quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Expressionismo x Belchior



Quando se fazia necessário, por vezes, buscar em seu leito de morte aquele relógio que era incapaz de marcar as horas e neste momento que olhava os ponteiros retornando às posições iniciais de 12:30:15. Estáticos, todos ao redor faziam parte de um lapso temporal como se o botão “Stop” tivesse sido pressionado. Nada mais ali funcionava, o tempo parou, dizia ele em sua mente, seus movimentos não eram capazes mais. Como num sonho ou paralisia noturna, o choque tomava conta de todo o sistema enquanto olhava para o relógio situado nos 12:30:15. Os aviões de guerra, rasgavam o céu com seu sistema inovador que permitia que o Tenente-Brigadeiro Josh Briggs pudesse atirar em seus alvos sem acertar a própria hélice.

Naquela cadeira em que situava no 8º andar do prédio da inteligência Soviética, denominada pelos Britânicos de Crash. Todos os Nazistas que sobreviviam no front, possivelmente iam parar ali. Pavel Liannoff, o responsável pela vingança de cada baixa do exército aliado, já iniciava o interrogatório na língua russa, causando um certo estranhamento no soldado alemão, porém, quando o soldado tinha certeza de que estava falando com um analfabeto russo e o insultava, Pavel começava um pequeno funeral, iniciando suas preces com Goethe, citava Prometeus e sempre finalizava com Nietzsche, a simbólica frase “Deus está Morto”, era um louco.

“Bedecke deinen Himmel, Zeus, (Encobre o teu céu, ó Zeus,)
Mit Wolkendunst, (Com vapores de nuvens,)
Und übe, dem Knaben gleich, (E, qual menino que decepa)
Der Disteln köpft, (A flor dos cardos,)
An Eichen dich und Bergeshöhn; (Dispor com carvalhos e picos de montanha;)
Musst mir meine Erde (Ainda tu deves partir)
Doch lassen stehn (Minha terra ainda está de pé;)
Und meine Hütte, die du nicht gebaut, (Minha cabana também, que não foi criada por ti;)
Und meinen Herd, (Deixa-me a minha lareira)
Um dessen Glut (Cujo brilho gentil)
Du mich beneidest. (Por ti é invejado.)”

Em um momento que Liannoff já obteve todas as informações necessárias ele sussurrava ao sargento de mais baixa patente ao seu lado, em alemão, “bereiten Sie den elektrischen Stuhl vor” (Prepare a cadeira elétrica). Enquanto desamarrava o soldado, fazia um certo corpo mole para que ele se soltasse e pudesse fugir, e todos fugiam, pulando pela janela buscando a sorte de sobreviver a uma queda de 25 metros.
Enquanto observava a cena, Pavel continuava a citar Prometeus.

Ich kenne nichts Ärmeres (Eu não conheço nada mais pobre)
Unter der Sonn' als euch, Götter! (Sob o sol, do que vós deuses!)
Ihr nähret kümmerlich (Você nutre dolorosamente,)
Von Opfersteuern (Com sacrifícios)
Und Gebetshauch (E orações votivas,)
Eure Majestät, (Sua Majestade;)
Und darbtet, wären (Você iria morrer de fome)
Nicht Kinder und Bettler (Se crianças e mendigos)
Hoffnungsvolle Toren. (Não confiassem nos tolos.)

Mais um soldado alemão, com menos de 20 anos, suicida, morto, nas ruas de São Petersburgo, a chamada então de “A cidade de Lênin”.





x

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Tous les Jours - 02


"Consegui meu equilíbrio cortejando a insanidade."

Talvez em um passado muito (ou pouco) distante, já se tenha ouvido uma expressão tão comum quanto escovar os dentes antes de sair para o trabalho, claro que para tal você precisa de algumas coisas listadas a seguir:

1a parte:
- Ouvidos;
- Orelhas;
- Não ser surdo;
- Se deficiente auditivo, ter um aparelho que ajude a ouvir;

2a parte:
- Escova dental;
- Creme dental (ou sabonete, mas não faça isso);
- Dentes (ou dentadura, mas aí rola também um Corega Tabs*)
- Uma porta (ou algo que se sirva para sair de algum lugar) e;
- Um trabalho (seja lá qual for).

Mas, voltando a real ideia sobre a expressão, enfim, eis que já ouvimos falar “fulano é louco!”, “será que você não poderia ser mais normal?”, “sicrano é maluco! Um doido!” e etc.

Chega-se à conclusão de que de certa forma as pessoas loucas são mais atraentes em todas as vias. Ninguém é seduzido por alguém passando com cara de merda na rua, geralmente aqueles que sorriem para tudo e para todos, dizem bom dia e se sentem felizes com tudo, pessoas loucas são felizes e consequentemente mais sedutoras.

Geralmente pessoas que se doam por inteiro em relações, sejam casuais, amigáveis ou qualquer relação que possa ser lembrada, pessoas loucas são inteiras, são pessoas que não tem medo de arriscar, não são inseguras e se der merda, continuam felizes pois é isso mesmo que o mundo deu então ok, "bora beber".

Pessoas loucas sabem lidar com qualquer situação, sem medo de ser quem são, sem medo dos julgamentos ou de qualquer coisa que venha de outra pessoa. O mundo delas é de dentro pra fora, elas não fazem nada para “aparecer”, elas são. Se talvez você já se pegou dizendo: “- Fulano quer aparecer!” Cuidado, você pode ser uma pessoa normal e ranzinza... sem perceber, você quer aparecer, tentar ir além da pessoa louca que aparece por natureza, ela surge como sol por trás das nuvens. O caso é que a curva é inversamente proporcional ou seja, quanto mais você tenta aparecer mais você se esconde. Compreende que a pessoa maluca não tenta? Ela é.

O grande problema das pessoas normais é esse, o brilho dos loucos as incomoda e aí criam-se padrões, criam-se regras, criam-se estatutos e condutas morais para que os loucos sejam marginalizados. Enquanto alguns sentam e reclamam, outros fazem acontecer e buscam a loucura de cada dia. Lembrem-se, as revoluções aconteceram perante ideias malucas e ideais inconcebíveis. Ninguém nunca foi feliz suficiente no escuro do quarto pensando em suas responsabilidades antes de dormir, mas aposto que aquele foda-se bem dado na hora certa foi do caralho. Aquela adrenalina ao realizar o seu sonho de pular de paraquedas ou então a realização de socar a cara de alguém que te incomodou por tanto tempo.

Nós, seres humanos, necessitamos da loucura diária e se você não necessita dela, sinto muito, você é apenas um peso para papel na repartição pública. Pegue um carimbo e seja feliz. Enfim, finalizando este texto citando o saudoso Nelson Rodrigues em sua peça teatral “álbum de família”, fala na qual Senhorinha se dirigindo a Jonas se refere a Nonô:
- O amor por uma pessoa louca, é algo puro.

*olha o Jabá!



segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Tous les jours - 01


Certa noite, Chico ao passar por um bar que estava fechando observou que foram esquecidas três cadeiras para o lado de fora, ele estava um pouco embriagado, mas pensou bem, resolveu levar as cadeiras embora e na rapidez empilhou-as e levou até sua casa, uns quarteirões a frente. Na manhã seguinte, o bar abria enquanto Chico entrava pela porta com um ar de preocupação, queria falar com o dono do estabelecimento.

- Olá, bom dia. – Disse chico.

- Olá, como vai? – Disse o dono do botequim

- Vou bem, obrigado. Gostaria de saber se não gostaria de comprar umas cadeiras, dessas de bar, tenho algumas em casa e, sabe como é, depois da mudança acabei precisando me desfazer delas.
- Hum, elas são brancas? Com o símbolo da Antártica?

- Sim são. Engraçado, são iguais as que você utiliza em seu estabelecimento. – Chico tinha um ar de conclusão, mas estava bem aflito.

- Eu entendo senhor, mas, sabe como é? As coisas não vão bem aqui no bar, bem, serei direto – Neste momento, Chico arregalou os olhos, achou que seria descoberto. – Não posso comprar nada por enquanto, a não ser que seja muito barato.

- É como eu disse, estou fazendo a preço de desapego, 2 contos por cada, vai? – Chico concluía.

- Hum, 2 conto cada uma? Bem, como eu disse a situação está complicada e você pegou o bar abrindo, posso te oferecer uma dose da melhor pinga que eu tenho? – Todos ali, menos Chico, sabiam que aquela era a boa e velha 21 garrafa plástica não retornável.

- Claro, pode ser! Adoro uma pinguinha de engenho! Vou buscar as cadeiras.

Ao retornar, Chico tomou sua dose e foi embora feliz pelo bom negócio.

Passando por ali no final de semana seguinte, notou que haviam desta vez dez cadeiras do lado de fora e sem titubear, empilhou-as rapidamente e levou embora. 

Na manhã seguinte o papo desenrolou da mesma forma.

- Bom dia senhor, lembra de mim? – Chico se fazia entender.

- Bom dia, como vai? Olha, suas cadeiras foram muito úteis, ontem vieram três novos clientes e se não fosse você, eles teriam ficado em pé. Acredita?! – Comerciante

- Que coisa impressionante, fico feliz em poder ajudar e acho que posso talvez te ofertar mais algumas cadeiras, achei na mudança, mas desta vez são dez. O senhor se interessa? – Chico estava feliz por “ter ajudado”.

- Me interesso sim, mas podemos realizar a transação da mesma forma?

- Claro, mas desta vez então aumente a dose e de acordo com meus cálculos... – Chico se colocou a pensar, como intelectual.

- Te coloco duas doses! Pela nossa longa amizade! Muito prazer, me chamo Miguel.

- Claro Miguelito! Vou buscar sua... as cadeiras.

Chico retornava com as cadeiras, bebeu as doses e foi embora.

Uma semana após o ocorrido, o agora denominado Francisco, passava pelo mesmo lugar quando na rua em frente ao botequim após uma festa, haviam cem cadeiras. Ele empilhou todas elas e de dez em dez levou tudo para sua casa.

Na manhã seguinte, Chico entrava pela porta recém-aberta já mandando a palavra ao Miguelito.

- E ai meu chapa, posso te ser sincero?

- Manda aí meu consagrado, o dia tá mais ou menos, mas pode dizer.

- Eu venho aqui já tenho um tempo com esse papo de vender as cadeiras, mas eu preciso te contar um segredo.

- Pô cara, conta ai, o que acontece.

- É que eu não achei as cadeiras na mudança. – Miguel arregalou os olhos – Eu sou um vendedor de cadeiras, mas como achei você muito gente fina e vi que o seu bar está meio vazio, eu poderia te fornecer algumas novas. – Miguel respirou fundo e voltou ao normal.

- Claro cara, quantas você acha que cabem aqui? Umas cem?

- Nossa, é exatamente o que eu estava pensando.

- Mesma coisa? Te pago em doses?

- Sim, fique tranquilo, do meu chefe eu cuido. Vou buscar agora mesmo todas elas.

Chico trazia de dez em dez, pensando nas doses que recebera “de graça”, mal sabia ele que Miguel estava mal por ter se desentendido com o garçom que mandou embora por não precisar mais pagar alguém para guardar as cadeiras antes de fechar o bar.



quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Le temps rugit comme un lion

Todos os dias buscava encontrar-se em uma esquina qualquer, no meio de um bar, daqueles que tocam os famosos blues. Um furacão poderia ameaçar mais uma vez aquele dia com semblante cinza, poeirento, cru. Não havia mais uma pessoa sequer na rua, todos estavam escondidos com medo e ela ficou ali enquanto os ventos pareciam aumentar a intensidade e carregar consigo tudo o que poderia perante sua força.
As pessoas dentro de suas casas, acessando o porão enquanto aquela moça de estatura média, cabelos cor de arco-íris sentava-se no meio da rua, entre os carros. Parecia admirar todo aquele espetáculo de coisas voando, casas sem telhados. As caixas de correio mesmo chumbadas no chão, ainda pareciam criar vida diante daquele momento, saltando entre a folga dos parafusos, algumas se soltavam e levavam consigo memórias, notícias, propagandas e afins.

A inercia trazia um pouco mais de encanto ao compreender que a cidade se destruía aos poucos e nem sempre tudo era culpa dos ventos que zuniam em meio aos carros virados. A cena era real, as árvores; as únicas a suportar tudo aquilo e com certa dificuldade ainda se esforçavam bastante para manter as raízes no chão, mas o problema não eram as raízes ou então talvez os ventos fortes, mas driblar tanto a vontade de voar em meio as rajadas que se afunilavam entre as nuvens cinzas.
A ideia principal sempre foi a mesma. Naquele momento compreendeu-se que a luta era inútil, tudo sufocaria de tal forma que no final das contas o que foi vivido até ali não significaria nada. 

Os fins jamais justificariam os meios.
Todas aquelas questões sem respostas, sentia medo dentro de si e sabia que o silencio que a assombrava todas as noites terminaria ali, sabia que aquela noite seria a última e os velhos fantasmas que a prendiam naquele lugar, naquele dia, iriam embora. Ao fechar os olhos para os corações vazios não havia mais tristeza, alegria ou amor.

A chuva cada vez mais intensa transformando o dia que se tornava azul em nuvens negras e pesadas. Raios, trovões e relâmpagos davam o clima tétrico dentro de todo o entorno catastrófico enquanto o caminhão dos bombeiros cruzava as ruas buscando sobreviventes, quando ao cruzar a rua sentiu o vento bater em sua pele, um arrepio, um frio, dos pés a cabeça a fez entender que tivera passado por entre o caminhão. 
Ouvia seu nome ser chamado a poucos metros dali mas não se preocupava, seu destino estava cumprido e apesar do sofrimento dos mais próximos, o seu sofrimento havia terminado. A partir daquele momento, faria parte dos ventos, ventanias, chuvas e catástrofes. Assim como faria parte do lindo sol que fazia no dia seguinte, era primavera em Nova Orleans.



sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Missão KGB - Kiev - Parte 1


Quando estava pronto para retornar a sua casa sentiu uma vertigem que o fez deitar novamente naquele quarto de hotel, denominado “O Uivo”, tudo o que era feito ali ficava ali, e não seria diferente com o Rostkov, codinome de nosso personagem que não terá a identidade revelada. Ele fazia parte de um grande esquema de infiltração da polícia secreta em Kiev.

A cúpula de altas patentes do Kremlin continuava ali no subsolo aguardando o sinal para deixarem o local. As forças da Zvezda, responsável pelo tráfico de narcóticos da região que se estendia da grande Kiev a Donetsk, pressionavam o cerco feito naquele bairro, mas nunca desconfiaram que “o Uivo” seria quase um QG das forças armadas da antiga KGB, a hoje FSB.

É claro que eles nunca desconfiariam. O dono sempre foi muito confidente com todos e inclusive parecia que as vezes jogava para os dois lados, como se ali fosse uma espécie de área diplomática. Todos poderiam entrar e sair como quisessem, porém, era proibido a divulgação de identidades ou até mesmo falar o idioma local, ali se falava o Inglês.

A Zvezda sabia da movimentação dos oficiais naquela região, mas um disparo poderia colocar tudo a perder. Era uma espécie de guerra fria, onde ambos os lados tinham noção do que poderia acontecer caso alguém desse o primeiro passo. Deste modo, ninguém ganhava nada, mas também não perdia. Os caminhões chegando ao local marcado para recolher os 11 oficiais da FSB às 2:00AM horário de Moscow.

Prostitutas russas, charutos e bebida à vontade. Era quase uma festa de despedida de solteiro após uma grande operação. Uma festa entre Ucranianos e Russos, sendo muito sincero, alguns até desconfiavam que haviam pessoas da própria Zvezda dentro desta festa. Quando os oficiais começaram a se levantar com as damas de companhia e ir para seus aposentos, notaram que faltava um deles, Rostkov tinha ido embora bem cedo dali, mas tinham certeza de encontra-lo ao check-out.

A neve caia lá fora, enquanto Rostkov, deitado, lembrava-se dos passos que seguiu até o quarto, quando notou alguma coisa na saída do sistema de calefação. Ele notou que o ar não estava tão quente, mas um vapor saía de lá e aquilo não parecia normal. O fato não era o ar estar contaminado com algum tipo de arma química ou biológica, mas, quem faria isso em uma área diplomática, desrespeitando as leis e jogando tudo para o alto.

Uma sirene bem fraca, parecia o som dos lobos, um Uivo.
Rostkov sem pensar duas vezes apenas abriu a janela do quarto e se atirou do 5º andar.


segunda-feira, 23 de julho de 2018

O vazio das estrelas - Ponto chave


É um mundo preto, que no máximo se torna cinza.

É a saudade de um lugar que você nunca esteve.

É o choro sem sentido algum.

É a vontade de passar o dia na cama e não haverá nada que mude a sua vontade.

É aquela dor incessante, como uma mordida na unha onde a carne se mistura com a pele seca, com a lasca.

É o cachorro que late de madrugada, a madrugada toda, toda e toda ela!!!

Em meio a isso tudo a gente levanta da cama e tenta levar o dia, alimentar o corpo, pensar em boas lembranças, trazer de volta aquela esperança.

Mas sabe quando você apenas de lembrar do monstro, ele surge de novo na sua cabeça?

O problema é esse, é a mente tentando dizer que chegou ao limite. É uma forma de quebrar as barreiras do imaginário e por em prática o plano “Shutdown” e você entra em um estado de hipnose.

É um questionamento sem fim sobre o que realmente importa e a resposta nunca sai do zero.

É um vazio impreenchível dentro de um corpo inerte.

É um corpo inerte em meio a um vazio impreenchível.

De alguma forma, alguma coisa trabalha fora dos moldes pressupostos pela sociedade, mas, talvez seja exatamente esse o problema, uma produção toda de pessoas que não se moldam no que a sociedade prega como “normal”. São pessoas com uma sensibilidade extremamente frágil onde o menor deslize colocaria tudo a... ganhar? Perder? Mas estes conceitos são tão incorretos... o que se ganha? O que se perde?

É uma explosão silenciosa dentro daquele vazio.

Não existem cores, não existem sentimentos... o nada está ali.

Do nada surge e do nada se acaba.

O câncer da mente.

Sabemos todos que até mesmo um vilão tem bons motivos para sê-lo.

É necessário encarar os problemas para que eles tenham sentido em existir e não apenas pensar que eles existem para nos fazer mal. Afinal, bom e mau, escuro e claro, céu e inferno, são conceitos criados pelo ser humano para controlar as grandes massas e se você não está incluído em nenhum grupo, você é um marginal.

Este é o grande problema, sentimos ódio, raiva e pena dos marginais.

O ódio é um sentimento de repudio e para as pessoas “normais” é assim que os marginais se sentem em relação a si mesmos.

ESTÃO ERRADOS!! IMBECIS.

Você se acha normal por levar uma vida de merda?

Não há motivo. Não existe explicação. O gatilho é puxado sem aviso prévio e quando você se dá conta...

Quer saber o que eu sinto?

Nada.


quarta-feira, 18 de julho de 2018

Crônica - Página 2B - Domingo


Era azul o mar por onde as caravelas deslizavam como a patinadora desliza no gelo. Com certa leveza e ao mesmo tempo técnica para realizar seus saltos e manobras que só são possíveis com muitas horas de treino. Assim como a madeira das caravelas que passaram por muito tempo crescendo como árvores, maturando como tábuas e envergando no martelo e marreta na confecção do casco. O mar por sua vez, desde o inicio era azul, naquele momento em uma analogia próxima, nem mesmo o gelo onde a patinadora desliza seria tão puro quanto os mares nunca dantes navegados.

As gaivotas davam o sinal, a brisa com cheiro de terra molhada traria ao grumete a sensação mais nobre e aterrorizante de sua vida. Ele sabia que era um caminho sem volta, já que parte da tripulação sempre ficava em terra firme sofrendo as mazelas que todo descobridor sofria. O capitão ordenava a descida do barco com quatro homens, para reconhecimento de terreno enquanto o restante se preparava para uma invasão em caso de nativos ferozes.

Eu era o grumete, descendo com o barco enquanto a caravela estava ancorada a poucas milhas da praia. Eu podia avistar ao longe, alguns hominídeos trajados de céu, observando o que naquele momento era um grande monstro vindo dos mares, o indígena selvagem não tinha noção que aquelas caravelas seriam o meio de locomoção marítima mais avançado da época, assim como eu não sabia o quão perigoso seria aquele encontro. A dúvida cruel ainda persistia, seria eu tratado como rei, divindade ou então como um monstro a ser morto pelo nativo mais valente?

Ao pisar nas areias daquela praia, fomos recebidos com formalidades e diplomacia. O paraíso era logo ali. Água de coco para a sede, índias para o deleite, fumo para o prazer da alma e alimentos para saciar a fome. Naquele momento percebi que retornar ao país de origem, ou terras de Espanha, seria uma farsa tamanha, subindo sozinho aquela montanha, sabendo é claro que o retorno era imediato, não haveria de ser no mesmo ato.

Passado os anos, me apaixonei por uma das índias, nossas vidas eram diferentes e ela parecia não ter dono, ela não tinha, seu coração estava sempre onde ele queria estar, não seria eu o mero grumete a institucionalizar aquele coração selvagem? Voltar as agitadas terras de Espanha seria a necessidade daquele momento. 

“Apesar do alvoroço que ela fazia e do desespero que crescia em mim, apesar de tudo, eu estava no paraíso. Um paraíso cujo céu eram as cores das chamas do inferno. Mas ainda assim um paraíso.”




segunda-feira, 21 de maio de 2018

De Fyodor a Faber - Lembranças e notoriedades


Faber, as vezes me encanto em saber que está por aí. As vezes eu me olho no espelho e vejo um tanto de você. Lembro dos dias que toda a família te chamava para observar os campos ainda verdes do início do outono e você raramente saia do porão. Enquanto Pyotr ainda ansiava por melhorar as apresentações na corte e toda aquela preparação da Ekaterina para o baile real. Lembra? Claro que não, eu sei. Você sempre esteve parado no tempo para esses valores mundanos. Eu sei, você está hoje onde sempre sonhou. Eu temo que não volte mais, mas, enfim, gostaria que soubesse que estamos todos bem, de certa forma. No oriente médio lançam bombas químicas, gases, como na primeira Guerra.

De fato, receio termos que voltar a utilizar as máscaras da peste, mas, hoje sou apenas eu ainda neste espaço/tempo indefinido entre o firmamento e o que chamamos de limbo. Não reclamo, apenas vago pelas entranhas desta terra sem escrúpulos ou momentos prazerosos. Creio que Walt Whitman tinha receio de compreender toda aquela indiferença em relação a Ben Franklin, mas acho que este tempo não compreende ao seu e nem a sua pequena escala via Sputnik, sei que enxergas a Terra como uma bola multicores onde predomina o azul, mas me diz, tire esta duvida da minha cabeça. Ela é tão bonita quanto parece ser? Digo. Daqui da crosta os seres humanos são tão arrogantes. Parece que eles não entenderam o recado enviado por Deus. Acho até que eles mesmos inventaram essa história de Deus para colocar as pessoas em pequenas jaulas mentais, você me entende? As vezes é mais fácil que as pessoas sigam ordens quando elas temem que o não cumprimento delas traga uma punição eterna. Não sei se me faço claro, mas existem dúvidas que me assolam em relação ao poder das palavras contra o das ações. Peço que meu caríssimo irmão não se sinta ofendido com minhas dúvidas, mas penso que talvez Ekaterina tenha sido mais feliz ao lado de sua esposa Lucrécia ao invés de se entregar ao convento e àqueles padres corruptos que só conseguiam olhar para suas pernas e por mais que fossem castos, sabemos que a oportunidade faz o ladrão e Ekaterina nunca foi muito comportada. Eu confesso, tive medo de que ela colocasse aquele convento abaixo e o transformasse em um cabaré ou coisa parecida.

Faber, meu caro Faber… ou como diria Whitman, “Oh Captain! My Captain.” não deixe de escrever, aquele gato que deixaste aos meus cuidados sente muito sua falta, aliás, ele parece ler suas cartas quando eu as abro, mas parece também as amassar com profundo desprezo depois que compreende que você não voltará mais. Fico receoso que ele fique doente pela sua falta. Eu sempre deixo o rádio ligado nas ondas sonoras da estação especial e ele sempre identifica o seu espirro matinal ou seu ronco durante o sono. Ele move as orelhas de uma forma engraçada, mas apenas as orelhas, é um movimento milimétrico. Por fim, mande um alô as vezes. Estamos eventualmente escutando Tchaikovsky, como você havia pedido para um bom relacionamento entre nós e o felino (eu hoje o chamo de Volga).

Ekaterina mandou uma carta esses dias, está em Dallas com Lucrécia e não tem data de retorno à Rússia. Elas se dão tão bem, espero que elas se casem e tenham muitos filhos. Infelizmente não tenho tanto a dizer sobre elas já que tudo o que sobrou da carta foi a data e o local, o Volga rasgou tudo e ainda rosnou para o carteiro e segundo o mesmo, ele nunca viu um gato rosnar daquele jeito. Pyotr disse a pouco que o Volga miou se desculpando, o coitado pensou que a carta era sua e eles estão montando o quebra-cabeças, mas não creio que terminem antes do ano novo, assim que finalizarem, eu mesmo escreverei sobre como estão as meninas.

Saudações de Moscou, esta cidade continua azul, misteriosa e bela. Pyotr sente sua falta e todos os dias fica buscando a ISS com seu telescópio. Volga não disse nada, eu acho que ele prefere dizer tudo quando vocês se virem novamente.

Com carinho, Fyodor.

“Nas mais sinceras perspectivas, em um tom angustiado pela falta ou pela presença de um ser supremo. Não deixe que o encanto pela vida seja perdido. Não há nada mais belo do que ter o poder de observar os campos verdes de Outono ou até mesmo saborear as frutas da estação. O ser supremo vive dentro de nós, nós somos supremos dentro de um sistema, nós criamos e alimentamos o sistema. Se algo está errado, logo nós estamos fazendo errado. Falo da individualização da culpa, não podemos culpar apenas uma pessoa pela catástrofe que a vida nos apresenta. Assim como não podemos deixar de admirar as coisas belas que a vida nos traz. Como em uma serenata melancólica, por mais depressiva que ela seja, ainda é uma bela peça para se apreciar junto a um bom whisky e a um bom tabaco."

Fyodor M.



quarta-feira, 11 de abril de 2018

BlastFêmea


Antes de começar a seguem algumas notas para facilitar a compreensão:
>A consciência fala em CAIXA ALTA;
>Cuidado;

Ligue o som, comece com um Jazz bem calmo...

Ella Fitzgerald – Summertime.
https://www.youtube.com/watch?v=XivELBdxVRM

Boa leitura.

Tudo começa aqui... 

Então, os olhares se trocaram durante aquela música. Vocês sorriram um para o outro, um chegou, se trombaram e pá! Vocês dançaram a noite inteira e simplesmente se divertiram como não houvesse amanhã. 
- Que incrível.
- Uau! 
Como num sonoro Jazz as coisas fluíam bem e tudo o que você poderia dizer era...
- Uau!

Flores chegaram em sua porta, em seu trabalho ou em seu habitat. - MAS VOCÊ ODEIA FLORES -
Ele ainda no auge de todo um amor a primeira vista, mantinha a posição de enviar flores a todo o momento considerado especial. Você não queria “estragar” a coisa, mas confesse, já estava cheia daquelas rosas, hora brancas, hora azuis, hora vermelhas! - QUE CAFONA - 

Logo você, uma mulher moderna, recebendo flores e sendo alvo de zoação pelos colegas de trabalho, pelos vizinhos, até o dia que encontrou o cachorro que sempre passava por ali, urinando nas flores deixadas no seu tapete. Aí foi o fim! Até o cachorro! Você tinha que contar para ele que não gostava de flores, não desta maneira, que preferia um jardim de rosas ao invés de galhos serrados talvez. - MENTIRA -

Mude a música, fique na Ella, troque para a “Cry me a River”
https://youtu.be/2Gn9A-kdsRo

Quando você efetivamente chega a um consenso entre todos os seus neurônios, texto pronto, e diz que necessita falar com ele urgentemente! Vocês marcam no café mais próximo e simplesmente você chega 20 minutos antes para quebrar o coração dele e dizer que odeia as flores que ele te manda. - LÁ VEM O CARA - entrando pela porta, observando você com os olhos cheios de felicidade, - PARECE UM CACHORRO RECEBENDO OS DONOS EM CASA - sorrindo como alguém que sente saudades e não te vê a anos! Ele traz consigo, um botão de rosa, com pétalas decoradas. - PUTA QUE PARIU! FALA AGORA AQUELE TEXTO! FALA! PIRANHA! - Você não fala. Você sorri igual a uma tonta, pega o botão da mão dele e vocês se beijam ali mesmo. Assumem que sentem saudade um do outro e batem papo até o estabelecimento fechar. Ao chegar em casa, você só consegue olhar o botão - O MALDITO BOTÃO - , colocar num copo com água - ENFIA ELE NA BUNDA AGORA -, sentar no sofá e ficar viajando sobre como é agradável estar ao lado dele.

Troca de novo!
As Time goes By - Frank Sinatra
https://youtu.be/MPLFMUmonK8


Sua campainha toca, você logo pensa: “Mais flores”, ele está na porta, tomou até chuva para chegar em sua casa. Vocês se olham, você o convida, ele entra. Você oferece uma toalha e uma camiseta de um dos seus irmãos mais ou menos do tamanho dele. Vocês passam a noite na sala, deitados juntos, mãos nas mãos, pés com pés, corpos entrelaçados e toda aquela fofura. Ao amanhecer, você encontra um bilhete com palavras carinhosas e flores desenhadas. - CARA! É UM SERIAL KILLER? DONO DE FLORICULTURA? UM LUNÁTICO? DE ONDE VEM TANTA FLOR!? - Você reluta, assume e enfim liga para ele dizendo amar o bilhete. Ele diz que é de coração e que devolverá a roupa emprestada o mais rápido possível. Você não está com pressa, mas entende as segundas intensões.

Strangers in the Night, do Sinatra
https://youtu.be/hlSbSKNk9f0

Vocês passeiam pelas ruas. Bares cheios, estabelecimentos comerciais, restaurantes e enfim param no mesmo café. Pedem a mesma coisa de sempre e a rotina é estabelecida. Vocês entendem o esfriamento da relação devido a rotina e decidem se separar. Cada um para o seu lado. - HEIN? SÉRIO QUE VOCÊ NÃO IMAGINAVA ISSO? TOLO! - Sua casa agora cheia de galhos secos de flores, tudo para o lixo. Tudo está mais frio do que parece, o inverno chega, as árvores amareladas começam a perder suas folhas assim como o seu cabelo começa a perder o brilho. Vocês se trombaram no trem indo para a área 2 da cidade. Foi estranho, foi como se não se conhecessem mais.

Miles Davis - Freddie Freeloader
https://youtu.be/RPfFhfSuUZ4


A vida passou e vocês se encontraram novamente naquela baladinha. Sorriem um para o outro. Você olhou para ele, em palavras doces: “Sem flores desta vez?” Ele estava feliz demais para entender, mas acenou com a cabeça, era um sim. - A TROUXONA ACREDITOU AINDA - Se casaram e nem buquê rolou. - QUE HOMEM -




sexta-feira, 16 de março de 2018

Contos Maconheiros - 01

Um casal de velhinhos sentados na varanda, a brisa batia leve, cada qual em sua cadeira, estavam quietos. Ele com um leve sintoma de Parkinson portanto era ela quem dichavava e bolava o baseado.

Cigarro pronto, Tânia olhou para David com um semblante alegre, ela queria por fogo logo naquilo e David sempre calmo, pediu para que ela esperasse um pouco, ele ia ao banheiro.

Passados uns 20 minutos, David voltou e Tânia estava ansiosa questionando:

- Por que demorou tanto?
- Acha que é fácil limpar a bunda com as mãos tremendo?
- Grosso, era só ter dado um peguinha, estaria tranquilo.
- Eu sei, mas você fumaria tudo antes de eu voltar.
- Eu seria incapaz disso.
- Sei, cachorrona. Acende ai essa birosca.
- Falou a minha língua, seu bocó.

Tânia acendeu, como de costume, quem bola sempre acende. 
Deu 1, deu 2… olhou para David, que já aguardava sua vez. Esticou a mão com o baseado, tentando passar, mas as mãos tremulas dele não permitiam que ele de fato agarrasse. Ela tragou mais uma vez, dizendo que ia apagar enquanto ele apenas ria da situação. 

Ela levantou, chegou bem perto e soprou a fumaça na cara dele. Isso reduziu um pouco a tremedeira.

- Okay, já se divertiu?
- Já sim. Vai querer ainda?
- Claro. Hehe
- Você é o velho mais lindo que eu já vi!
- Para com isso, vou começar a tremer de novo. Vem cá, senta aqui.

Ela sentava devagarzinho no colo de David. Enquanto ele tragava a primeira vez e sentia todo seu corpo relaxar. A brisa batia um pouco mais forte e os dois começaram a rir.

- Do que você tá rindo, bocó.
- Eu não sei.
- Olha, parou de tremer.
- Sim. Vem cá, me abraça.
- Eu não consigo parar de rir. Que chá é esse?
- Peguei com o Valdir.
- Aquele do buteco?
- Sim.
- Vou dar um beijo nele!
- Eu também!
- To com fome…
- Deixa eu levanter, vou fazer algo pra gente.
- Tá, vou acabar essa pontinha.
- Que dúvida, sua saco sem fundo.

Tânia se recostou na poltrona da varanda e pegou no sono, passados mais de 40 minutos, abriu os olhos procurando por David, que desde então não aparecera. Levantou, indo até a cozinha, encontrando-o no caminho entre a sala e a cozinha, parado e olhando para o nada.

- O que você tá fazendo aí? – Perplexa –
- Eu não sei, cheguei aqui e esqueci o que vim fazer.
- Você veio fazer o jantar! Seu bocó! – Gargalhando –
- Ah é?
- É! – beijando David com carinho –
- Bom, podemos pedir uma pizza então.
- Boa ideia.


quarta-feira, 7 de março de 2018

Volcano


Caminhando sobre os desertos de uma mente já disposta a se desligar. Tudo aquilo era tão inóspito quanto Fukushima após o desastre nuclear. Mas como mencionar Fukushima sem adentrar nas memórias, quando o mundo era vazio. Acreditava-se tanto que cristo era o salvador que no final das contas o mataram. Enquanto isso, os seres humanos se projetam para fora do planeta buscando novos locais e novas colheitas. Num piscar de olhos estamos caminhando em campos verdes, carvalhos refletidos no lago.

De certa forma fechar os olhos novamente nos devolve ao deserto intelectual. Tudo se derrete como em uma composição de cera exposta ao fogo. As cordas e correntes ainda nos prendem neste espaço vazio e cheio de oxigênio, mas, até onde, até quando?

Enquanto piso nos lagos incandescentes sem sentir meus pés. Vulcões me reduzem ao simples humano, mas o pleno voo me eleva ao ser supremo, conhecer o chão que pisa por vezes não se vale de nada se a vontade de o pisar não existe. Ascendia ao ponto mais alto no céu e em um mergulho no poço de lava fazia com que a experiencia fosse cada vez mais complexa. Os sistemas falhavam enquanto meus olhos queimaram, todo o corpo em chamas assim como o que me envolvia. Não havia mais sentidos, fé, força ou conhecimento de terreno, ali havia apenas o ar que se soltava de meus pulmões elevando as bolhas de pedra a superfície.

No vale das chamas no qual eu havia saltado, tudo estava intacto. Quando em um grito de raiva, atingi o ápice da plenitude. Em posição de lótus é como se a massa quente me colocasse para cima outra vez. Um conjunto de pedra, metal e carne. Em estado de transe meu corpo não mais ali, petrificado. Como rocha minha mente levitava sob as águas vermelhas de Olympus Mons. 

Ao longe um violino, acusava mar adentro daquele monge chinês que tocava com certa calma seu instrumento. Veias de ouro, nervos de seda, pele de pano, olhos de diamante e vestes de pedra. A cada instante a música se aproximava cada vez mais de meus ouvidos ao mesmo tempo que o monge parecia mais longe. Meu estado de levitação e transe alcançava o Nirvana ao ponto que minha carne recuperava os sentidos e meu corpo se reconstruía.

O Violino, o vulcão, o monge feito pano e pedra, no próprio dilema existencial de não saber se era um sonho meu ao sonhar com o monge ou um sonho do monge ao sonhar com o próprio com alguém renascendo das chamas do vulcão marciano. A voz da soprano fazia com que a crosta de pedra que me envolvia trincasse, trazendo-me de volta ao plano pelo qual eu iniciara esta jornada. 

Por um instante que o violino surgiu em minhas mãos, ao mesmo tempo em que desta vez, minha pele era pano, minhas veias, ouro e meus olhos, diamante.

O violinista era eu, a soprano era a minha música e a viagem, bem, esta era a divindade.