Não sabia de sonhava ou se aquele momento era real, no
apartamento equipado com uma cama e uma mesinha de cabeceira. Sobrevivente,
amarrado na cama escutava uns barulhos estranhos vindos do banheiro.
Olhos vendados, corpo vendido.
Suas vestes rasgadas, o barulho cessou.
Passos em sua direção, a boca seca, estomago embrulhado,
aquele ronco não era de fome.
Ouviu vozes, falavam de dinheiro, de moralidade.
Sentiu um cheiro de tabaco, ouvia uma conversa animada que
se assemelhava àqueles talk shows de TV americana e naqueles moldes seus pés adormeciam
devido à posição em que se encontrava, sentia como se estivesse pendurado de
cabeça para baixo.
Uma pressão súbita no nervo óptico, o corpo enfraqueceu e a
imagem que antes era escura, não se formava mais.
Desta vez era sonho, via um rosto, mas não podia tocá-lo,
admirava aqueles olhos que não olhavam mais da mesma forma, o formato era
diferente, eram cansados, eram desviados, já não davam mais atenção.
Na rua, um ser divino clamava por penitencia, por sadismo e
perversão. Munido de arco, flecha e luz, aquilo que se assemelhava a um anjo,
faria parte do mundo real. Vestindo um pano vermelho.
Do outro lado, dançarinos de tango formavam seus pares com
os transeuntes que admiravam a estátua de sal comemorando a abertura dos
portos. Entre rios, entre risos, entre céu e inferno há mais coisa que pressupõe
a vossa vã filosofia.
Um aborto a céu aberto, uma dona perdendo sua cria para o
povo que carregava o feto para o lixo. Sem compreensão, sem valores.
E assim, um suicida que saltava do décimo quinto andar se
estilhaçava a seu lado.
O poeta, filosofo, pobre homem. Sofria descalço e descaso
que o cercava, o chão pisoteava seus pés. E por fim... Dilacerado pela vida... Assistia
em terceira pessoa um mundo que não era seu.