Um quarto. Mais ou menos a metade
de um.
Um leito.
Os tiros, escutados a quinhentos
metros de distância, seguidos dos pneus queimando o asfalto vinte minutos
depois. Talvez tempo suficiente para chegar o socorro. As ambulâncias, donas
das sirenes as quais ouviam naquele quarto, eram do hospital do subúrbio.
Tão acostumados aos barulhos
noturnos que nem se deram ao trabalho de correr contra o tempo para salvar uma
vida.
Tocava o telefone do posto
policial do 9º distrito, procuravam alguém da científica, da homicídios.
O quarto vazio, a meia luz dos
postes entrava pela fresta das janelas fechadas pelos tapumes mal pregados. Era
uma luz avermelhada, causava uma penumbra por entre os feixes, a arma, fora
deixada ali ao lado do corpo.
Quase nua, respirava pó, expirava
pó, automático, agonizando, pela força do diafragma. Corpo surrado, meias
arrancadas a força no meio das coxas, a calcinha nos joelhos, um corpete preto,
couro, com detalhes em vermelho, corações, salto alto. Estava produzida, estava
ali, inerte. Ressalto que não foi vítima de um estupro, era seu trabalho,
tomava as rédeas das situações na maior parte das vezes.
Naquele dia, ela acordou, tomou um
café frio da termal colocada dois dias antes na mesa ao lado da TV, enquanto
cheia não seria trocada. A lei da substituição não cabia aos luxos do
patrimônio. Ninguém a viu entrar na farmácia, ninguém soube dizer seu nome, ela
tinha cabelos hora escuros, hora claros, hora presos, hora soltos. Não tinha
rosto, não tinha gosto.
Entrar no quarto, observando
a cena do crime em primeira mão. Recebeu um chiado no rádio que o fez desistir.
Chamando o IML para recolher o corpo, dando tempo somente para uma foto. O
sangue no lençol branco, preparado especialmente para aquela noite, confundia
junto à cor da luz refratada nos espelhos e nos vidros estilhaçados.
Um cigarro no cinzeiro, meio
aceso ou meio apagado, tanto faz. Não fariam diferença o cigarro ou os dois
riscos em azul.