quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Menininha


Era com lagrimas nos olhos que se desfazia de sua boneca, pequena garotinha não podia mais carregá-la para o mundo, a voz ingrata de seu pai dizendo cresça, a voz angelical de sua mãe que dizia como uma soprano, por favor, é só uma criança. No auge da idade pela qual não se podia mais andar descalça, não se podia mais colocar aquele vestidinho que não lhe servia, não podia mais dormir entre o papai e a mamãe.

O abandono era real, sacos de lixo, jornais velhos e caixas de papelão. O cenário visto por aquela criança ia além de um quarto aconchegante com uma cama imensa, brinquedos arrumados em ordem de preferência, ursinhos de pelúcia ordenados pelo tamanho ao qual iam dos menores (na frente) pros maiores (atrás, obviamente). Tomavam a cama toda, sem contar os edredons, mantas e lençóis.

Medo definia perfeitamente seu sentimento, jamais fora rejeitada a uma boa noite de sono, tudo bem que os “xixis” durante a noite foram se intensificando e o papai já estava cansado de acordar molhado nas madrugadas quando dormia sem fraldas, pois já não tinha tamanho para usá-las (e me refiro à menina).

Tudo bem que se mexia muito durante a noite, rolava para os dois lados e da ultima vez a mamãe foi pro chão. Não tinha noção de seu tamanho, mas ainda assim insistia em deitar-se entre os dois, não sabia como lidar com os fantasmas que surgiam em seu quarto. Não sabia ao certo como dormir sem o aconchego dos braços maternos.

No escuro da noite ela fora acompanhada para fora do berço esplêndido, mãos dadas com a mamãe. Deitaram-se naquele canto escuro, mas não adormeceu, manteve-se de olhos bem abertos observando o reflexo da Lua pelas frestas da janela. O céu da noite era tão escuro quanto aquele quarto, a ausência de luz causava alucinações. Os ursos estavam prontos para atacá-la, mostravam os dentes e rosnavam a fim de afugentar a mais nova sobrevivente que caia de pára-quedas no mundo imaginário do quarto de dormir.

Era manhã quando ela interrogou seu pai, um homem já cansado das dores que a vida lhe proporcionara, na frente de seu namorado (o namorado dela e não do pai, prestem atenção):

- Papai, por que não posso dormir com vocês, gosto tanto de ficar no meinho, aconchegada na mamãe, roubando as cobertas quando tenho frio, rolando na cama quando tenho calor, gritando quando tenho pesadelos, acordando bem cedinho e te acordando também pra ver o sol nascer junto comigo?

Seu Nelson, um homem de poucas palavras que coçava a barba enquanto pensava na resposta (assumo que havia um delay entre um pensamento e outro), até que ele em um tom maximo de sabedoria disse:

- Porque você já tem 19 anos!