quarta-feira, 18 de julho de 2018

Crônica - Página 2B - Domingo


Era azul o mar por onde as caravelas deslizavam como a patinadora desliza no gelo. Com certa leveza e ao mesmo tempo técnica para realizar seus saltos e manobras que só são possíveis com muitas horas de treino. Assim como a madeira das caravelas que passaram por muito tempo crescendo como árvores, maturando como tábuas e envergando no martelo e marreta na confecção do casco. O mar por sua vez, desde o inicio era azul, naquele momento em uma analogia próxima, nem mesmo o gelo onde a patinadora desliza seria tão puro quanto os mares nunca dantes navegados.

As gaivotas davam o sinal, a brisa com cheiro de terra molhada traria ao grumete a sensação mais nobre e aterrorizante de sua vida. Ele sabia que era um caminho sem volta, já que parte da tripulação sempre ficava em terra firme sofrendo as mazelas que todo descobridor sofria. O capitão ordenava a descida do barco com quatro homens, para reconhecimento de terreno enquanto o restante se preparava para uma invasão em caso de nativos ferozes.

Eu era o grumete, descendo com o barco enquanto a caravela estava ancorada a poucas milhas da praia. Eu podia avistar ao longe, alguns hominídeos trajados de céu, observando o que naquele momento era um grande monstro vindo dos mares, o indígena selvagem não tinha noção que aquelas caravelas seriam o meio de locomoção marítima mais avançado da época, assim como eu não sabia o quão perigoso seria aquele encontro. A dúvida cruel ainda persistia, seria eu tratado como rei, divindade ou então como um monstro a ser morto pelo nativo mais valente?

Ao pisar nas areias daquela praia, fomos recebidos com formalidades e diplomacia. O paraíso era logo ali. Água de coco para a sede, índias para o deleite, fumo para o prazer da alma e alimentos para saciar a fome. Naquele momento percebi que retornar ao país de origem, ou terras de Espanha, seria uma farsa tamanha, subindo sozinho aquela montanha, sabendo é claro que o retorno era imediato, não haveria de ser no mesmo ato.

Passado os anos, me apaixonei por uma das índias, nossas vidas eram diferentes e ela parecia não ter dono, ela não tinha, seu coração estava sempre onde ele queria estar, não seria eu o mero grumete a institucionalizar aquele coração selvagem? Voltar as agitadas terras de Espanha seria a necessidade daquele momento. 

“Apesar do alvoroço que ela fazia e do desespero que crescia em mim, apesar de tudo, eu estava no paraíso. Um paraíso cujo céu eram as cores das chamas do inferno. Mas ainda assim um paraíso.”




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