segunda-feira, 21 de maio de 2018

De Fyodor a Faber - Lembranças e notoriedades


Faber, as vezes me encanto em saber que está por aí. As vezes eu me olho no espelho e vejo um tanto de você. Lembro dos dias que toda a família te chamava para observar os campos ainda verdes do início do outono e você raramente saia do porão. Enquanto Pyotr ainda ansiava por melhorar as apresentações na corte e toda aquela preparação da Ekaterina para o baile real. Lembra? Claro que não, eu sei. Você sempre esteve parado no tempo para esses valores mundanos. Eu sei, você está hoje onde sempre sonhou. Eu temo que não volte mais, mas, enfim, gostaria que soubesse que estamos todos bem, de certa forma. No oriente médio lançam bombas químicas, gases, como na primeira Guerra.

De fato, receio termos que voltar a utilizar as máscaras da peste, mas, hoje sou apenas eu ainda neste espaço/tempo indefinido entre o firmamento e o que chamamos de limbo. Não reclamo, apenas vago pelas entranhas desta terra sem escrúpulos ou momentos prazerosos. Creio que Walt Whitman tinha receio de compreender toda aquela indiferença em relação a Ben Franklin, mas acho que este tempo não compreende ao seu e nem a sua pequena escala via Sputnik, sei que enxergas a Terra como uma bola multicores onde predomina o azul, mas me diz, tire esta duvida da minha cabeça. Ela é tão bonita quanto parece ser? Digo. Daqui da crosta os seres humanos são tão arrogantes. Parece que eles não entenderam o recado enviado por Deus. Acho até que eles mesmos inventaram essa história de Deus para colocar as pessoas em pequenas jaulas mentais, você me entende? As vezes é mais fácil que as pessoas sigam ordens quando elas temem que o não cumprimento delas traga uma punição eterna. Não sei se me faço claro, mas existem dúvidas que me assolam em relação ao poder das palavras contra o das ações. Peço que meu caríssimo irmão não se sinta ofendido com minhas dúvidas, mas penso que talvez Ekaterina tenha sido mais feliz ao lado de sua esposa Lucrécia ao invés de se entregar ao convento e àqueles padres corruptos que só conseguiam olhar para suas pernas e por mais que fossem castos, sabemos que a oportunidade faz o ladrão e Ekaterina nunca foi muito comportada. Eu confesso, tive medo de que ela colocasse aquele convento abaixo e o transformasse em um cabaré ou coisa parecida.

Faber, meu caro Faber… ou como diria Whitman, “Oh Captain! My Captain.” não deixe de escrever, aquele gato que deixaste aos meus cuidados sente muito sua falta, aliás, ele parece ler suas cartas quando eu as abro, mas parece também as amassar com profundo desprezo depois que compreende que você não voltará mais. Fico receoso que ele fique doente pela sua falta. Eu sempre deixo o rádio ligado nas ondas sonoras da estação especial e ele sempre identifica o seu espirro matinal ou seu ronco durante o sono. Ele move as orelhas de uma forma engraçada, mas apenas as orelhas, é um movimento milimétrico. Por fim, mande um alô as vezes. Estamos eventualmente escutando Tchaikovsky, como você havia pedido para um bom relacionamento entre nós e o felino (eu hoje o chamo de Volga).

Ekaterina mandou uma carta esses dias, está em Dallas com Lucrécia e não tem data de retorno à Rússia. Elas se dão tão bem, espero que elas se casem e tenham muitos filhos. Infelizmente não tenho tanto a dizer sobre elas já que tudo o que sobrou da carta foi a data e o local, o Volga rasgou tudo e ainda rosnou para o carteiro e segundo o mesmo, ele nunca viu um gato rosnar daquele jeito. Pyotr disse a pouco que o Volga miou se desculpando, o coitado pensou que a carta era sua e eles estão montando o quebra-cabeças, mas não creio que terminem antes do ano novo, assim que finalizarem, eu mesmo escreverei sobre como estão as meninas.

Saudações de Moscou, esta cidade continua azul, misteriosa e bela. Pyotr sente sua falta e todos os dias fica buscando a ISS com seu telescópio. Volga não disse nada, eu acho que ele prefere dizer tudo quando vocês se virem novamente.

Com carinho, Fyodor.

“Nas mais sinceras perspectivas, em um tom angustiado pela falta ou pela presença de um ser supremo. Não deixe que o encanto pela vida seja perdido. Não há nada mais belo do que ter o poder de observar os campos verdes de Outono ou até mesmo saborear as frutas da estação. O ser supremo vive dentro de nós, nós somos supremos dentro de um sistema, nós criamos e alimentamos o sistema. Se algo está errado, logo nós estamos fazendo errado. Falo da individualização da culpa, não podemos culpar apenas uma pessoa pela catástrofe que a vida nos apresenta. Assim como não podemos deixar de admirar as coisas belas que a vida nos traz. Como em uma serenata melancólica, por mais depressiva que ela seja, ainda é uma bela peça para se apreciar junto a um bom whisky e a um bom tabaco."

Fyodor M.