é o tempo que deveria ser. Podendo ser o tempo que não existiria. O fato de não existir, também é algo que se extingue durante as horas que se vão. Já chegou a imaginar que nada do que vemos é real? É como se as coisas que existem ao nosso redor fossem limites. Feitos de átomos, ou, luz.

Olhar do lado de dentro, falo do lado de dentro de nosso corpo, falando enquanto alma, espírito ou mente. É um momento que podemos pensar em nosso universo, seja paralelo ou não, podemos cair em contradição. Perceber que as grades do lado de fora, indicam que estamos a salvo da anomalia que persiste fora dos limites pressupostos aos que ainda estão (por incrível que pareça) do lado de fora. Senso de proteção ou de ridículo? Pensar que se trancar dentro de casa é uma coisa segura, blah! Não estamos seguros de nós mesmos e, afinal, como é que chegando ao final de um dia, mantendo nossos pertences intactos, realmente pensamos que estamos a salvo? Para que? Manter o futuro de uma espécie? A espécie que trabalha e se tranca, com nojo ou com medo, já que o seguro morreu de velho, mas será que morreu feliz?

Enquanto isso na babilônia, o mundo segue em frente, de qualquer maneira e/ou modo, ele gira, ele leva à loucura, ele esmaga e te mantém ligado na telinha (a qualquer custo) nem que custe a sua vida.

Uma certa impressão, uma certeza imprecisa, quem não precisa de uma versão, uma tradução?

Garganta seca, inviável é o cataclismo, o fim do mundo ainda não chegou.


domingo, 16 de setembro de 2012

Da série: Quedas


A industrialização de todo um país facilitava a entrada de capital com a exploração do petróleo, indústrias siderúrgicas e estradas de ferro. Concentrados nos grandes centros urbanos (São Petersburgo, Odessa, Kiev e Moscou), formando uma classe operária de 3 milhões. Submetidos a jornadas de trabalho maiores que 12 horas, sem alimentação e condições de trabalho. Enquanto que no palácio, no manifesto de Outubro, o Czar prometeu reformas no país. Criaria um governo constitucional, dando fim ao absolutismo e as eleições gerais para o parlamento onde elaborariam uma constituição para a Rússia.

Com o fim da guerra com o Japão, por ordem de Nicolau II, os as tropas especiais ou Cossacos, interviriam nas manifestações dos trabalhadores, prendendo líderes e desmantelando o Soviete de Petrogrado (São Petersburgo). Com o controle nas mãos novamente, o Czar não cumpre suas promessas, deixando apenas a Duma (parlamento) funcionando com limitações e sob os olhares do poderio militar. Chamada de Domingo Sangrento, a revolução de 1905, serviu de lição para que os líderes revolucionários não cometessem os mesmo erros e segundo Lênin, um ensaio geral para a revolução de 1917.

Enfim a queda do Czar, aos 15 dias de março do ano de 1917,  as forças políticas de oposição depuseram-no dando inicio a Revolução Russa. Posteriormente, Nicolau II e sua família composta de mulher, quatro filhas e um filho, foram executados.

A Rússia, em plena desintegração do Estado, estaria ainda na 1ª Guerra Mundial.




segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Für Elise


Sentado num banco de praça pela manhã deparou-se com dois seres distintos em faces e trejeitos, porém eram iguais na forma em que se encontravam. O primeiro, deitado de bruços, parecia uma ode ao sofrimento, olhar para aquela cena digna de uma manhã de segunda-feira, era o mesmo que pedir para não ter acordado. Ao lado, havia outro, ou não mais havia. A situação de rua marginalizava o ser vivente (ou vigente) em pleno século 21, em pensar que passou a noite ali, o sol já tocava seu rosto há algum tempo. Moscas ao redor, papelão ensanguentado, restos e dejetos.

O amoníaco ainda arderia as narinas e a imagem ainda travava a garganta, um alarme tocando sabe Deus desde que horas, enquanto uma viatura somente passava por ali para fazer presença, ninguém desceu, ninguém ouviu. O mundo seguia em frente como de costume. Pessoas, almas, passando por maus bocados e infelizmente ninguém ali para resolver a manhã, ou pelo menos alguns problemas. O sol agora paira no céu, sem trégua e nem lamento. Queima quem está ao seu domínio.

Uma igreja de fronte ao ocorrido, onde está o clero numa hora dessas? Tomando seu café com bolachas da padaria mais requintada desta cidade? E o dízimo? Utilizado para as melhorias da comunidade? Onde está? Onde mais poderia estar?

Não, não entrou em detalhes religiosos, nem poderia, não era esse o questionamento. Simplesmente gostaria que alguém fizesse alguma coisa. Por amor ao próximo simplesmente, ali, naquele momento, sentiu um desprazer por ser humano. Carregou sua mochila, levantou-se e andou para longe. Aquela imagem, eram pessoas, eram seres que o sistema abandonou. Mais uma vez se questionou onde estaria o clero neste momento. Pediu para que se houvesse uma força divina, maior, superior, que esta força ajudasse os necessitados.

Ouvia-se uma canção nórdica. Ela dizia que no dia de amanhã, nós estaremos num lugar distante, longe de casa e ninguém saberia nem ao menos nossos nomes.

As pessoas que permaneceram, já estavam observando fazia um tempo. Ninguém fez absolutamente nada a não ser se incomodar com o mau cheiro.

Live and let die.


quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Papo de Elevador - nº 6


Um dia de Sol na empresa em que o Sr. Meinfuhrer comandava sua tropa para os testes de aptidão (era sol, aquele mesmo que passava pelas frestas da porta que ligava o estacionamento ao campo de concentr... ao tronc... ao quartel gen...ao escritório). Mas eis que surge a pergunta, teste de aptidão? Sim, todos diziam suas funções e deveriam provar que sabiam fazer aquilo.

O Moreira, granfino, chefe de alguma coisa que nem ele sabia direito explicar, estava com as pernas bambas, hoje seria descoberto que mais mamava nas tetas do Dono daquela espelunca do que o contrário (não levem está constatação no sentido literal da coisa, ele mesmo nem pensou nisso, ainda bem).

O Ascensorista, que chamavam de Washington (devido ao episódio do WC), sabia bem o que fazia ali, era subir e descer, descer e subir (peço que desta vez encarem o sentido literal da coisa, ou não, bem... continua).

A Senhora Clementina, também tinha ideia do que fazia ali e não tinha dúvidas em provar que seus malotes eram entregues sempre na hora marcada pela perua do correio (não era o animal, era mesmo uma coroa toda rearranjada de cabelos feitos e tanto blush que parecia ter levando uns tabefes nas faces), mas falando da senhora Clementina, era uma funcionária exemplar, pelo menos ela tinha certeza disso.

Fora os gerentes de tudo quanto é canto que também mamavam, porém faltaram no dia por motivos óbvios, todos estavam em viagens de negócios. O engraçado é que o Sr. Meinfuhrer cancelava todas as viagens para ninguém perder a tão esperada reunião do teste de aptidão.

E o Silva (o faz-tudo da empresa, geralmente o que varre, limpa, conserta, pinta, cava, tampa, sepulta, reza, dirige, busca as coxinhas da sexta, a mortadela da terça e passa o cafezinho todo santo dia. Ah, ele também ganha pouco), que já expliquei tudo no parênteses anterior. Na verdade era o menos preocupado e estava realmente preparado para o teste, ele vestia uma roupa inteira de lycra, bem no estilo luta Greco-romana (até com protetor escrotal), tênis de caminhada, capacete de motoqueiro e luvas anti-chamas. Dona Clementina que olhava com outros olhos para o Silva (agora casado esperando a cegonha com um rifle, mas, esperava a “desgranhenta”) observava aquele volume na calça sem nem sequer imaginar da existência do protetor. Mal sabia ela, que não via algo parecido desde quando o velho Abelardo tinha seus 50 e tantos (coitada)(coitada?)(bem... ainda que aguentou firme o velho Abelardo... Abelardo).

Então Sr. Meinfuhrer apontou:
“Moreira! O que você faz aqui?

O Moreira, que só pensava em mamar disse em alto e bom som. “EU MAMO!”

Dona Clementina, já prevendo o aviso prévio, justa causa, acerto(sem um puto), olho da rua, mão na frente e outra atrás. Soltava aquele risinho maligno e sarcástico.

Sr. Meinfuhrer, olhando para o Moreira (que já estava com a roupa toda molhada, axilas suadas (porque soada é outra coisa).

Vou te comprar uma vaca e abriremos uma ordenha! Está dispensado. A propósito, prefere que raça de vaca?

O Moreira andando em direção ao banheiro com as pernas levemente flexionadas e entreabertas (para não assar) respondeu “Holandesas”, não conhecia os tipos das vacas mesmo.

Sr. Meinfuhrer, olhando ressabiado para o Washington, querendo saber quais eram suas funções. 

O podre coitado do Ascensorista, que apenas sabia subir e descer, com medo de ser escorraçado respondeu: Eu subo e desço com o elevador... e... e... eu também sei mamar!

Sr. Meinfuhrer se alegrou e disse que compraria então duas vacas, mas uma delas de porte menor para que o “Vashington” pudesse mamar durante o vai e vem (ou, sobe e desce).

O “Godfather” então dispensando o rapaz, já emendou de canhota na senhora (ou Dona) Clementina, que só sabia olhar para aquele volume nas calças do Silva (que vestia uma roupa de luta Greco-romana com protetor escrotal, vejam bem), ela não parava de olhar para cima pensando em seu velho Abelardo.

Dona Clementina! Exclamou o senhor do engenho.

Ela ainda sonhando: - ai Abelardo!...

É pelo visto alguém aqui só faz fofoquinhas fica sonhando acordada com sua juventude de perversões e luxúria, anda por aí, fica coçando seus cabelos e nem entrega as coisas na hora. Muito errado isso hein, senhorinha.

Ela ainda se defendia, dizendo que ela era um exemplo de superação, com seus 73 anos, (para não dizer, todos os seus 73) subir e descer as escadas, entregar tudo, cuidar para que a empresa seja única e líder no ramo de... (de que mesmo?), dizia a velhota, que não aceitaria ser posto a prova todo seu esforço durante esses anos em que trabalhou arduamente naquela espelunca. (ainda esbravejando) ela dizia, “EU NÃO MAMO!”

Sobraram os gerentes, que não vieram e o Silva (o faz-tudo da empresa, geralmente o que varre, limpa, conserta, pinta, cava, tampa, sepulta, reza, dirige, busca as coxinhas da sexta, a mortadela da terça e passa o cafezinho todo santo dia. Ah, ele também ganha pouco). O patrão, chefe ou coisa parecida, olhava com diferença para o pobre coitado, mas já emendou, “Silva, o que você faz com esta roupa?”

 “Eu? Bem, eu malho, eu sou o faz-tudo da empresa, geralmente o que varre, limpa, conserta, pinta, cava, tampa, sepulta, reza, dirige, busca as coxinhas da sexta, a mortadela da terça e passa o cafezinho todo santo dia. Ah, eu também ganha pouco”

“como assim? Ganha pouco?”

“Ah, é só pra finalizar o refrão”

“hum, mas OK, onde você arrumou estas vestes?”

“Bem, os tênis são do meu sogro, essa roupa eu vi numa liquidação e achei que ficaria mais apto ao trabalho já que ela libera os movimentos, as luvas anti-chamas eu peguei emprestado do cozinheiro e o capacete, bem, o capacete eu emprestei do meu amigo motoboy que está deitado ali no saguão, ali, bem no meio”. 

Enquanto o rapaz acordava (sim, o motoboy, que vinha receber umas contas do Ditad... do Sr. Meinfuhrer) ele sentia fortes dores na cabeça e ainda zonzo procurava pelo Silva (que eu não vou dizer outra vez o que ele faz), com cara de poucos amigos.

O Sarney então, sem pestanejar, dispensou também o Silva. E toda a tropa, já remarcando a reunião e a ordenha para o mês que vem.

O Silva (que eu não vou dizer de novo o que ele faz), andando em direção ao vestiário (e não era do clube), parado pelo Senhor Mandachuva que questionava: 

“Você mama?”.


sábado, 25 de agosto de 2012

Nota(-se)


Observando as pessoas, descobrimos que fazem parte de um padrão, que em sua maioria não sabe nem onde está e nem o que está fazendo. Apenas vivem. Limpam. Sujam. Evitam. Tentam. Frustram-se. Chegam ao orgasmo. E após isso, são apenas pessoas.

Pavões, andando por aí para que os outros vejam suas belas (nem sempre, e nos dias de hoje, ainda mais difícil) plumas. Andando com seus parceiros de bando, tribo, turma, matilha ou (por que não?) enxame. Prontos para atacar, o (coletivo) mais próximo. Não dependem somente de seu (coletivo), não cultivam a si mesmos e muito por acaso acabam cultivando o que há nos outros grupos. Eis que surge a miscigenação, responsável por tantos equívocos e por tantas ondas diferentes, tantas vertentes e tantas outras (espécies).

Dentre os seres (humanos) pode-se também existir aqueles que apenas assistem com certo nojo o desfile. Não desfilam, não existem, apenas observam. Olhando com todo o cuidado para não se aproximar demais (do bando). O solitário permanece, observando apenas, pois não é observado, seu papel ali, é de espectador. Mesmo porque, se foge aos padrões não é importante para a dita (ou não) sociedade.

Voltei ao meu ponto de vista, vi jovens sentados na calçada onde a vestimenta era a mesma (e não falo dos mórmons), alguns grunhiam do mesmo jeito. Outros olhavam para as mulheres com a mesma expressão. E no fim, extintos seus instintos, voltam a ser o mesmo nada de sempre, comem, digerem, defecam. E no meio do caminho, veem TV, pensando ser a coisa mais incrível que o homem (Lê-se humanidade) já fez.

Todo o pensar, se foi. Assim como os que pensam, são chamados de inteligente demais, de gênios ou de qualquer outra coisa que designe alguém que foge de padrão (e não digo o padrão de beleza e/ou vestimenta).

Porém, é amedrontador, quando duas ondas se chocam e o mais incrível é que se faz uma guerra por um território que não existe, como cães (latem e se mordem até as ultimas consequências) e após três dias, já se esqueceram de tudo,  novamente voltam para as ruas para mostrar suas belas (nem sempre, e nos dias de hoje, ainda mais difícil) plumas.

(apenas)Notas de um observador.


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Inimaginável


Enquanto criava-se no céu, aquele funil misterioso, apenas admirava a beleza dos astros ao seu redor. Sistema solar, sistemas financeiros, sistemas políticos e mundanos. A menina sentada na calçada observando as estrelas não tinha ideia da imensidão e nem ao menos de como aquela calçada foi parar ali. Era curiosa mas não perguntou aquilo para a mãe, que as vezes se irritava com perguntas e mais perguntas, naturais de qualquer criança que descobre o mundo através da janela do quarto, geralmente ajoelhada na cama com os cotovelos apoiados, por horas e mais horas talvez para contar quantos segundos tem o dia, ou então quanto tempo o sol demora para percorrer o horizonte.

Estufou o peito e questionou a senhora que lavava os pratos, talheres e copos. Resmungava também, pois o marido não havia comprado a maquina de lavar de presente de natal, pois é, para aquela mulher, aquilo seria um presente. Não ter a necessidade de não lavar os pratos. Mas, bem, ao ser questionada de como aquela calçada foi parar ali, respondeu com um ar ríspido: “O pedreiro colocou.” A menina olhou bem fundo para as paredes (sabe quando as pupila dilata e a imagem desfoca e nos perdemos no mundo da imaginação) pensando o tal “pedreiro” um cara bem forte que chegou com uma placa de cimento de uns 12 metros quadrados. Ela mal sabia o que eram metros quadrados e nem fazia ideia de como se fazia cimento.

A menina, como era chamada pelos novos vizinhos, sentada na poltrona enquanto passava seu desenho favorito, questionou mais uma vez com aquela entonação que só as crianças sabem como fazer: “Mãe, como é que a TV sai som e o monstro roxo fala?” O pai que chegava do trabalho naquele momento, tinha mais paciência. Filha do meu coração, o som sai da TV por conta da caixa de som, que recebe um sinal elétrico que vem pela antena e vai para o decodificador e depois a TV manda o som para onde é de som e a imagem para onde é a imagem e o monstro roxo fala, por que ele é um ser muito bondoso que gosta de crianças. Enquanto o pai falava, ela já preparava as perguntas pro dia seguinte: O que era uma caixa de som, sinal elétrico e o mais terrível de todos, O Decodificador. Tinha sérias dúvidas se o monstro era um rapaz bondoso que gostava de crianças, mas, enfim. 

A mãe, lá da cozinha preparando o jantar pensava... Cretino.

Passou o jantar, após o jogo entre os times da cidade. A menina já tinha uma lista de palavras de baixo calão para questionar sobre a existência das mesmas. Ah e perguntaria tudo para a mãe, pois o pai estava triste, pois o time de branco fez 2 gols (que o narrador chamou de tentos).

Numa manhã, deparou-se com sua mãe, sentada no banco do jardim, desesperada com uma flor na mão. O que era aquilo, questionou a mãe para a filha já crescida e com uma dúvida até no olhar. Não sabia quem era aquela menina e não sabia quem era aquela flor, não tinha ideia quem era mãe e de quem eram as pétalas. Um menino, sentando no colo da mulher, já formada, decidia se impor e responder. Vovó, isso é uma flor, e é para a senhora.

A senhora sorria sem saber quem era aquele menino, porém aceitava a flor, de bom coração.


sábado, 18 de agosto de 2012

Um Banquinho e um Violão


Aurora boreal em pleno corcovado.

Da janela viu as crianças deitadas no chão com as mãos na cabeça, as mães assistiam e tentavam deter a policia que apenas fazia seu papel na sociedade. Mais tarde, aquele menino maltratado pelo PM, o matava com 2 tiros, pelas costas, um pouco mais velho, aquele menino cresceu levado pelo ódio que tinha apenas dos soldados.

Diziam: "Nossas meninas estão longe daqui, não temos com quem chorar e nem pra onde ir, e se lembra de quando era só brincadeira... Fingir ser soldado a tarde inteira?"

Enquanto do lado do morro, a ilha que se formava durante o cerco, ou poderíamos chamar de embargo. Cada criança com seu próprio canivete.

Enquanto isso, o senhor da guerra ainda não gosta de crianças e todos se afogam num copo d’água.

Caiu em si quando olhou para os próprios pés, descalços, com frio, sujo e desgastado do asfalto que corroia toda a carne. Corrompia os maiores e findava os menores.

Subiu uma fumaça mais densa, pipas, aviõezinhos, chamas, bombas, tropa de choque, tanques e a aurora, ainda ali, aliada, pregada no pico do corcovado, que era visto da janela e o redentor, que lindo.




sábado, 4 de agosto de 2012

Post Mortem


Arriscou um palpite.
Palpitava o coração.
Até que parou.
Choque.
Choque.
Pulso.
Firmou.
Parou.
Choque.
Choque.
Ele está vivo.
Sequelas.
Parou.
Pensou.
Afinal, qual seria o fim?
A luz?
O nada?
Apenas ele sabia.
Mas não contou a ninguém.
Estava morto.



quinta-feira, 12 de julho de 2012

Oedipvs


Olhava por dentro do gargalo da garrafa, observava o fundo meio ressabiado, por hora ele via um castelo, hora um fundo do mar, hora via apenas o fundo da garrafa. 

Cético, o filósofo estava com os dias em falta. Faltava tempo para olhar pela janela, observar as estrelas em sua luneta. Restavam horas para que o sono chegasse. Deitado com a cabeça no travesseiro imaginava o mundo de ponta cabeça e quebrava qualquer tese que diriam seus maiorais, não se importava com ideias e nem ideais.

Trancava-se em sua nave espacial e corria atrás dos que simplesmente “exatavam” o tempo como aquele que sempre corre e nunca tem parada. 

Desta vez ele sabia que o tempo parou, tinha certeza disso,  sentiu-se como um pêndulo que partia da direita para a esquerda e simplesmente não voltou da esquerda para a direita. Contemplou mais uma vez aquele momento e nomeou-o de exímio. “Exímius” para dar um ar de latim.

Deitado ali, naquele momento que o tempo estava parado, pensou que nunca mais veria a noite e o dia. Era entardecer e novamente caia em contradição, pois o tempo parou, quando lhe faltavam as horas. E agora? Como recuperaria aquelas horas perdidas, se ao entardecer ele não poderia sair de casa. Tinha medo do escuro, tamanho o seu medo que sua casa era iluminada por todos os tipos de lâmpadas.

Seu casaquinho de lã, cobertores preparados, edredons, colchões, meias, pipoca e um copo de leite. Estava preparado para o fim do mundo. Tsunamis. E o gênio da lâmpada dizia que aquilo seria seu ultimo desejo. 

Pediu a garrafa, aquela mesma, verde, com tampinha colorida e metálica.

Pelo gargalo, observando o fundo, novamente, viu as pirâmides do Egito e a esfinge, altiva, decifra-me ou te devoro.



quarta-feira, 4 de julho de 2012

Cabeçote


(tosse) Começava a escrever talvez um quadro bem conhecido por muitos (tosse), talvez não soubesse ao certo quem era ou qual o significado daqueles olhares para seu rosto. Seu corpo atrofiava a cada esforço a mais (pigarro).

Rodeado por alguns conhecidos e por alguns que não lembrava, procurava no outro lado do cérebro (tosse), o lado racional o que geralmente resolvia aqueles cálculos infalíveis matemáticos e estratégicos (pigarro). Não encontrava nem no mais profundo de sua memória uma tese que poderia servir ao coma. Estava simplesmente inerte.

Foi na noite em que dormiu ali, sozinho, naquela cama que sobrava espaço, sobrava um lugar. Ele sabia quem faltava (pigarro) (tosse) (pausa), sabia muito bem quem faltava ali ao seu lado ao menos segurando sua mão, ou recostada em seu corpo (tosse).

Lembrava-se de noites sentados no sofá comendo pipoca e assistindo aquelas comédias pastelão (ameaçou um sorriso, mas era impossível), gemeu, sentindo alguma coisa encostar-se a seu rosto, de olhos abertos enxergava uma escuridão que não parecia (pigarro) aconchegante, muito menos atraente naquele momento de uma simples curiosidade.

O abandono daquela mão que não sabia de quem era.

Duraram anos, décadas.

Um apito que acompanhava as batidas de seu coração, ainda batia, batia mais forte quando a memória resolvia passar aquele filme novamente, eram os mesmos batimentos descompassados que se ouviam quando aquelas mãos se encostavam.

Ele não se arrependera de algo, simplesmente não saberia o significado desta palavra. (tosse) Descansou em paz.

Naquela noite, a ultima antes de desligarem os aparelhos, uma lágrima escorreu de seus olhos, sozinho, no mais íntimo de seu ser. Encontrou-se consigo mesmo ali, logo ali, sem começo, nem meio e nem final.




quinta-feira, 28 de junho de 2012

Macarrão


Evidente.


Com muito custo o pão na mesa da família de baixa renda.
Com muito suor, na terra onde nascem seus descendentes.


Sobressalentes, complexos.
Incompletos, entristecidos, mecanizados.


O engenho ainda girando, o feudo mesmo que mascarado, sobrevive.
O Sol cobra seus tributos em almas, pele, sangue e coração.


Cria-se então o credo.
Pessoas de bom coração que doam seus corpos ao bem comum, tudo aquilo a quem se faz justiça, mãos e braços.


Nasce-se para se fazer número, cresce-se com dificuldade, com a mesma dificuldade que se cria e se chega ao fim, com a certeza de que o próximo fará o mesmo.


Ah, e mãe, eu ainda não tenho a minha guitarra elétrica.



sábado, 2 de junho de 2012

Noite


Encontrou seu refúgio no primeiro buraco que encontrou. Não tinha ideia da profundidade, se seria mais fácil enfrentar o caçador ou aguardar o fim do abismo, enfim, pulou.
Durante a queda, sentia uma corrente de ar em ambos os lados, formavam por entre seus dedos a pressão causada pela resistência do ar. Seu corpo flutuava, ao invés de cair, não sentia mais a gravidade.

Fechar os olhos e enxergar seu trajeto até ali. Pensava em coisas, nada com muita clareza. Estava com muito medo, talvez confuso, em um momento de embriaguês foi o que manteve seu coração menos apertado a adrenalina deixava seu corpo trêmulo, a dose relaxava. Anunciou ao garçom que a próxima seria dupla e sem gelo. Prontamente atendido, com classe.

Olhava para o fundo do copo, já vazio, ao fundo tocavam um Blues, meio folk meio antigo. Faltava a melodia, faltava o encanto. Surgia na boca do palco um vocalista com o rosto pintado com tons obscuros e algo que brilhava em seu olhar, a voz não saia e mais uma dose para aquecer o peito. Lá fora uma nevasca e por dentro um placebo.

Pílulas, pó, olhos vermelhos, cabelo encrespado, ensebado.

Ele olhou nos olhos do garçom, puxando o mesmo pelo colarinho que esperando mais uma dose, ouviu um estampido.
Com um tiro na boca, suicidou-se.

Não via o fundo e não ousava olhar para trás, apenas sabia que a luz não mais tocava seu corpo.


quarta-feira, 30 de maio de 2012

Médium


Não sabia de sonhava ou se aquele momento era real, no apartamento equipado com uma cama e uma mesinha de cabeceira. Sobrevivente, amarrado na cama escutava uns barulhos estranhos vindos do banheiro.

Olhos vendados, corpo vendido.

Suas vestes rasgadas, o barulho cessou.

Passos em sua direção, a boca seca, estomago embrulhado, aquele ronco não era de fome.
Ouviu vozes, falavam de dinheiro, de moralidade.

Sentiu um cheiro de tabaco, ouvia uma conversa animada que se assemelhava àqueles talk shows de TV americana e naqueles moldes seus pés adormeciam devido à posição em que se encontrava, sentia como se estivesse pendurado de cabeça para baixo.

Uma pressão súbita no nervo óptico, o corpo enfraqueceu e a imagem que antes era escura, não se formava mais.

Desta vez era sonho, via um rosto, mas não podia tocá-lo, admirava aqueles olhos que não olhavam mais da mesma forma, o formato era diferente, eram cansados, eram desviados, já não davam mais atenção.

Na rua, um ser divino clamava por penitencia, por sadismo e perversão. Munido de arco, flecha e luz, aquilo que se assemelhava a um anjo, faria parte do mundo real. Vestindo um pano vermelho.

Do outro lado, dançarinos de tango formavam seus pares com os transeuntes que admiravam a estátua de sal comemorando a abertura dos portos. Entre rios, entre risos, entre céu e inferno há mais coisa que pressupõe a vossa vã filosofia.

Um aborto a céu aberto, uma dona perdendo sua cria para o povo que carregava o feto para o lixo.  Sem compreensão, sem valores.

E assim, um suicida que saltava do décimo quinto andar se estilhaçava a seu lado.

O poeta, filosofo, pobre homem. Sofria descalço e descaso que o cercava, o chão pisoteava seus pés. E por fim... Dilacerado pela vida... Assistia em terceira pessoa um mundo que não era seu.