quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Hvarf heim

Enquanto o vento frio batia em sua face e ligeiramente empurrava-o de volta para o mundo, a vista do alto daquele precipício parecia tão forjada a ferro, concreto, fumaça e asfalto. Os carros passando logo abaixo de seus pés criava um clima de tensão e ao mesmo tempo de alívio, ao fundo um piano dissonante anunciava o triste fim de tantas almas ao largo, distante dos olhos mas ainda assim no horizonte, os arvoredos, chafarizes, pessoas em momentos de descanso e descaso.

Entre jornais e revistas, o jornaleiro apontava para as notícias enquanto discutiam politica, entre acusações e defesas não se chegava a lugar nenhum. Felizes dos ignorantes e dos praticantes de Tai-Chi que pareciam vencer a gravidade com seus movimentos lentos e precisos, tinham uma perfeita leitura do funeral que viviam naquele insensato momento, entre uma defesa e um posicionamento arremessavam suas energias e retomavam seus lugares, concentravam, retraíam e reagiam.

Um vendedor ambulante passava por ali, buscando seu sustento e no café ao lado do banco, descolava um a mais pelo trabalho, tinha amizade com o dono e meio que lanchava por ali, denominado de “La Ruelle”, o café era mais amargo que o esperado e os croissants pareciam saltar da estufa, sempre quente. O dono do café, não denominado por ninguém que atendia, era um rapaz de meia idade, simples e conciso. Tinha por amigo apenas o vendedor.

Pela rua ao lado, no entremeio do largo em que situava todas essas pessoas, um carro passava em alta velocidade, causando espanto dos que viviam naquele momento em estado de decadência, estatelados, inertes, neutros, que apenas reagiram ao som do motor em ascensão que nas altas rotações, explodiu o combustível em uma marcha reduzida.

Buzinas, pontos de ônibus e estações de metrô, linhas de eletricidade cortavam o meio fio em uma parábola negativa entre as nuvens e as árvores. Saltando entre as pessoas, o velocista parou para olhar a dançarina que buscava acolhimento. No café, sentado em uma cadeira e debruçado no balcão, o Pierrot, enfadonho, lançava-se ao ar em passos “Croise Devant”, “Effacé Devant”, “Plié”, “Grand Jeté”, “Croise Devant”, “Effacé”...

Fade out para o precipício, onde se encontrava nossa testemunha ocular deste cotidiano. Surgia entre as nuvens um avião de grande porte que em um rasante deslocou o vento como uma leve brisa. Abraçou pelo última vez seu urso de pelúcia que ganhou ao nascer, com o qual crescera e com o qual tivera todas as confissões e motivos.

Um coração despedaçado pela vida que tivera, uns gritos de desespero invadiam seus nervos, o frio na espinha mantinha o arrepio em sua pele, pelo momento. Por hora, na praça em vista, perpétua, plena. O coletivo atravessava sua faixa, lotado. Admiravam a beleza do ser maior. Todos respiravam, sentiam, enxergavam por suas expectativas e suposições quem seria o responsável pelo inicio de todas as coisas. Só não entendiam que em alguns casos, o ser maior não poderia ser responsabilizado pelo fim das mesmas, o dom da vida por vezes era uma escolha e não um destino.


Uma lagrima escorreu de seu rosto enquanto o mundo parecia sufocar-lhe, o céu nublado escondia o Sol de todos os dias. Não chovia.