quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Delírio

Normalmente extinta, a vida em meio ao vício, um golinho no café, um trago na bituca já apagada. As chamas esmaeciam. Enquanto isso, um furacão varria os arredores da periferia, barracos, tapumes, Eternit, zinco, barragens, caixas d’agua, e o próprio morro que vinha abaixo como uma avalanche. Um novo plano de busca era traçado enquanto o soldado em busca de piedade, atirava nos ditos zumbis, filhos do crack. Todos na mesma direção, sem destino ou futuro, sem passado e nem presente. 

A cria criava-se na merda, a maioria das vezes nem mesmo chegava-se ao dito fim, a esmo. Um poder de se retirar as riquezas do solo, o cão que fuçava no lixo, viraria alvo fácil dos transeuntes que apenas observavam a imagem embaçada de um dia de sol, que castigava até mesmo os mais necessitados, para não dizer somente.

Durante a noite, o gélido prazer de passear pelas ruas escuras, iluminada ao longe pelos postes em decomposição, traria o gosto amargo na boca. Mais um gole no cafezinho e desta vez a bituca não existia mais, foste mascada.

As cinzas pelo chão do apartamento, as marcas de expressão no rosto, um tom avermelhado na pele. Escrevia algo no espelho, já machucado pelo tempo em que sobreviveu. Deitada na cama, fazendo poses, mantendo as posses, deliberando-se ao bel prazer. Satisfeita com o troco deixado pelo cliente como gorjeta. Olhava para o teto com certo desespero por não ter tido dentes para sorrir. Apenas uma calcinha fio-dental como vestimenta, cores pastéis. Acima e abaixo, ela veria apenas as cores do arco-íris surgindo no horizonte, destacando a fachada do hotel três estrelas e em suas entrelinhas.

“Meio litro de suor e oitocentOS gramas de carniça”.

Por entre feixes de luz o ar passava empoeirado, o céu em preto e branco escorria por entre as nuvens de areia. Dunas se formavam em meio ao trânsito caótico da cidade sem limites. Violência era pregada nas igrejas e sinagogas, a ferro e a fogo, abutres.


terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Gabriel

Gabriel trancou-se no banheiro, escolheu ficar ali enquanto o dia passou. Sua mãe escondida na cozinha entre os afazeres e seu pai desmanchando toda a casa, sobraria o banheiro. Com medo do que seria feito em seu quarto, Gabriel mantinha seus bichos preferidos junto de si enquanto o mundo lá fora acabava de chover. Ligou o chuveiro e tampou o ralo com uma esponja, aquela que nunca usara apesar de seu pai sempre dizer para esfregar bem os pés, aliás, ele esfregava os pés no tapete plástico antiderrapante que havia no chuveiro, esfregava tanto que machucava às vezes seu dedo mindinho, mas, a bucha ficava ali, intacta.

Uma piscina surgia no Box, parecia mais um aquário, Gabriel trancou-se então naquele cubículo de vidro cheio d’agua, seus bichos molhavam-se, os de pelúcia afundavam pelo fato de pesarem mais com a água que tomava seus corpos e os de borracha flutuavam, engraçado e pontual era que seus bichos de borracha eram apenas para o banho, alguns sujos de terra lá do quintal, outros com sérias mordidas do cachorro que participava da folia por vezes e mais vezes.

Criava uma atmosfera obscura quando viu pela primeira vez um polvo, escurecendo a visão de Gabriel, por medo. Os peixes que Gabriel nunca tinha visto antes. Bolhas de sabão, pedras, algas e tudo o que mais poderia ter no fundo do mar. A psique viajava por entre as ondas mais velozes e quando se deu conta de que estava em alto mar, Gabriel agarrou-se em sua prancha favorita e seguiu viagem junto com seu ursinho favorito. A onda cobria Gabriel, o urso, o chuveiro, a casa, o bairro, a cidade e tudo o que viria mais pela frente, somente um super-herói poderia escapar ileso daquela enrascada. Gabriel estava ainda trancado no banheiro quando em sua prancha magica levantou-se e subiu à superfície. Como num sonho, o urso acenou para o menino, que num piscar de olhos vestiu-se de mergulhador. Juntando-se as baleias que por ali passavam Gabriel olhava atento para as Raias que brilhavam ao serem tocadas pela luz do Sol.

Toc Toc, Gabrieeeel...

Enquanto abria um baú do tesouro, vestido de pirata com tapa olho e tudo mais. Gabriel enrolava-se em uma alga marina gigante, que o faria mais tarde se afogar. Salvo por seu patinho de borracha preferido (um jogo de patinhos de borracha que incluía a mamãe pato, Gabriel gostou apenas de um e os outros viraram mordedores do Valente, o cachorro).

Nos braços da sereia mais bela, caiu Gabriel. Ela tinha uma toalha aconchegante e quentinha que libertaria nosso herói das garras do Kraken, o perverso polvo gigante, munido de 8 espadas e uma boca enorme. Aquela sereia que não se sabia o nome, era bela e cantarolava uma canção bonita aos ouvidos, quase que em transe, Gabriel, entregou-se.

Mergulhou mais uma vez num céu maravilhoso.

Sabia que a luta de espadas ficaria para a próxima vez.


quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Oriente


Fechar os olhos.

A brisa que toca sua pele nem sempre é tão confortante quanto naquele dia, o cisma do oriente rachou de vez o mundo, Constantinopla, a então Istambul seria guardada assim como o mar Negro, ao norte da província a fortaleza era obscura e enigmática. A antiga civilização era derrubada pelo tempo. Como poderia aos olhos de Deus, uma das maiores impurezas do século.

A temática era outra, o pseudônimo alterava os graus normais do metabolismo frente ao fundo monetário internacional, hora sim, hora nunca, ora, pois, a metrópole descansava em paz, em plena lua crescente despontando a estrela, referindo-se ao Islã, improvável, sensato, com seus costumes primitivos e mal vistos no ocidente, ainda assim, era o mais correto, apesar dos pesares. Crescia a demagogia que cresce até hoje, inventava-se o que não mais existia.

No monte Olimpo Zeus observava seus descendentes que aclamavam aos céus, pedindo a Hélio uma trégua. O Sol queimava, ofuscava a visão de quem observava atentamente uma busca por paz. Do alto das torres, o sinal de alerta antimísseis, o caos implantado e as bombas exportadas.

Segundos antes do precipício, admirava a paisagem do deserto em pleno inverno, suspirou, respirou fundo. Esfregando os olhos com calma, acabara de acordar, vivenciando um crepúsculo  possivelmente pela ultima vez. O peso do mundo em suas costas fez com que a brisa não só formaria o ultimo ar de seus pulmões, como levaria consigo seu ultimo sopro.

Faltava-lhe o ar.