quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Le temps rugit comme un lion

Todos os dias buscava encontrar-se em uma esquina qualquer, no meio de um bar, daqueles que tocam os famosos blues. Um furacão poderia ameaçar mais uma vez aquele dia com semblante cinza, poeirento, cru. Não havia mais uma pessoa sequer na rua, todos estavam escondidos com medo e ela ficou ali enquanto os ventos pareciam aumentar a intensidade e carregar consigo tudo o que poderia perante sua força.
As pessoas dentro de suas casas, acessando o porão enquanto aquela moça de estatura média, cabelos cor de arco-íris sentava-se no meio da rua, entre os carros. Parecia admirar todo aquele espetáculo de coisas voando, casas sem telhados. As caixas de correio mesmo chumbadas no chão, ainda pareciam criar vida diante daquele momento, saltando entre a folga dos parafusos, algumas se soltavam e levavam consigo memórias, notícias, propagandas e afins.

A inercia trazia um pouco mais de encanto ao compreender que a cidade se destruía aos poucos e nem sempre tudo era culpa dos ventos que zuniam em meio aos carros virados. A cena era real, as árvores; as únicas a suportar tudo aquilo e com certa dificuldade ainda se esforçavam bastante para manter as raízes no chão, mas o problema não eram as raízes ou então talvez os ventos fortes, mas driblar tanto a vontade de voar em meio as rajadas que se afunilavam entre as nuvens cinzas.
A ideia principal sempre foi a mesma. Naquele momento compreendeu-se que a luta era inútil, tudo sufocaria de tal forma que no final das contas o que foi vivido até ali não significaria nada. 

Os fins jamais justificariam os meios.
Todas aquelas questões sem respostas, sentia medo dentro de si e sabia que o silencio que a assombrava todas as noites terminaria ali, sabia que aquela noite seria a última e os velhos fantasmas que a prendiam naquele lugar, naquele dia, iriam embora. Ao fechar os olhos para os corações vazios não havia mais tristeza, alegria ou amor.

A chuva cada vez mais intensa transformando o dia que se tornava azul em nuvens negras e pesadas. Raios, trovões e relâmpagos davam o clima tétrico dentro de todo o entorno catastrófico enquanto o caminhão dos bombeiros cruzava as ruas buscando sobreviventes, quando ao cruzar a rua sentiu o vento bater em sua pele, um arrepio, um frio, dos pés a cabeça a fez entender que tivera passado por entre o caminhão. 
Ouvia seu nome ser chamado a poucos metros dali mas não se preocupava, seu destino estava cumprido e apesar do sofrimento dos mais próximos, o seu sofrimento havia terminado. A partir daquele momento, faria parte dos ventos, ventanias, chuvas e catástrofes. Assim como faria parte do lindo sol que fazia no dia seguinte, era primavera em Nova Orleans.