domingo, 14 de outubro de 2012

Dream Eater


Sentado num banco de praça observando as pessoas passarem. Assemelhavam-se aos carros que apenas passavam também. Tomava seu café ainda quente percebia seus pés ainda frios. Massacrava sua mente e não sabia se era vivo ou inerte, poderia apenas ascender aos céus e perceber que era apenas um sonho ruim.

Ali eu observava o jardim, crianças brincando, asas reluzentes. Sangue, o tom avermelhado do por do sol tornavam as palavras, certezas. Sabia que partiria dali para outra dimensão. Seres em desenvolvimento, sem cabelo, sem roupas, sem vida. Ainda restariam os fios que seguravam os mesmos cadáveres que mesmo assim, permaneceriam em pleno movimento retilíneo. Foram apenas noites ruins, apenas preces não atendidas. Como poderiam crer num Deus Surdo, cego e mudo. Como ceder a fúria de uma natureza já em decomposição. Seria impossível a religião manter-se com suas estruturas, o inferno estava ali e o céu, paraíso, ou como pretendem os que buscam a salvação. De joelhos, observei pessoas pedindo misericórdia ao ser que possuía as almas.

Não havia mais por onde escapar, abri os olhos e lá estava eu, de volta ao purgatório. Manhattan parecia bela, com seus prédios milionários. O mundo não para e o central park também não. Olhar para as pessoas passando, observando karmas e auras, eu sabia que naquela noite algo aconteceu, algo diferente. As noticias não mentiam, na ponte que seguia para New Jersey, sete pessoas mortas. Sobrevoando os pilares onde a ponte se unia aos delírios do canal, juntavam-se as almas e procuravam o catalisador. Mentiam seus nomes e seus paradeiros, uma embarcação que passava por ali, porte médio, buzinava, pedia espaço.
Somente ao nascer do Sol, chegávamos à conclusão de que eram almas pedindo socorro. Afogamentos, suicidas, passionais ou não, não sabia ao certo como o mundo podia prosseguir sem que nada daquilo fosse exatamente como o roteiro.

Minhas vestes, já rasgadas e úmidas da neve que caía sobre todo o gramado. Observava as crianças brincando, sabia que aquilo acabaria algum dia, tocar o solo com os pés descalços não formavam pegadas. Olhar aquela menina caindo no buraco de gelo fino, pedindo socorro, crer que no fundo mais uma alma seria levada.

Algo saiu daquela fenda, subindo cada vez mais alto, pude ver que o céu se abria.

Luz, câmera, ação. Vultos passando por debaixo dos carros em plena Times Square, alguém adormecia ao lado da lanchonete na Chinatown. Caminhando rente ao precipício, no meio fio, sabia que a queda seria inevitável. A hora chegou e meu café estava frio. Desmaiei, enquanto nobremente surgia a lua por entre as nuvens, raios, uma precipitação.

No quarto de hospital, eu veria a mesma menina, sobrevivendo, desacordada. Entrei pela janela e enquanto abria os olhos, pode ver que eu estava ali, não para levá-la, mas para que seus sonhos fossem retirados. Ela era fantasiosa, tinha plena certeza de que o mundo deveria ser mais colorido com bichinhos animados, doces e coisas fofinhas. Ela sonhava com um mundo onde não houvesse desavenças, onde nada poderia ser ruim. Meus olhos estufaram, senti como se houvesse quebrado algo em mim, minha cabeça ainda doía quando me atirei do quinto andar. Antes de chegar ao solo, recuperei a consciência, retornei à “wonderland”. Era insuportável ver como o mundo seria pela inocência de uma criança.

Voltei ao banco, no central park, o café amargo tornavam as coisas mais fáceis. Pessoas passando, sem rumo, sem vida. Sonhos que não se sonhavam, devolvendo o que roubei no dia de ontem, sentado ao meu lado, um senhor já sem perspectiva, mudou o olhar, caiu no mundo das maravilhas e chorando ao lado de pássaro morto fez-se a loucura.

Andei por mais uns metros, observando as pessoas. Nada ali seria motivo para a salvação divina e nem mesmo poderia ser algo a ser lembrado. Apenas vivem.

Uma senhora que não sabia se estava sozinha. Ela dirigia a palavra ao vento, pessoas passavam por ali e disfarçavam sua presença. Ela, já cega e quase surda, permanecia falando e ninguém dava ouvidos, sentou-se ao meu lado e me espantei quando dizendo meu nome apontou para um cão, questionou se aquele animal poderia doar-se. O bicho lambendo sua mão recebendo um carinho na cabeça, foi se deitando, morrendo, perdeu a cor e o brilho nos olhos.