sábado, 2 de março de 2013

Na sala, no divã


Na sala, um projetor, alguém dizia algumas coisas sem o menor sentido. Falava de linguagem abstrata, falava de história, mas não se cansava de falar. Exemplos e suponhamos que algo aconteceu. A didática era horrível. Mas eu queria falar de outra coisa, acordei pensando num conto erótico, coisa que nunca escrevi por achar tão patético alguém descrever um ato sexual, uma situação a qual passou ou algo que fantasia, mas nunca viverá. É difícil crer, mas as pessoas possuem os desejos mais obscuros guardados em algum lugar, lá no fundo.

Cocei minha cabeça, estava coçando, talvez seja pelo fato que ainda não tomei banho, mas acho que eu não devo falar sobre a minha manhã. Foi maravilhosa de inicio e fantasiosa de outra, hoje fantasiei minha cama, ela estava lá, aquela mulher de cabelos agora castanhos (eu adorava o tom de cinza que ficou após o azulado, mas, bem... ela não). Castanho estava lindo, aliás, o cabelo é algo que eu gosto de ver em uma mulher e, o da senhora minha esposa, é fantástico. Engraçado o jeito que ela me olha as vezes, sua cor muda, ela passa um dia todo branquinha e de repente, ela cora. Ela olha nos meus olhos e fica com uma cor rosada nas maçãs do rosto.

Essa sala ainda aqui, uma tv enorme (um projetor e uma tela de projeção), o assunto é chato e não sei porque paguei por isso. O rapaz ali da tv acabou de dizer, “trabalhe sua escrita”, cá estou, enquanto muitos ainda apenas assistem a TV, eu estou digitando.
Palmas para mim. Palmas para essa pobre alma que só queria estar em casa.
O cara ali disse agora para não publicar o que eu escrevi, será que ele não gostou? Mas ele nem ao menos leu o que eu escrevi. Será que ele sabe que tenho um blog? Será que posso chamar isso de blog? Confesso, de joelhos (na forma mais figurada possível), estou entediado.

Citações do rapaz da telinha, Don Casmurro é uma novela mexicana de quinta categoria, ME PERGUNTO, será que vai passar no SBT?

O que mais posso fazer aqui, o que mais posso falar? Será que se interessariam por o que escrevo?
Pareço alguém no divã, né? Cadê? Cadê? Um divã é mais confortável que essa carteira de COQuinta (se é que me entendem, ham?, ham?).

Segundo o cara ali da telinha, 4 livros lidos ao ano está bom... aos mais assíduos, 12.
Alguém sabe se tem coca-cola aqui? Dá vontade de trazer um vinho pra sala de aula. Ah, tem mais cinco aqui, maior galera hein? A “tutora” é responsável por aumentar o som e abaixar o som, ah, ela pega as assinaturas de presença e, deve geralmente varrer, limpar, consertar, pintar, cavar, tampar, sepultar, rezar, dirigir, buscar as coxinhas da sexta, a mortadela da terça e passar o cafezinho todo santo dia. Há, ela também deve ganhar pouco.

O som das caixas fazem tremer o chão, o som está alto? Será?
Falei de divã, acho que vou escrever algo sobre, depois deste quase desabafo, ainda tem saco pra ler mais? Bom, ok. Lá vamos nós, este se chama, Divã. (ah, rolou um silêncio mortal agora na sala de aula, o cara acabou de dar sua aula e estamos aqui, nós seis, esperando por alguma coisa, e a tutora está ali, quieta, parada, olhando pro nada, ah, ah, ela passou aqui do meu lado agora pouco dizendo “acho que vou dormir”, bem, deve ter ido então).

Lá vamos nós, no Divã.

Ela se deitou, assinalava numa folhinha seus problemas, em uma lista tinham alguns sentimentos, sentidos, meio que uma “How do you feel list”. Ela aguardava, batia o pé num compasso próximo ao de um concerto de Rock n’Roll. Olhava no relógio. Olhava de novo [para por aqui, por enquanto][olhe para os lados, como se estivesse procurando algum barulho]. Ela tirava seus óculos de grau, colocava os escuros, não queria mostrar seus olhos, mas, para quem mostraria, estava sozinha. A porta ameaçou abrir, ela cruzou as pernas, a porta voltou (com o vento). Sentia o coração batendo mais rápido, sala quente, por hora, fria. Esfriavam-se os ânimos ao mesmo tempo em que o doutor entrava na sala. Pedia a prancheta, sem olhar para nada, olhava para baixo, lia algo que causou curiosidade na senhora sentada que aguardava o atendimento.

Sem entender, se eram maus tratos, ou se seria o costume da clínica, ela só queria resolver seus problemas mais bem escondidos atrás daquela carranca que vestia na face desde a hora de acordar. O médico entrava e saia da sala, hora com algo para ler, hora com cafezinho, hora com sorvete de casquinha (ela ouvira o sorveteiro passar, ficou com vontade, mas se conteve). O doutor saiu mais uma vez e voltou com um pássaro nos braços, era um pássaro de grande porte, sem entender lhufas do acontecido, ela resolveu falar. Meio sem jeito. “Doutor?” O olhar do homem que estava na sala foi fuzilando a senhora. Ela que se levantara para se comunicar, se sentou. Ele não produziu um único som. Apenas olhou-a bem no fundo dos olhos. Sem jeito, ela apenas sentou-se e continuou olhando para o “enjalecado” em sua frente perto da porta.

Chegaria o doutor, numa breve análise de suas respostas, perguntaria se mais algo que pudesse dizer. Ela estava assustada, apenas. O doutor tinha a mesma aparência de um dragão, vermelho, narinas saltadas, escamas e olhos répteis. Ele questionava sobre sua vida, o que a desagradava e ela sem querer ser indelicada, respondia que estava tudo bem. O dragão, cuspindo fogo, assinalava naquele bloquinho algumas anotações.

Ela estava incômoda naquele divã macio.

O doutor pedia que ela se acalmasse, mas como se acalmar diante de um tratamento daqueles, com um doutor com cara de dragão. Pensou que talvez devesse pedir um copo d’agua ou coisa parecida. Ouvia alguns sons que se repetiam como um eco. Estava atordoada enquanto fechava os olhos e se escondia em baixo de suas mãos. Encolhia-se, parecia sonhar com algo muito ruim. Retirando seu colar, descalçando seus sapatos e ameaçando se livrar do vestido, ela parou [câmera somente nos olhos, nariz e boca, perfil] ela retirava seus óculos escuros com calma, sorria delicadamente, passaria o batom erroneamente por toda sua boca, acima dos lábios e abaixo e abaixo.  Retirava da bolsa um cãozinho de pelúcia, ouvia a chuva, convidava o doutor para ouvir também, enquanto olhava ao redor e achava estranho não ter visto os pacientes todos nus quando chegou. Sentiu frio. Pés gelados. Mãos úmidas. Roía as unhas. [volta ao plano comum]

O menor ruído, se atentava, procurava conter-se ao real. Pisava no chão com certa cautela como se tudo fosse desmoronar, pisou e “despisou”. Sentia-se segura sentada, acocorada ali. Não queria sair de seu porto seguro.

Abrir os olhos não foi fácil, ela se balançava ainda quando a sala se devastou, a luz estava alaranjada, digna de um dia quente de primavera, uma tarde, sol das quatorze horas, árido. Era assim que se sentia sozinha na sala de estar de sua casa, o som da TV, movimento na rua, vento batendo na janela, barulho dos carros passando, caminhões.

[giro por toda sala com a senhora no centro][zoom out, até o céu]

Encerrava-se o dia com palavras cruzadas e esquizofrenia. Ela não tinha com quem conversar e o nada lhe parecia agradável. Sozinha em casa, a solidão a confortava. Não tinha medos nem receios, já nos últimos dias, comia biscoito de polvilho com café, de almoço. Jantava o que tinha na marmita do almoço que não foi servido. No criado mudo, um copo d’agua com um pires na boca. Ao deitar-se, dava boa noite ao seu falecido gato, que insistia em miar na janela que ela deixava aberta para ele entrar e aconchegar-se em seu leito. Tinha comida, água fresca e um afago esperando para ser dado há alguns anos.


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