segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Notas de um observador - parte 36 e 1/45

O sagrado se unia ao mal, todos meios de comunicação emudeciam para um evento que se tornaria sublime, pensavam nas garantias, pregões, redenção. Divisas, estampidos de grosso calibre quando se ouvia ao longe um grito desesperado de dor. Caia por terra o Deus que tanto diziam ser misericordioso. A cultura do medo fez com que as pessoas ficassem reclusas. Era a hora da contagem final, quando os mísseis cruzavam os oceanos, quando as embarcações aportavam e erguiam aviões e Tomahawks contra povos e civis em nome da paz.

Os aviões tripulados por humanos ainda viam a destruição e faziam o reconhecimento dos corpos enquanto as ações despencavam até o momento em que a bolsa de valores desligava seus mostradores, computadores e telefones. Não era mais possível pular para fora do barco e nem parar o mundo. A indústria bélica acabara de caçar todos os seus acionistas e uma catástrofe mundial se iniciava.

A barra de “loading” não chegaria mais ao ponto de “done”, de que seriam válidos os grandes amores e todas as histórias retratadas num filme, que por mais fiel que fosse, não poderíamos comparar o massacre dos judeus durante a ascensão e queda do nazismo a todos os massacres que a humanidade sofreu e sofre, regimes de exceção acontecem o tempo todo e somos todos culpados não importando muito sua nacionalidade. Nenhum mal é maior que o outro.

A imensidão que nos cerca é a mesma que nos faz distantes de nossa natureza, não sabemos ao certo porque fazemos e porque estamos neste caminho tortuoso e desvirtuante, para não dizer torturante. No momento em que vos digo que sabemos do início e sabemos do fim onde as entrelinhas são de extrema necessidade de aceitação contínua, onde o oprimido é culpado por ter seu opressor. Chegamos ao ponto que de acordo com as normas técnicas que são feitas por gente que estudou, leu, mas não tem um embasamento de origem para destacar os reais problemas de uma sociedade.

O que nos remonta às sociedades indígenas, onde os homens brancos chegaram, invadiram e mataram os que habitavam os países nos quais nos encontramos hoje. Se pensarmos de modo que o homem branco cria leis de proteção, assim como Cortez dizimou os povos da América dita hispânica. O mundo desde quando se conhece por mundo é rude, cruel, inescrupuloso e antinatural. 

Matamos na origem nossa raça, sabemos que alguns povos indígenas viviam da caça e da pesca assim como alguns outros, da guerra. O modo gafanhoto de sobrevivência nos remete inclusive ao canibalismo figurativamente dito. Matamos pessoas, personalidades e nos entregamos ao que há de mais sujo no ser humano, o egoísmo e o utilitarismo, fazendo talvez de pessoas que amamos, verdadeiras escadas para que o mundo nos seja mais leve. Infelizmente o ser humano parou de crescer em tribos para se reduzir a uma “selfie”. Do tempo em que para uma fotografia necessitava-se de um evento todo e mais de uma pessoa. A tecnologia nos deixou burros, mas um “emburrecimento” que para muitos é interessante. 

Voltando à indústria da guerra, é simplesmente deprimente a forma com que lidamos com o fogo em território alheio, enquanto surge um pop-up, “acompanhe ao vivo a guerra na Palestina”, assistimos sozinhos, acompanhados por pipoca, refrigerante e pelo mundo virtualizado.


Mulheres e crianças sofrem com o descaso de uma sociedade sem futuro, que massacra as bases. 

Atenção mundo moderno, seu fim está próximo. A tecnologia que nos uniria, está separando as pessoas, que um dia voltarão às suas origens.  Pelo capital matamos e morremos, por nós e por vocês, o capital sucumbirá.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O Dragão e a Pena

Certas vezes tão incertas a pena vinha pelo tempo
De mais outras vezes o Dragão soprava sem se irritar
Exclamava a pena pelo mesmo compasso a voar
Na mesma altura em que o Dragão surgia com seu sopro de vento

A pena que resistia a gravidade não tinha um mínimo de pudor
Pobre Dragão que envergonhado fazia uma pose um tanto quanto bonitinha ao assoprar
O Sol assistindo aquilo encoberto pelas nuvens da montanha comprovava todo o dissabor
Que o Dragão sustentava ao bater suas asas para arriscar-se o mais alto patamar

A pena que por si só era traiçoeira
O Dragão que mesmo assim era um menino
A pena se pôs ao chão quase na beira
O Dragão ainda que relutasse mantinha-se exímio

Travou-se a batalha mais incrível de todas as eras
Um Dragão que se irritou com o movimento do vento
Uma pena que subiu a montanha e alcançou os céus e as nuvens mais belas
Num sopro quente entre floretes transformou sua amiga em poeira, unindo-a ao firmamento

Com ares de tristeza o Dragão debruçou numa pedra, pensativo
O choque com sua força o fez permanecer recluso
Tamanha era a culpa que o Dragão triste agora não estava mais altivo

Donde fez sua grande arma cair em desuso.


sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Olhos negros

Confesso que morri de amores pela vossa pessoa e que no quintal da nossa quase casa ainda existe um pedaço nosso daquela fogueira que nos conhecemos. Era São João e você ao pular entre as brasas quase se chocou com meu tio. Lembra Humberto? Era São João, quando com muita vergonha fiquei te esperando na viela que dava de cara naquele matagal. Você veio, passou por mim como um carro sem freio, olhou para os lados e voltou, eu sorri e acenei, olhando para os lados com medo de alguém aparecer e ver a gente sei lá, vergonha.

A gente se olhou e você tirou seu chapéu ao ver que eu estava ali esperando. Seus olhos, Humberto, difícil esquecer seus olhos quando percebi que a luz lá, distante, brilhava em suas órbitas. Você foi chegando e eu não sabia o que fazer, eu estava com aquele vestido, lembra? Humberto, aquele vestido de São João. Dancei a quadrilha com aquele seu amigo e você com a menina mais bonita da festa. Eu não entendi o que você veio fazer comigo. Eu sei sim, você ia chegando com cara de quem ia me perguntar por ela. Não sei como você foi chegando perto de mim e eu ali, a festa para lá, bem para lá. Eu te esperei por tanto tempo ali e você demorou a chegar. 

Você pegou minha mão e me abraçou, eu deixei, eu devia estar sonhando e cedo ou tarde iria acordar com minha mãe me sacolejando e gritando as horas, mas decidi aproveitar aquele sonho e enquanto você me abraçava eu sentia seu perfume, aquele cheiro magnífico que só você tinha, que eu sentia de longe. 

Você sempre dizia que eu era diferente das outras que meus olhos pareciam duas Jabuticabas. Talvez você nunca soubesse, mas Humberto. Amei cada momento que passamos juntos e se eu pudesse perpetuar nossa existência, este momento em que nos abraçamos se tornaria o ponto alto. Nós dois nunca nos abraçamos e eu já sentia que nossos corações bateram juntos num mesmo compasso. Eu ouvia sua voz e aquilo soava como música para os meus ouvidos, era a mais pura melodia que alguém poderia escutar.

Você segurou firme nos meus quadris e naquele momento me senti sua, nos beijamos por horas e decidimos avançar. Você rasgou meu vestido, fiquei com medo do que aconteceria, com o rosto encostado na parede de costas para você, você terminou de rasgar as partes de baixo da minha roupa e me fez tua. Com todo o carinho que alguém sentia, meu medo se foi e preferi preservar nossa historia. Agora de frente um para o outro, nos beijamos e nossos corpos ainda colados quando tirei meus pés do chão e te abracei. Aconteceu. Os fogos de artifício cobriram os gritos e gemidos.

Mas não havia mais tempo, Humberto eu gostava tanto de você, mas nesta noite decidi firmar meu lamento e esquecer o que eu sentia. Você deveria ter ficado com aquela garota, ela era linda mesmo e estava caidinha de amores. Mas você preferiu o obscuro, preferiu saciar a sua curiosidade e sua vontade. Mostrei meus dentes e vi seu olhar de apavorado, quando eu disse: "Se acalme meu amor".

Humberto, após me alimentar, eu te matei.