sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Olhos negros

Confesso que morri de amores pela vossa pessoa e que no quintal da nossa quase casa ainda existe um pedaço nosso daquela fogueira que nos conhecemos. Era São João e você ao pular entre as brasas quase se chocou com meu tio. Lembra Humberto? Era São João, quando com muita vergonha fiquei te esperando na viela que dava de cara naquele matagal. Você veio, passou por mim como um carro sem freio, olhou para os lados e voltou, eu sorri e acenei, olhando para os lados com medo de alguém aparecer e ver a gente sei lá, vergonha.

A gente se olhou e você tirou seu chapéu ao ver que eu estava ali esperando. Seus olhos, Humberto, difícil esquecer seus olhos quando percebi que a luz lá, distante, brilhava em suas órbitas. Você foi chegando e eu não sabia o que fazer, eu estava com aquele vestido, lembra? Humberto, aquele vestido de São João. Dancei a quadrilha com aquele seu amigo e você com a menina mais bonita da festa. Eu não entendi o que você veio fazer comigo. Eu sei sim, você ia chegando com cara de quem ia me perguntar por ela. Não sei como você foi chegando perto de mim e eu ali, a festa para lá, bem para lá. Eu te esperei por tanto tempo ali e você demorou a chegar. 

Você pegou minha mão e me abraçou, eu deixei, eu devia estar sonhando e cedo ou tarde iria acordar com minha mãe me sacolejando e gritando as horas, mas decidi aproveitar aquele sonho e enquanto você me abraçava eu sentia seu perfume, aquele cheiro magnífico que só você tinha, que eu sentia de longe. 

Você sempre dizia que eu era diferente das outras que meus olhos pareciam duas Jabuticabas. Talvez você nunca soubesse, mas Humberto. Amei cada momento que passamos juntos e se eu pudesse perpetuar nossa existência, este momento em que nos abraçamos se tornaria o ponto alto. Nós dois nunca nos abraçamos e eu já sentia que nossos corações bateram juntos num mesmo compasso. Eu ouvia sua voz e aquilo soava como música para os meus ouvidos, era a mais pura melodia que alguém poderia escutar.

Você segurou firme nos meus quadris e naquele momento me senti sua, nos beijamos por horas e decidimos avançar. Você rasgou meu vestido, fiquei com medo do que aconteceria, com o rosto encostado na parede de costas para você, você terminou de rasgar as partes de baixo da minha roupa e me fez tua. Com todo o carinho que alguém sentia, meu medo se foi e preferi preservar nossa historia. Agora de frente um para o outro, nos beijamos e nossos corpos ainda colados quando tirei meus pés do chão e te abracei. Aconteceu. Os fogos de artifício cobriram os gritos e gemidos.

Mas não havia mais tempo, Humberto eu gostava tanto de você, mas nesta noite decidi firmar meu lamento e esquecer o que eu sentia. Você deveria ter ficado com aquela garota, ela era linda mesmo e estava caidinha de amores. Mas você preferiu o obscuro, preferiu saciar a sua curiosidade e sua vontade. Mostrei meus dentes e vi seu olhar de apavorado, quando eu disse: "Se acalme meu amor".

Humberto, após me alimentar, eu te matei.



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