terça-feira, 2 de abril de 2019

Um planalto vazio


Com os joelhos no chão, braços para cima em sinal de suplica, olhos fechados, o sol batia em seu corpo e denunciava ao mesmo tempo o horário das 14 horas em um relógio solar fotografado naquela cena. A composição abstrato-sertaneja indicava as casinhas ao fundo, feitas de barro, com portas sem trinco, rústicas, que mais pareciam gotas daquele orvalho sujo das plantas que vivem perto dos canaviais após uma noite no inferno que queimaria, calmaria, sobreviveria, humildemente, solenemente, capital...

Suplicava pela vida assim como os animais daquele sistema, com todo o cuidado do mundo o fogo queimava a palha, esquentava o lombo, definhava a terra, entornava a guerra, matava o sertão. O planalto sobrevivia assim enquanto a chuva não vinha, e ali naquelas casinhas em que os matagais insistiam em nascer para ser mais tarde arrancados pelo caprino que anseia pelo alimento fuçando na intuição que remexe por toda a psique do ser que ali persevera e perpetua um quadro revisitado por poucos.

A chuva não vinha, tornando seca aquela pintura rupestre sertanejo-abstrata. Os cadáveres emergiam na terra que bufava feito fornalha, por descaso, por descanso, por falta de ensejo ou talvez por falta de contingente humano. De certa forma uns diziam que preferiam amar feito os bichos, mais honestamente e menos sazonal. Tantas as vezes que tudo se tornava insular o próprio muro também emergia de forma a que ninguém visse tudo aquilo que se passava ali. Os pés queimavam, não sabendo se a terra pisava no boi ou se o boi pisava a terra caminhando, magro, quase esquálido, um cálice a poucos metros de si com água fresca. Ao observar a cena o mesmo se aproximava daquele que seria seu suspiro de vida ante a situação do semiárido.

Ao longe um riso de crianças, barrigas enormes, felizes, tomadas pela fome e pela sede. Mas sorriam, pois, encontravam graça naquele lugar inóspito ou talvez porque não entendiam muito bem que se aproximavam cada vez mais do encontro divino com o além vida. Ah, coração, dai a festa em nós, assim como as cores nos tratam como reles mortais. Diga depressa quais seriam suas paixões senão a compreensão de um quadro tão fiel ao olhar dos que ali passam fome. O mundo é pequeno e o tempo é uma invenção, um sopro e todas as plantas do jardim se foram com o sentimento de derrota pela oração por um dia de chuva, pela esperança de um dia sem sofrimento, pela idealização de um prato de comida, pela perseverança da própria sobrevivência.

Mas, de todos os lados havia um único medo, o medo de ir embora. Talvez um mundo sem dúvidas seria um mundo sem respostas.