Era azul o mar por onde as caravelas deslizavam como a
patinadora desliza no gelo. Com certa leveza e ao mesmo tempo técnica para
realizar seus saltos e manobras que só são possíveis com muitas horas de
treino. Assim como a madeira das caravelas que passaram por muito tempo
crescendo como árvores, maturando como tábuas e envergando no martelo e marreta
na confecção do casco. O mar por sua vez, desde o inicio era azul, naquele
momento em uma analogia próxima, nem mesmo o gelo onde a patinadora desliza
seria tão puro quanto os mares nunca dantes navegados.
As gaivotas davam o sinal, a brisa com cheiro de terra molhada
traria ao grumete a sensação mais nobre e aterrorizante de sua vida. Ele sabia
que era um caminho sem volta, já que parte da tripulação sempre ficava em terra
firme sofrendo as mazelas que todo descobridor sofria. O capitão ordenava a
descida do barco com quatro homens, para reconhecimento de terreno enquanto o
restante se preparava para uma invasão em caso de nativos ferozes.
Eu era o grumete, descendo com o barco enquanto a caravela
estava ancorada a poucas milhas da praia. Eu podia avistar ao longe, alguns
hominídeos trajados de céu, observando o que naquele momento era um grande
monstro vindo dos mares, o indígena selvagem não tinha noção que aquelas
caravelas seriam o meio de locomoção marítima mais avançado da época, assim
como eu não sabia o quão perigoso seria aquele encontro. A dúvida cruel ainda
persistia, seria eu tratado como rei, divindade ou então como um monstro a ser
morto pelo nativo mais valente?
Ao pisar nas areias daquela praia, fomos recebidos com
formalidades e diplomacia. O paraíso era logo ali. Água de coco para a sede, índias
para o deleite, fumo para o prazer da alma e alimentos para saciar a fome.
Naquele momento percebi que retornar ao país de origem, ou terras de Espanha, seria
uma farsa tamanha, subindo sozinho aquela montanha, sabendo é claro que o
retorno era imediato, não haveria de ser no mesmo ato.
Passado os anos, me apaixonei por uma das índias, nossas
vidas eram diferentes e ela parecia não ter dono, ela não tinha, seu coração
estava sempre onde ele queria estar, não seria eu o mero grumete a
institucionalizar aquele coração selvagem? Voltar as agitadas terras de Espanha
seria a necessidade daquele momento.
“Apesar do alvoroço que ela fazia e do
desespero que crescia em mim, apesar de tudo, eu estava no paraíso. Um paraíso
cujo céu eram as cores das chamas do inferno. Mas ainda assim um paraíso.”