terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Veleiro

Por mais que as vitórias venham, o sentimento de derrota insiste em amargar a boca. Ficamos nós, seres datados do século passado, de duas ou três gerações para trás o mundo tem se tornado mesquinho. Guerras se vão, ataques e contra-ataques, o mundo tem se tornado mesquinho.

Experimenta-se o inferno enquanto navega em mares caóticos, passamos por provações e vivemos tentando remediar o irremediável. Pensar a frente quer dizer encerrar os conflitos e manter a paz que se é de direito do ser humano. Deixar de criar problemas e pensar na manutenção da espécie. Desta forma ascendemos aos céus e num rasante temos um momento tão próximo às nuvens, compreendendo as alturas. Vemos que todos são apenas pontos, distantes, na paisagem urbana. Naquele mesmo momento que um pássaro sobrevoa o oceano e a ave mantem-se em pleno acordo entre firmamento e mar. E então, das alturas dos prédios, entendemos que a nossa engenharia tão complexa, é criada para destruir ao mesmo tempo que constrói.

Morro acima, entendemos que chuva é mais forte do que imaginamos e que a enxurrada é apenas a consequência. No fim, todos nós ficaremos bem. Em meio a solidão que o mundo nos traz, em meio ao céu cinza de uma tarde chuvosa, em meio as notas solitárias de um compositor decadente, entre as palavras de um ébrio. 

Em meio ao marasmo da casa vazia.

“Estou num cais, como quem parte.
Olhando o mar, como quem fica.”


Te dedico meu velho... Em meio a este cais distante que opõe o ser humano a sua própria face. 
Beijos, abraços e tudo o que houver de melhor.


sábado, 13 de fevereiro de 2016

Quibus Pythonicus

Seres errantes, tão somente em seu ciclo enquanto elípticamente seguem a força gravitacional. São mundos que entre os mortos e os vivos, prosseguem-se em pleno curso. Uns mais fechados e outros mais abertos, caminham junto a cometas, meteoritos e poeira espacial, assim como outros errantes, mantém-se sozinhos observando seus iguais.

Ainda que se diga que a vida permanece intacta em meio ao infinito, é possível que se escondam no lado escuro dos astros, um ser que em alguns aspectos se torna morto-vivo, onde a luz o incomoda e a escuridão lhe pertence, é frio, sombrio, fúnebre. O mundo pelo qual não se enxerga mais, é apenas mais uma pequena parcela do que se sente. Neste instante em que os olhares se cruzam, o caos se instaura, o medo corrói e não há mais saída.

Viajando bem rapidamente com destino incerto, novamente baseado em cálculos e informações deturpadas, o fim é anunciado com pavor. Apenas os seres errantes continuam se movendo em seu curso natural. Não há igualdade nas trevas, não há alegria no solo santo, não há paz, não há amor...

Buscando a paz, os vampiros mantinham a ordem apenas cercando os errantes que relutassem em passar dos limites concedidos pela força que os mantinha na elipse, também chamavam de sobriedade.

Das trevas vieram, às trevas voltariam, caminhando sozinho pelos cantos sombrios do mundo, se viu em um momento em que a sociedade não tem mais nenhum mártir, a juventude se vai em meio ao vão e o caminho a seguir existe em uma linha tênue entre dois infinitos, hoje, caminha-se no meio fio da elipse, ou se entrega às trevas ou se vai como mais um errante. Que os sombrios se elevem e se mantenham em suas posições.

E no diário de bordo, continha uma anotação apenas, na capa:

- Livra-se uma mente em sua modéstia e liberdade, inocência e ignorância. Mas mantenha os errantes em plena órbita, estes não devem e não podem saber o que há além. Lhes faria muito mal e quem sabe, ler o futuro, faria do passado algo inerte.


Faber Krystie McDonnadan


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Urano ou como prefira chamá-lo

Como todas as noites em um momento de sintonia com o cosmos, observava os rastros da Via-láctea, deitado sobre a grama sintética, percebia que nada daquilo era real, inclusive o céu, aliás, até mesmo o céu.
Tornava as coisas mais amenas a vacina de prazer diária. Os escravos ainda viviam como num mesmo momento em que todos se rebelavam, o menor sinal de rebelião era absorvido com doses de inverdades e calúnias, se sentiam culpados por pedir bom senso e se calavam. Poderiam se deitar na grana para observar o céu algumas horas por dia. Neste ponto as horas eram divididas entre o simples e descomplicado capataz que de 15 em 15 minutos acordava os dorminhocos e os mandava trabalhar.
Em sua razão, os mesmos avisavam que estavam em seu período de descanso, o caso é que aquilo se repetia varias e varias vezes, já que o capataz parecia ter amnésia, ou seja, durante todo o período de descanso, todos eram avisados de 15 em 15 minutos que o trabalho deveria ser feito, ficavam todos atônitos, uns levantavam, outros buscavam tampar as orelhas, atitude que irritava por sua vez o capataz. Alguns de diziam de saco cheio e se levantavam para trabalhar, resolvendo as coisas mais cedo, talvez tivessem um tempo mais prolongado de sono.
Após o expediente nem tão tranquilo, o nobre ser ainda tinha esperanças de que os ditos ajudantes calçassem os sapatos para uma voltinha pelas ruas da vila, para mostrar sua felicidade aos mais críticos e mantenedores da fazenda. Funcionava assim, todos ganhavam a vacina da felicidade antes de sair do abrigo, portanto estavam sorridentes e com uma vitalidade de dar inveja aos seres mais livres do reino. As vezes um deles tinha desejos estranhos de comer fast-food ou beber uma cerveja durante o passeio, este apanharia mais tarde no retorno ao abrigo, mas no momento do passeio, ganhava tudo o que queria pois ninguém poderia entender o que se passava.
A vida era complicada com o capataz, até o momento em que o mesmo errou a vacina em um dos ajudantes, ao invés de felicidade, injetou consciência. O que aconteceu foi estranho, foi triste, foi libertário...
O agora nomeado desgarrado não só parou de aceitar os argumentos falidos do capataz, como também resolveu parar de se incomodar com os discursos durante o descanso. Olhar a Via-láctea de certo modo transmitia a Urano um peso maior, um ser maior e mais científico. Em chamas por mais estranho que fosse,  Chronos apenas observava a medida em que a rebelião começou.
Não haveria mais um minuto sozinho naquele planeta. Sem religião, sem linhas retas. A depressão bateu no fundo e o suicídio foi inevitável. A realidade causou um estranhamento ao ver o mundo como ele é, causou também um momento de alegria ao perceber que o capataz não era necessariamente insubstituível e daquele dia em diante, o momento foi de graças e de descrenças.
Passeando pelos dias desleais, teve que engolir seco que o capataz já estava atrás de outro para compor seu lugar, a vacina de felicidade não mais seria dada de bom grado e por mais que a vida fosse na prisão e no trabalho, os momentos felizes eram realmente felizes, os momentos de passeio eram bem proveitosos. O problema era o depois, o problema era voltar ao marasmo dos momentos ditos “Home, Sweet Home”. Não seria mais obrigado a ser o que não queria ser, ao nascer, o doutor disse que ele era problemático. O problema era a liberdade em suas entranhas, era a paz em seus olhos, era a maneira de viver e era a maestria de compreender quando alguém está sendo maldoso. Nos fim dos tempos, quando em seu leito de morte, pediu que fosse transportado para o teto, gostaria de adormecer em seu sono eterno lá de cima do telhado, mas não qualquer telhado, queria ir acima dos quadros de LED que davam a atmosfera aos transeuntes. Seu pedido foi tão emocionado, mas ninguém compreendia o que seriam as telas LED. Ele sabia, o céu não era céu, o sol não era sol, as emoções não eram emoções, a robótica tomou conta de tudo e todos. Até mesmo o capataz estava programado e não sabia.
Os mestres ainda humanos, cientistas, pediram um momento a sós e questionaram em segredo como ele saberia das telas LED que cobriam todo o mundo. Ele apenas sugeriu que ao passar noites em claro a imagem era modificada a cada 7 dias e que a forma com que era mostrada a via láctea, as luas, sol, habitat e formas de vida era bem surreal ao ponto dos escritos em um caderno passado de geração para geração. O conhecimento era passado ali, de um para o outro, até que o capataz se viu em uma solidão, e por desdém dizia que aquilo era necessário e legal. Desta forma, saiu distribuindo vacinas de felicidade por ai, manteve amigos e uma vasta clientela. Por pouco tempo e cada vez menos tempo, até que o conhecimento foi difundido e que todos eram capazes de gerar felicidade. Ao submeterem o leito para acima das estrelas, ele se maravilhou com a vista e enfim tornou-se parte do todo, seus olhos foram se fechando até que a inércia foi rapidamente convertida em potência de arranque. Seu corpo, seus metais, fios e nano transmissores estavam se desligando até que ele se tornou um corpo errante no cosmo, tornou-se parte dele e desejou que todos fossem libertados. Mil anos após, o segredo foi revelado e as placas retiradas, em meio a rebelião até mesmo o capataz preferiu o voo a se manter no planeta, mas apenas após mil anos depois, ele buscou todas as formas para se firmar, sem sucesso.


Dedicado ao cara que se tornou uma referência em minha vida. Se entregou aos afazeres de uma vida solitária e se desprendeu sem deixar rastros. Estou de saco cheio destes espasmos de felicidade, o mundo é um lugar inóspito e cruel. Um dia a gente se vê meu camarada, um dia eu vou saber como é acima das telas LED.