segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Notas de um observador - parte 36 e 1/45

O sagrado se unia ao mal, todos meios de comunicação emudeciam para um evento que se tornaria sublime, pensavam nas garantias, pregões, redenção. Divisas, estampidos de grosso calibre quando se ouvia ao longe um grito desesperado de dor. Caia por terra o Deus que tanto diziam ser misericordioso. A cultura do medo fez com que as pessoas ficassem reclusas. Era a hora da contagem final, quando os mísseis cruzavam os oceanos, quando as embarcações aportavam e erguiam aviões e Tomahawks contra povos e civis em nome da paz.

Os aviões tripulados por humanos ainda viam a destruição e faziam o reconhecimento dos corpos enquanto as ações despencavam até o momento em que a bolsa de valores desligava seus mostradores, computadores e telefones. Não era mais possível pular para fora do barco e nem parar o mundo. A indústria bélica acabara de caçar todos os seus acionistas e uma catástrofe mundial se iniciava.

A barra de “loading” não chegaria mais ao ponto de “done”, de que seriam válidos os grandes amores e todas as histórias retratadas num filme, que por mais fiel que fosse, não poderíamos comparar o massacre dos judeus durante a ascensão e queda do nazismo a todos os massacres que a humanidade sofreu e sofre, regimes de exceção acontecem o tempo todo e somos todos culpados não importando muito sua nacionalidade. Nenhum mal é maior que o outro.

A imensidão que nos cerca é a mesma que nos faz distantes de nossa natureza, não sabemos ao certo porque fazemos e porque estamos neste caminho tortuoso e desvirtuante, para não dizer torturante. No momento em que vos digo que sabemos do início e sabemos do fim onde as entrelinhas são de extrema necessidade de aceitação contínua, onde o oprimido é culpado por ter seu opressor. Chegamos ao ponto que de acordo com as normas técnicas que são feitas por gente que estudou, leu, mas não tem um embasamento de origem para destacar os reais problemas de uma sociedade.

O que nos remonta às sociedades indígenas, onde os homens brancos chegaram, invadiram e mataram os que habitavam os países nos quais nos encontramos hoje. Se pensarmos de modo que o homem branco cria leis de proteção, assim como Cortez dizimou os povos da América dita hispânica. O mundo desde quando se conhece por mundo é rude, cruel, inescrupuloso e antinatural. 

Matamos na origem nossa raça, sabemos que alguns povos indígenas viviam da caça e da pesca assim como alguns outros, da guerra. O modo gafanhoto de sobrevivência nos remete inclusive ao canibalismo figurativamente dito. Matamos pessoas, personalidades e nos entregamos ao que há de mais sujo no ser humano, o egoísmo e o utilitarismo, fazendo talvez de pessoas que amamos, verdadeiras escadas para que o mundo nos seja mais leve. Infelizmente o ser humano parou de crescer em tribos para se reduzir a uma “selfie”. Do tempo em que para uma fotografia necessitava-se de um evento todo e mais de uma pessoa. A tecnologia nos deixou burros, mas um “emburrecimento” que para muitos é interessante. 

Voltando à indústria da guerra, é simplesmente deprimente a forma com que lidamos com o fogo em território alheio, enquanto surge um pop-up, “acompanhe ao vivo a guerra na Palestina”, assistimos sozinhos, acompanhados por pipoca, refrigerante e pelo mundo virtualizado.


Mulheres e crianças sofrem com o descaso de uma sociedade sem futuro, que massacra as bases. 

Atenção mundo moderno, seu fim está próximo. A tecnologia que nos uniria, está separando as pessoas, que um dia voltarão às suas origens.  Pelo capital matamos e morremos, por nós e por vocês, o capital sucumbirá.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O Dragão e a Pena

Certas vezes tão incertas a pena vinha pelo tempo
De mais outras vezes o Dragão soprava sem se irritar
Exclamava a pena pelo mesmo compasso a voar
Na mesma altura em que o Dragão surgia com seu sopro de vento

A pena que resistia a gravidade não tinha um mínimo de pudor
Pobre Dragão que envergonhado fazia uma pose um tanto quanto bonitinha ao assoprar
O Sol assistindo aquilo encoberto pelas nuvens da montanha comprovava todo o dissabor
Que o Dragão sustentava ao bater suas asas para arriscar-se o mais alto patamar

A pena que por si só era traiçoeira
O Dragão que mesmo assim era um menino
A pena se pôs ao chão quase na beira
O Dragão ainda que relutasse mantinha-se exímio

Travou-se a batalha mais incrível de todas as eras
Um Dragão que se irritou com o movimento do vento
Uma pena que subiu a montanha e alcançou os céus e as nuvens mais belas
Num sopro quente entre floretes transformou sua amiga em poeira, unindo-a ao firmamento

Com ares de tristeza o Dragão debruçou numa pedra, pensativo
O choque com sua força o fez permanecer recluso
Tamanha era a culpa que o Dragão triste agora não estava mais altivo

Donde fez sua grande arma cair em desuso.


sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Olhos negros

Confesso que morri de amores pela vossa pessoa e que no quintal da nossa quase casa ainda existe um pedaço nosso daquela fogueira que nos conhecemos. Era São João e você ao pular entre as brasas quase se chocou com meu tio. Lembra Humberto? Era São João, quando com muita vergonha fiquei te esperando na viela que dava de cara naquele matagal. Você veio, passou por mim como um carro sem freio, olhou para os lados e voltou, eu sorri e acenei, olhando para os lados com medo de alguém aparecer e ver a gente sei lá, vergonha.

A gente se olhou e você tirou seu chapéu ao ver que eu estava ali esperando. Seus olhos, Humberto, difícil esquecer seus olhos quando percebi que a luz lá, distante, brilhava em suas órbitas. Você foi chegando e eu não sabia o que fazer, eu estava com aquele vestido, lembra? Humberto, aquele vestido de São João. Dancei a quadrilha com aquele seu amigo e você com a menina mais bonita da festa. Eu não entendi o que você veio fazer comigo. Eu sei sim, você ia chegando com cara de quem ia me perguntar por ela. Não sei como você foi chegando perto de mim e eu ali, a festa para lá, bem para lá. Eu te esperei por tanto tempo ali e você demorou a chegar. 

Você pegou minha mão e me abraçou, eu deixei, eu devia estar sonhando e cedo ou tarde iria acordar com minha mãe me sacolejando e gritando as horas, mas decidi aproveitar aquele sonho e enquanto você me abraçava eu sentia seu perfume, aquele cheiro magnífico que só você tinha, que eu sentia de longe. 

Você sempre dizia que eu era diferente das outras que meus olhos pareciam duas Jabuticabas. Talvez você nunca soubesse, mas Humberto. Amei cada momento que passamos juntos e se eu pudesse perpetuar nossa existência, este momento em que nos abraçamos se tornaria o ponto alto. Nós dois nunca nos abraçamos e eu já sentia que nossos corações bateram juntos num mesmo compasso. Eu ouvia sua voz e aquilo soava como música para os meus ouvidos, era a mais pura melodia que alguém poderia escutar.

Você segurou firme nos meus quadris e naquele momento me senti sua, nos beijamos por horas e decidimos avançar. Você rasgou meu vestido, fiquei com medo do que aconteceria, com o rosto encostado na parede de costas para você, você terminou de rasgar as partes de baixo da minha roupa e me fez tua. Com todo o carinho que alguém sentia, meu medo se foi e preferi preservar nossa historia. Agora de frente um para o outro, nos beijamos e nossos corpos ainda colados quando tirei meus pés do chão e te abracei. Aconteceu. Os fogos de artifício cobriram os gritos e gemidos.

Mas não havia mais tempo, Humberto eu gostava tanto de você, mas nesta noite decidi firmar meu lamento e esquecer o que eu sentia. Você deveria ter ficado com aquela garota, ela era linda mesmo e estava caidinha de amores. Mas você preferiu o obscuro, preferiu saciar a sua curiosidade e sua vontade. Mostrei meus dentes e vi seu olhar de apavorado, quando eu disse: "Se acalme meu amor".

Humberto, após me alimentar, eu te matei.



quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Puramente

Durante toda uma vida, levam-se anos para saber ao certo o que realmente se quer, mudam-se as vidas, direitos, deveres, dores, amores e sabores. Quando pequenos somos mantidos ainda na essência, no desapego pelas coisas que mais relevantes como dinheiro, emprego, amizades e matéria. Desde cedo nós aprendemos o significado da pureza de uma vida aos olhos de uma criança. Já perceberam como é simples a matemática de um garotinho de 3 ou 4 anos? Sim e não são as respostas, e o “por quê?!” entoando pelos quartos e banheiros da casa. É aí que a gente começa a crescer e aprende que as perguntas apenas são o inicio de um mundo novo, onde o valor das coisas se parecem permear além das coisas mais relevantes, perde-se a pureza ao saber o porquê.

Perde-se a pureza ao saber de onde vem o seu alimento, de onde vem o dinheiro que o papai comprou o seu tênis para ir à escolinha, perde-se a pureza ao saber que outras pessoas não tem a mesma sorte. Essa tal pureza nos cerca e nos sufoca, pois aprendemos que infelizmente o ser humano destrói e corrompe aos poucos suas crianças e seus meios de sobrevivência.

Documenta-se que aprendemos o valor das coisas quando quem nos ensina simplesmente nos passa o seu valor moral sobre o todo que nos cerca. A vida acaba por nos ensinar que as coisas mais valorosas são baseadas num sistema no qual vivemos, aprendemos que hoje o dinheiro é suado para alguns e fácil para outros da mesma forma aprendemos a poupá-lo para tê-lo depois, mas, quando seria o depois, o que será do amanhã? Porém, é claro que em raras exceções aprende-se também o que é o belo e em alguns casos, existem famílias que se juntam em comunidades e os valores morais já não são tão materiais assim.

O ponto chave desta crítica parte dos meios de produção e do sistema no qual vivemos. Poderíamos viver puros, sem dinheiro, sem um modo gafanhoto de destruir o planeta e sem ter muitas explicações. É apenas uma opinião clara de quem ainda acredita num mundo puro e inocente, haveria coerência em uma vida onde o sim e o não podem juntos combater as entrelinhas e que nada mais tivesse explicação?

Convido a todos a uma simples reflexão, não pense na omissão dos meios e dos pontos chave. Mas num pensamento restrito ao bom senso, onde pessoas puras respondem sim e não a perguntas cada vez mais simples. Reduz o ruído, aumenta o silêncio, as conversas se restringem ao belo e ao bom coração. Qual a medida certa para isso, sem que se tome a ingenuidade como defeito?

“A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloquente à bondade do homem, um apelo à fraternidade universal, à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhões de pessoas pelo mundo afora. Milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas. Vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes.

Aos que me podem ouvir eu digo: ‘Não desespereis!’ A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia, da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.

Soldados! Não vos entregueis a esses brutais que vos desprezam, que vos escravizam, que arregimentam as vossas vidas, que ditam os vossos atos, as vossas ideias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como um gado humano e que vos utilizam como bucha para canhão!

Não sois máquina! Homens é que sois!

E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar, os que não se fazem amar e os inumanos. Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade!

No décimo sétimo capítulo de São Lucas é escrito que o Reino de Deus está dentro do homem - não de um só homem ou um grupo de homens, mas dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder - o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade!

Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela, de fazê-la uma aventura maravilhosa.”
(Trecho do discurso final de “O Grande Ditador”, Charles Chaplin, 1940)


terça-feira, 12 de agosto de 2014

Consumo, de fato

Caminhar nas ruas enquanto os carros passam pelos vãos, comprimem o ar causando o efeito e aquele som característico. Motores queimam os pistões que numa prece se deleitam em meio ao fogo e fumaça. Respiram, transpiram e se derretem. O dia estava quase no fim e o sol já se punha quando aconteceu o fatídico impasse, o choque entre dois nêutrons mudou completamente o destino daquela rua, o instável passou para o mundo real que estabilizado estava. Numa prece, o sacerdócio profanava mais uma vez o nome do pai celestial enquanto aqueles dois nêutrons se consumiam. Tudo foi pelos ares, tudo acabou no segundo em que o destino mais uma vez se fez presente. Caía a tarde e o Sol daria um ultimo suspiro no meio dos prédios em ruínas.

As usinas nucleares ao fundo, pouco antes dos prédios, assinalavam com seus sarcófagos o final, sem créditos, sem música, sem motores.

 De ontem em diante, o que havia acontecido naquele instante que piscou os olhos. Uma epifania que levou o ser ao nirvana. Elevou-se acima das árvores, dos carros, das pessoas... Suspendeu-se em pensamento enquanto as correntes de ar passavam por seu corpo e em meio a buzinas e gritos desesperados. Deitava-se bem na faixa do centro, num dia comum e movimentado, ao som de Across the Universe, os carros parando enquanto todos se deitavam ali em mais um protesto de um dia comum na grande metrópole.

…nothing's gonna change my world…
…nothing's gonna change my world…

Em coro e em prece, todos de mãos dadas, em circulo, cores invertidas no céu em amarelo, pássaros lilás e pessoas num azul topázio gritavam por ajuda. Tanques de guerra atiravam contra os manifestantes que em momentos de explosão abria-se uma cratera que engolia os carros e o cenário se igualava a Gaza. O confronto era mais que civil, desta vez Deus deveria escolher seu lado e escolheu o lado de cima. Fingiu-se de cego e surdo, a humanidade mais uma vez daria fim ao próprio semelhante em nome das nuvens de fumaça que subiam após os mísseis. Tel aviv ainda comandava um dos maiores atentados a raça humana onde crianças em mulheres eram expostas ao terror.


Jai guru deva, Om...



terça-feira, 15 de julho de 2014

Um dia você aprende, atribuído erroneamente a Shakespeare

"Um dia você aprende... 

Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se. E que companhia nem sempre significa segurança. Começa a aprender que beijos não são contratos e que presentes não são promessas. Começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança. Aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em meio ao vão.

Depois de um tempo você aprende que o sol queima se ficar exposto por muito tempo. E aprende que, não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam… E aceita que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la por isso. 

Aprende que falar pode aliviar dores emocionais. Descobre que se leva anos para construir confiança e apenas segundos para destruí-la… E que você pode fazer coisas em um instante das quais se arrependerá pelo resto da vida. Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias. E o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você tem na vida. E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher. 

Aprende que não temos de mudar de amigos se compreendemos que os amigos mudam… Percebe que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos. Descobre que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa… por isso sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas; pode ser a última vez que as vejamos. 

Aprende que as circunstâncias e os ambientes têm influência sobre nós, mas nós somos responsáveis por nós mesmos. Começa a aprender que não se deve comparar com os outros, mas com o melhor que pode ser. Descobre que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que quer ser, e que o tempo é curto. Aprende que não importa onde já chegou, mas para onde está indo… mas, se você não sabe para onde está indo, qualquer caminho serve. 

Aprende que, ou você controla seus atos, ou eles o controlarão… e que ser flexível não significa ser fraco, ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação, sempre existem, pelo menos, dois lados. Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as conseqüências. Aprende que paciência requer muita prática. Descobre que algumas vezes a pessoa que você espera que o chute quando você cai é uma das poucas que o ajudam a levantar-se. 

Aprende que maturidade tem mais a ver com os tipos de experiência que se teve e o que você aprendeu com elas do que com quantos aniversários você celebrou. Aprende que há mais dos seus pais em você do que você supunha. Aprende que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são bobagens… Poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso. Aprende que quando está com raiva tem o direito de estar com raiva, mas isso não te dá o direito de ser cruel.

Descobre que só porque alguém não o ama do jeito que você quer que ame não significa que esse alguém não o ama com tudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver isso. Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém… Algumas vezes você tem de aprender a perdoar a si mesmo. Aprende que com a mesma severidade com que julga, você será em algum momento condenado. Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte. 

Aprende que o tempo não é algo que possa voltar. Portanto, plante seu jardim e decore sua alma, em vez de esperar que alguém lhe traga flores. E você aprende que realmente pode suportar… que realmente é forte, e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais. E que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida! 

Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o bem que poderíamos conquistar se não fosse o medo de tentar."

sábado, 5 de julho de 2014

Crê e será salvo

No inicio aquilo era meio insosso. 

O céu perseverava por cima de um brilho estranho azul. Era dia de outono, sabe, quando as flores não estão em seu devido lugar e as folhas secas banham o chão com um aspecto amarelado, meio, bem, outono. (Não, sem cenário de filme, era outono ainda, o céu borrava e a poeira embaixo do tapete era ainda algo a se mostrar tão a favor quanto o resto do dia, carregado, explícito e, como dizer, cinzento.) Não havia folhas e algumas flores estavam com os dias contados, mas ainda estavam ali recebendo suas abelhas. É as abelhas que não sairiam do centro financeiro da colmeia, ora, a colmeia seria apenas um lugar seguro no inverno enquanto a abelha rainha comia as cabeças de suas servas. As responsáveis pelo mel, ainda vivas pelo momento.

No gramado. (Não, sem gramado. No chão, os dois sentados logo à frente enquanto a imagem desfocava da abelha na flor e focava-os.) Eles estavam admirando o sol, daquele dia de outono, o céu azul permitia que algumas nuvens bem ralas passassem apenas para manchar o céu de branco. Não havia mais nada, mãos nas mãos, pés nos pés. Eles se enroscaram ali mesmo, sem muito pudor.

O vento soprava bem de leve, descrevendo aquela paixão arrancada de um beijo, dizendo a la Cazuza, “matando a sede na saliva”. (Luz apenas no beijo, apenas no beijo, apaga, corta.) Giletes, foices e martelos. Cair de um muro não foi suficiente, o chão desmoronava e quando menos esperavam, era a hora de voltar para casa, o banho de sol acabou e todo o entorno desta história de amor foi pelo ralo num vermelho sangue que pintava o céu e os tacos de golfe.

Ela, com as mãos trêmulas, defendia sua honra.

Ele, com o rosto desfigurado defendeu seu parceiro. Seu grande e indefinível amor.



sexta-feira, 27 de junho de 2014

Nociva

Contam uma história por aí de certa garotinha que perambulava pelos becos mais escuros das ruas mais escuras da cidade mais escura (complexo? Não né?). Ela tinha um brilho nos olhos que pareciam saltar de suas pálpebras. Enquanto ela caminhava, todos os acostumados à escuridão tinham uma luz para se guiar, sim, todos eles eram dotados de uma cegueira. Passavam o tempo todo tateando pela cidade e por todo o caminho, a qualquer momento aconteciam acidentes, tanto no trânsito quanto nas calçadas. O risco de infecções e complicações era muito alto, já que não havia limpeza das vias públicas e dia sim dia não alguém não voltava para casa. O tempo consumia e o odor de morte geralmente era confundido com o próprio cheiro pútrido da rua, da cidade e de todo o entorno. Os vizinhos dali não tinham coragem de adentrar ao caos. Diziam apenas que havia vermes do tamanho de caminhões (aquilo é claro que era mentira). Nos hospitais, por incrível que pareça, era o único lugar que tinha luz, um médico estrangeiro salvava vidas, tanto no consultório quanto no próprio centro cirúrgico, era um lugar onde uma única lâmpada ficava acesa, é claro que era o terror e a salvação para todos os sobreviventes.

Algumas vezes, a luz do centro cirúrgico que dava para uma sacada no 42º andar se apagava. Isso deixava a cidade pouco mais escura, nada que fosse notado por ninguém, senão pelo doutor que ali tratava de todos os que podiam alcançar o 42º andar. Vez ou outra ele colocava mais um pequeno ser no mundo, os partos eram comuns, difícil era chegar a idade adulta, por isso as mães geralmente carregavam seus bebês em tempo integral, inclusive na hora de dormir, eram fases difíceis quando o bebe começava a dar indícios de engatinhar e caminhar, já aprendiam logo cedo a tatear e valorizar as narinas (qualquer gripe nesta altura do campeonato, seria o fim) já que se guiavam pelo cheiro da mãe que quando sentia ter perdido sua cria, exalava um odor acompanhado de um grunhido, (mmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmó). O pequeno ser sentia o cheiro e escutava o som do chamado, assim saberia que a mamãe acordou e que poderia agora desfrutar do colinho.

Não aguentava o cheiro da cidade, sempre que era necessário ir ao supermercado, o Doutor utilizava mascara de oxigênio, não poderia levar muita coisa, já que já tinha nas costas um cilindro de uns 30 quilos. Tinha nojo da cidade e do que via, sim, ele via muito pouco já que tudo era escuro, muitas vezes comprava sem querer coisas estragadas, mas, bem, ele sabia o que fazer e... bem... Bigatos eram pura proteína.
Na rotineira volta para casa, não poderia deixar de admirar uma luz que piscava no alto do prédio do banco, não era tão alto, um prédio de uns 3 andares onde as pessoas tiravam dinheiro e pagavam suas contas, geralmente pagavam mais ou menos o valor que estava descrito, é claro que ninguém sabia quanto dinheiro tinha e muito menos o quanto dinheiro cobrar pela conta, começaram a pensar em um modo mais simples de cumprir um acordo de ao invés de pagarem pelo valor que achavam que tinham as notas. O caixa do banco ouvia o BIP (quando acertava o código de barras, isso poderia demorar 5 minutos ou 3 horas, chamavam de burocracia) e gritava um valor de acordo com o tempo do BIP. “BIP”, “5 notas”. Não tinham ideia de quanto dinheiro iam nestas 5 notas, que insistiam em apenas valer 1, mesmo possuindo um valor de 50. Mas, ninguém conseguia saber mesmo quanto tinha. Subindo pelas escadas, já que não entraria de maneira alguma no elevador, eram apenas 3 andares e não faria a maluquice de subir no elevador, ao ver um braço escapando pela porta que fechava, subia (com braço para fora, decepando-o). Subindo as escadas ainda tropeçou em algumas coisas que se pareciam seres já sem vida. Um tombo na escada poderia ser fatal. Apenas sem entender por que subiam as escadas se não sabiam o que tinha lá no andar de cima, aliás, eram seres que não sabiam por onde andavam, mas, andavam.

(Foco na câmera em primeira pessoa olhos do doutor, dentro da máscara, respiração forçada, barulhos estranhos de algo se movendo arrastado, claridade lunar, escadas a vista, 2º andar, 3º andar, mirante)
As placas foram colocadas antes da grande catástrofe, era o que diziam. No momento em que alcançou o alto do prédio, viu a pequena garotinha, ela estava admirando as pessoas caminhando ao redor da circunferência de luz que seus olhos causavam. Ninguém tinha a coragem de olhar para cima, acreditavam ser alienígenas ou alguma força maior pronta para devorá-los. Ela sorria. Se divertia com o caos que causava com seus olhos. Ela cantarolava uma canção de ninar, uma caixinha de música em uma de suas mãos. Fazia o tintilhar. - Tím, timtim, timtim, timtim. Timtim, timtim, timtim. Timtim, timtim, timtîm, tim.

Pisou em algo que fez crec!

Ela parou de sorrir, olhando para trás lentamente (com muito medo. Como alguém chegou ali sem se matar nas escadas, já foi mencionado que ela não tinha corrimões?) a luz de seus olhos ofuscaram a visão do rapaz que estava apenas curioso. Ela levantou-se admirada, nunca tinha visto uma mascara daquelas, um cilindro daquele, produtos de limpeza e assepsia. Ele murmurou alguma coisa, ajustando as lentes para a versão solda. Agora poderia enxergar a pequena menina que aterrorizava toda a cidade com seus olhos de luz brilhante. Sentou-se no parapeito, admirando a vista da cidade do terceiro andar do dito prédio do banco. Num escorregão, despencou lá de cima, o tubo de oxigênio contribuiu com a explosão que jogou estilhaços para todos os cantos da rua escura. Os olhos da garotinha, acostumados com toda carnificina possível, apenas observou a queda e todo o sangue que se tornaria mais uma mancha seca dentre tantas outras manchas na rua. Os carros atingidos não paravam, as pessoas que andavam tateando pela calçada e todo o cotidiano não parou. Ela se divertia ainda com os medrosos e esperava aquilo acabar de alguma forma diferente. Emocionava-se com a história contava pelo médico minutos antes de sua morte, ele se dizia apenas um cumpridor de um juramento, fazia tudo o que fazia pela profissão, sentia certo cansaço apenas, não sabia como sair dali, não podia deixar todos aqueles seres sem cuidados. 

Enquanto dava corda em sua caixinha musical, uma lágrima caiu de seu rosto, sua lágrima também brilhava, em total igualdade ao seu olhar. Foste amaldiçoada com o poder da visão dentre tantas outras coisas entre os ossos quebrados e toda a carne que fedia, o som daquela rotineira cidade sem luz, o céu poluído e árido, não dava indícios de que algo mudaria, ao som da caixinha, ela continuava olhando para baixo e obrigando as pessoas a correr daquela luz misteriosa chamada de nociva.


segunda-feira, 2 de junho de 2014

Indolor

A trilha sonora do verão foi a voz de um piano quase cego e surdo, oco, sem pernas. Não perca seu tempo se nada é o bastante para se manter vivo. Ninguém quer saber se está assustado ou se está livre. Tudo o que você precisa saber está em suas mãos.

A morte ainda é o grande mistério, e num ultimo sopro as coisas se fundem, o irreal se torna a intensa realidade e realização, até então, o mito se funde a vida e todos nós percebemos que somos feitos de pedra.

O som do piano ainda reluta estridente e cansado. Ele explica, ele chora, ele sorri e parte. Diz que a dor é real e que tem coisas que o tempo não apaga. Ele apenas enxugou suas lágrimas quando elas caíram, ela esteve lá quando tudo parecia desabar e ainda assim nada foi relevado.

Revela-se a dor contida, um assassinato ao corpo que não chegará ao entendimento da mente. Ele não sabia como afastar. Fechou os olhos e sentiu como se sua alma fosse arrancada, estava apenas de coração partido. 

Ainda lembrando-se como foi viver sozinho num lapso, olhos arregalados, sente frio.

Caminhou descalço pelas ruas úmidas. Fazer o corpo reagir, o desfibrilador já não podia mais queimar os neurônios. A cada pulso, a cada passo apenas fazia o sangue jorrar, no fim, esfaqueado, deitado como caíra. 

Uma estrela se apagava no céu enquanto a chuva molhava um rosto. 

Encontrado já sem brilho nos olhos, o piano estava triste, sem vida, sem música, sem harmonia e sem pianista.



sábado, 22 de março de 2014

Modernidade (com pesar)

Pelo mundo afora, modernidade, celulares, carros com todos os tipos de controle.

No trajeto entre as escutas telefônicas, em densidade, o consumo desenfreado arriscava saltos cada vez mais altos por entre os mundos digital e analógico. Buscavam ainda manter o controle inclusive dos seres vivos que permeavam as florestas em processo de devastação.

Militares invadindo a Crimea, sem identificação, sem uniformes definidos, sem saber suas etnias. Os espectadores dando sua humilde opinião sobre a China, em casa. Protestos combatidos a ferro, fogo e balas de borracha.

As torres de vigia apontavam acima dos arranha-céus, radares, toscos homens em busca da informação. Trafegavam os dados e os civis na mesma frequência. Na mesma velocidade que os carros passavam, rasgando as avenidas. As ondas elétricas permaneciam “always on”, falavam em bits, kilobits, megawatts, giga-hertz. Quaisquer unidades de medida ainda esperavam pelo mundo sem os quilotons. Plantas, animais, animalidades humanas, mundanas.


O equilíbrio, ainda longe de qualquer ponto. Marte chegava com toda a sua força.  Faria seu ultimo contato antes do juízo final. A resistência ainda prevalecia também em ondas, o mar, o único indomável.


terça-feira, 18 de março de 2014

Espelho

Perto do pôr-do-sol, sentados ali, pai e filha.

Ele nunca tinha visto tal beleza e comentava como era rápido o fenômeno.

Devagar por entre as linhas que formavam as nuvens, pareciam de algodão entre cores derivadas do laranja e azul, não se misturavam, contrastavam. A garotinha apontava para outros lados, parecia contemplar não apenas a coroa que se findava no céu junto ao horizonte, ela murmurava e resmungava coisas que pareciam ser adeptas aos novos seres. É como uma inauguração de qualquer coisa, entramos, marcamos nosso espaço e admiramos todas as diferentes coisas, que com o passar do tempo se tornam triviais. A plantinha que crescia na sacada, o risco por falta de tinta que acontecera devido ao tempo, clima e afins, ela contemplava tudo, ao mesmo tempo em que o pai apenas admirava o que lhe era novo. Como já citado, nunca havia visto tal coisa em sua vida e lagrimas teimavam cair de seus olhos durante a cena final.

Aparecendo a mamãe, dizendo coisas sobre a modernidade. Ele beijou-a no rosto, parado no tempo enquanto a luz alaranjada ainda refletia entre as nuvens do resquício de um fim de tarde.


Ficou ali, tempo suficiente para que a noite caísse. 

Desejando por um único dia em sua vida, morar por entre as nuvens azul celeste.


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Em espirais

Eis a historia de dois rapazes...

...ambos sentiam algo parecido por uma mesma garota, mas não brigavam por ela, eram amigos. Acompanhavam a garota por onde ela precisasse, lá estava um deles para salvar o dia. Por vezes passavam momentos juntos, os três. Nada demais, apenas momentos entre amigos. Não bebiam, eram menores de idade, um fumava, mas não significava muita coisa.

Em umas das crônicas mais verdadeiras, apenas disseram que os dois estavam vidrados por ela, e estavam, até uma moça mais velha disse que eram peitões e ai se ela (a garota) não fosse menor.
Estava na moda meninas pegarem meninas e meninos pegarem meninos, dá na telha e a mãe do garoto pegaria a menina (ai da menina, que nem sabia de toda essa conversa).

Mas no fim, lá no fim...
...alguém dizia:
- Vão ficar os dois a ver navios.
Quando surge uma divisão de águas:
- Vai que ela não pega os dois!

(ai da menina se não fosse menor)


quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Autorretrato

Pés descalços...
...não sentiam o chão.

Via pelas poças que o mesmo existia e que apenas aquilo faria crer que não levitava. Por pouco menos as gotas de chuva que se misturavam ao céu marrom acinzentado respingavam em seu rosto tanto quanto a neblina que ofuscava a visão a dez metros à frente. Parecia um sonho ruim ter apenas o vento frio por companheiro.

Um cachorro latia ao longe para o longe, para o nada. Ao lado, portão aberto, convidativo para qualquer ato ilícito, enquanto deixava uns três quarteirões para trás, um carro parando embaixo de uma árvore, o cão ainda latia onde por entre eles havia ainda uma grade. Subindo a avenida chegando ao seu ponto final, uma farmácia com um atendente solitário, tétrico, a garoa ainda cairia lá fora o que tornava o clima mais ameno.

A lua que naquela ocasião havia deixado o ser em descaso, as estrelas assumiam um papel tão apagado quanto a própria aura. Os gatos eram sim, felizes. Um estava apenas acomodado no meio fio entre as casas, enquanto outro apertava o passo pretendendo chegar mais cedo. Olhar para os lados seria fundamental já que apesar de vazias, as ruas tinham certo tom admirável e sangrento. Fechou seus olhos por um momento enquanto a brisa trazia um cheiro de terra úmida, era algo a se apegar naquela altura.

Quando o mais humano medo surgiu ao ouvir os barulhos que a cidade faz, sentiu-se sozinho, mas não confortável, sentiu-se desamparado, triste. A noite já não lhe caía bem e certo tom mesclado ao brilho das luzes de sua casa o traria de volta.

Logo ao lado lavavam um carrinho de lanches, plena madrugada. A miopia embaçava uma pessoa que andava longe dali. Ruas vazias, apenas os tons alaranjados das luzes de mercúrio já bastavam para tornar o clima pouco desagradável. Procurando algo para aliviar certa angústia, alguma coisa que trouxesse o sono de volta. Pisar em solo santo o fez lembrar coisas que o confortariam.

Sem pódio de chegada ou beijo de namorada.