sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Entre nós e as estrelas

Observava as estrelas com certo desafio nos olhos. Sentado na relva apenas por aquele instante de calmaria na cidade que nunca dorme, enquanto o cigarro ainda aceso respirava da mesma brisa gelada vinda do ártico. Águas calmas do lago refletia a luz da Lua e os sons vindos dos uivos longínquos dos coiotes que se cercavam de esperança aguardando o momento certo para avançar a caça.

Era um momento único de plena divisão entre o surreal e o que estaria de fronte aos olhos. Nada daquilo caberia em uma única fotografia. Não adiantava nem mesmo tentar. Um trago a mais e a fumaça se confundia com o vapor que saia de suas narinas. Na melhor das hipóteses aquela imagem queimaria seu cérebro como o ácido. Todas as questões mundanas vindo a tona de uma vez só, não se tinha mais certeza o que era cigarro, relva, cervo ou coiote. Arma apontada para si mesmo em afronta contra sua própria vida, dali para a frente seria diferente, sabia que por mais que apertasse o gatilho saber o futuro era ilusão, dizer que o passado não existiu, mentira. Fugir daquilo tudo era a única realidade.

As memórias ainda se misturavam enquanto fechava os olhos no silêncio, sabia ser o último, sabia que um dia a dor iria embora. Quando a luz do sol tocava sua pele, viu o sonho se tornar real em cores Tecnicolor. A dúvida ainda era a mesma:

“Já teve um sonho que parecia real? Se você não pudesse acordar deste sonho, como distinguiria o sonho da realidade?”

Continuar negando que os mistérios da vida vão além do que acreditava seria irrisório, naquele mesmo instante a milhões de anos-luz dali, em um universo paralelo, ele poderia nem mesmo existir, em outro universo paralelo, ele poderia ter puxado o gatilho, e em outro a arma nem estaria em suas mãos. Todo aquele paraíso poderia nem existir, toda aquela história seria um imenso deserto e o sonho, talvez o sonho fosse a realidade ou a realidade fosse o sonho.

No mais fiel de seus quadros, aquele com suas marcas mais profundas, o Yin-Yang cortando sua carne, a seco. A fidelidade de um quadro tal qual a do sol nascendo por entre as montanhas, sob a névoa matutina enquanto os coiotes deixavam a vida para descansar em paz. Os sons da madrugada davam lugar aos carros passando na highway, aos vagões barulhentos do metro, dos trens de superfície e das pessoas caminhando pela manhã em busca de seus afazeres. Por vezes os aviões retornavam ao seu fatídico asilo. O cigarro já apagado dava lugar ao gole de café, este seria o combustível para mais um dia. Nas células do anjo caído, na voz lírica, no comando das vozes e das armas a vida seguia na metrópole.

O espaço entre o sonho e a realidade parecia imutável, mas ao mesmo tempo, no espaço-tempo entre os astros, um trilhão de anos é um piscar de olhos astrológicos. Mais uma vez a relatividade nos embrulha em um poço de imperfeição.

Mudam-se os tempos e os que vem hoje para o mundo, ainda considerados dotados de pureza ou, diga-se de passagem, imunes a insanidade mundana.

“Seria o feto um resquício de sanidade ou fruto da loucura?”
Faber Krystie McDonnadan