Em um momento de reflexão, percebeu que o mundo estava em
colapso. Os braços respondiam em conjunto as pernas que apenas realizavam seus
movimentos limitados e arriscar o primeiro passo foi o momento em que tudo fez
sentido. O colapso era interno, o mundo era interno, o espirito era interno, o
pescoço dolorido apenas sinalizava que algo estava errado e virar a cabeça para
a direita não era uma escolha naquele momento mas, com um pouco de jeito era
possível arrematar o corpo e fazer com que a direção se tornasse um norte.
Confuso pela pressão em seu crânio que se esvaía pelas narinas ainda intactas,
assumiu uma forma robótica a qual não escolheu, mas a imposição foi necessária
para adquirir a longevidade.
A leve brisa que o vento concedia enquanto o trem
passava pelos trilhos de superfície era compreendida ao deitar-se após o
tombo. O céu nublado, as aves que fugiam para seus ninhos esperando o temporal
pareciam bem assustadas, temiam a água, as gotas, os trovões e sabiam que era
necessário para a perpetuação da espécie, para a criação de mais alimento e até
mesmo do próprio abrigo para as gerações futuras. Toda a tragédia que caía
sobre o mundo era de fato uma benção ao mesmo tempo. O silencio era a melhor
forma de compreender os momentos nos quais aquilo fazia sentido, compreender
que o que chamamos de mundo automaticamente se transforma em realidade e os
pensamentos são condicionados a se tornarem a realidade e esta entra no senso
comum tornando-se verdade absoluta mas, o que é verdade, realidade, pensamento,
condição, sentido...? Entender que a vida é um lapso em constante transformação
e que a eternidade é um fardo que cabe somente a si, faria entender que não
estava sozinho e que nunca estaria em um lugar só. Enquanto tudo não passava de
uma armadura pesada demais que carregava. Alimentava o corpo e subjugava a
mente. Sucumbindo a o que o fazia cada vez mais podre, pobre e sem esperança.
Com o passar do tempo os movimentos melhoraram, os
pensamentos foram esquecidos, o passado ficou onde deveria ficar. Ao aquecer-se
com seus fluídos e observar pelos novos olhos que acabara que implantar, agora
com visão raio-X e infravermelho, não precisou de muito para compreender que
onde se situava seria de fato o mundo que viveria o resto de sua vida,
compreendia que dali para a frente o mundo seria menos hostil e não porque os
seres se tornaram menos boçais mas, porque tinha se tornado mais feliz, mais
sábio, mais resistente e em seu corpo biônico quase todo modificado, de humano
havia sobrado apenas um fantasma de si mesmo.