terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Dona eis requiem - 1.0

O vento frio passava pelas frestas da porta de madeira. Tinha um aspecto de casa arrumada, rústica, de amarração estreita. Era aconchegante de qualquer forma. Nevava lá fora, os vidros das janelas por dentro aquecidos pelo fogo da lareira, hora estavam embaçados e hora derretiam a neve que caia sobre o meio fio da armação quadrada.

Um homem entra em cena, vestindo poucas roupas para o frio que fazia lá fora, não parecia se importar com a temperatura e trazia junto de si em seus braços uma corsa abatida pela nevasca, quase já sem vida. Deitando o animal frente a lareira, esticava as pernas na poltrona enquanto se alimentava e aguardava pela recuperação do seu novo amigo.

Num lapso, o animal convulsionava para seu fim até que o homem levantando-se esticando suas mãos por cima do ser sem vida enquanto recitava alguns versos criados por uma voz oculta, ela parecia recitá-los em seu ouvido enquanto ele apenas repetia.

Sentia-se um calor fora do normal durante o processo, uma energia percorria aquela sala e se revestia em cores púrpura e azul ciano, raios e luzes circulavam por entre os corpos em questão. A corsa levantou-se, assustada, revelando por trás do fogo um ser noturno, este olhou fundo nos olhos do homem, parecendo rogar-lhe algo. Enquanto recitava em sua prece:


“Este que dá a vida, é o mesmo que concede o fim. Caindo em descrença por seus mais íntimos pesadelos, este que vos ensinará o poder da cura é o mesmo que encarregará de sua morte. Pois eu sou o ceifeiro e te apresento o mundo nu e crú. Te apresento o mundo além dos muros, além da natureza, ou faz o que te mandam ou será prisioneiro para sempre deste que chama de Deus e de tudo o que te faz pensar que a ascensão do espirito está acima de teus atos.”



terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Pêndulo

Clara observava seu reflexo no espelho d’água.

De certa forma também observava todo o seu redor através das calmas águas, Clara inventou seu mundo dentro daquele lago e num piscar de olhos pôs-se a crer que o mundo fosse exatamente como o lado de dentro.

Acessando as águas claras, Clara transformava seu mundo novamente, mas até então, tocou o fundo do lago, ainda sem soltar o ar tão rapidamente percebeu que aquilo a pertencia. O mundo afora das águas claras de Clara não seria mais o mesmo mundo aconchegante, Clara sentiu frio, Clara tentou gritar e de sua voz, saíram bolhas, Clara claramente estava feliz com os peixes-lua, algas coloridas, sereias para lá e para cá e os peixes que Clara conhecia...

Clara nomeou cada ser ali dentro, deitada no fundo, as algas faziam cocegas em seu corpo enquanto ela apontava e ria dos peixes com caras estranhas.

Clara deitou-se no fundo enlameado do lago claro.  Ali se apoderou do mundo que a apetecia. Ela pensou em seus livros, seus amigos, seus namorados, claro que Clara era uma menina namoradeira. Tanto se diziam isso na vilinha perdida no meio das montanhas, que Clara era namoradeira.
Ao mesmo tempo, Clara estava só, se sentiu só ali no fundo do lago. Resolveu sair, mas era tarde demais, Clara deixou seu corpo ali, no fundo, com os peixes, deixou seu melhor vestido, enquanto fechava os olhos e pensava no número de escamas que um peixe daquele poderia ter, e, quantas tantas outras escamas poderia ter uma sereia.

Clara, estava maravilhada com a cena final errônea deste texto, é claro. No final das contas ela estava no aconchego do seu lar, enquanto seu corpo agora apenas flutuava pelas calmas águas. Clara se desprendeu de tudo, encontrou com outras pessoas que lamentavam o ocorrido, mas estavam no mesmo momento. Clara fez novos amigos. Clara conheceu novos meios de se viver... e de namorar.
Clarinha conheceu o seu outro lado da vida, do espelho d’água, ela não apenas conheceu como mergulhou de cabeça no outro lado, de fato.

Pode parecer triste o fato deste. Mas olhar mais de perto, crer que as vezes o melhor é encostar a cabeça no fundo das calmas e claras águas.

Ela descobriu um novo mundo, apenas ao fechar os olhos para o mundo que a cercava.



domingo, 4 de dezembro de 2016

Manutenção

Enquanto as metrópoles cresciam um universo surgia entre as escadas e elevadores dos arranha-céus. Ao observar a beleza do palácio do Kremlin, chegaríamos a cúpula da catedral de São Vito no Prazsky hrad, isso em Praga a cidade cortada pelo Moldava, sob os domínios ainda da Capela de São Venceslau. A beleza da tecnologia nas torres Petronas nunca mais seriam porém um empecilho para uma sociedade que mataria seus ídolos e entrepostos do momento em que a catástrofe nos trás os funerais.

Um mundo de luto e a natureza não sessa, sem piedade, abismos simplesmente brotavam. O homem não haveria de ter, apenas, entretanto, piedade de seus próximos. Em vista a larga escala que se constrói tantas outras estações de metrô, ou mesmo passo em que o mundo se afunda. Sempre haverá aquele que dirá, profanando e doutrinando uma nova religião, seita, credo ou simples fatores mundanos, que delicia.

A mente humana se molda, se cria e sempre encontra uma outra forma, ela se reinventa a cada dia, desde o nascimento até a morte. E a morte, a morte sempre encarada como algo complicado. Eis um funeral, eis uma vida cruel, eis um momento de frieza quando você se dá conta que ao saltar do Burj Dubai, dá-se tempo de pensar qual o propósito da vida, que aliás, sabemos que tudo o que se construiu, sempre haverá de se ficar para as próximas gerações. Edifícios caem, em uma fábrica de poder.

Produzimos bugigangas faraônicas para que a simplicidade de nossos filhos destruam conceitos básicos de sobrevivência. Além do mais, pensando bem, qual é o sentido da vida?
É impossível. É linear. É catastrófico. É bonito. É ressurgido. É rebuscado. É chato. É imposto. É forçado. É real. É irreal. É momentâneo. É formado. É desejado. É longo. É vago. É obtuso. É entregue.

“Em todo caso estarei pronto pra um funeral
Em toda ocasião mais uma vez chamada de funeral”



Não feche a porta. Tudo é uma questão de perspectiva. 

Perpetue.