O amanha surgiu como na mais bela poesia de Camões, Lisboa já não era mais a mesma. Ao som dos bandolins, caminhávamos rumo ao porto. Navios cargueiros com suas rotas alteradas avançavam sobre a praia. Fora daquele momento, minha mente se partia em duas. Não sei se os navios de cristal que roubavam a cena. Três jovens brincavam no cais durante um espetáculo teatral que ocorria. Aproximei-me e já ganhei o chapéu desembolsando dois euros de minha carteira, vi o ator sorrir de modo que pedisse que eu sentasse por ali mesmo. Elas pairavam no ar com suas cantigas e beleza inocente de crianças.
Seus vestidos coloniais, roupa de gente simples, mas na capital portuguesa havia espaço para isso? Talvez alguma festa folclórica. Aquele ator viu que não prestava atenção em sua cena (realmente não prestava), ele se colocou em minha frente, estendendo a mão, pedindo para que eu fosse até o palco improvisado participar da atuação. Ele estava vestido de arqueiro entregando-me uma maçã. Entendi logo a brincadeira, eu devia colocá-la na cabeça para que ele acertasse a mesma, como alvo. Era só uma brincadeira e resolvi não participar, apontei as meninas que brincavam ali, num trajeto meio distante. Todos olharam e riram da minha cara pensando ser uma piada. O ator que se desdobrava para arrancar dinheiro e risadas da platéia, com um olhar serio, vendo que eu roubava sua cena, me empurrou para fora.
Ainda com a maçã, pensei foi a fruta mais cara que já comprei. Olhei para trás, observando a cena que ele transformava. Espelhos, marionetes, palhaços e fantoches. Um mundo surreal era apresentado naquele cais. Não sei de onde ele retirava todo aquele material. O Fred, meu fiel escudeiro (um cão de rua que encontrei numa noite da cidade portuária), queria andar por toda a escora, parece que ele sabia que eu queria mesmo observar aquelas meninas brincando. Era de uma beleza tão sutil. Não pense que eu olhava com segundas intenções, eu olhava com um olhar diferente, um olhar de admiração, quanta riqueza num simples momento. Não precisavam tanto, para chamarem minha atenção.
Caminhando em direção a elas tirei minha câmera do bolso, a fim de obter algumas fotos daquele momento tão belo. Ouvia ainda aqueles versos de Camões:
“Julga-me a gente toda por perdido,
Vendo-me tão entregue a meu cuidado,
Andar sempre dos homens apartado
E dos tratos humanos esquecido.
Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
E quase que sobre ele ando dobrado,
Tenho por baixo, rústico, enganado
Quem não é com meu mal engrandecido.
Vá revolvendo a terra, o mar e o vento,
Busque riquezas, honras a outra gente,
Vencendo ferro, fogo, frio e calma;
Que eu só em humilde estado me contento
De trazer esculpido eternamente
Vosso fermoso gesto dentro na alma.”
Quando bati a primeira foto, uma delas apontou em minha direção. Pensei ter ganhado as meninas para colocar num porta-retrato, uma a uma se aproximando para aparecer nas fotografias.
Sorriam, como se nunca alguém tivesse notado a presença delas ali.