Enquanto o vento frio batia em
sua face e ligeiramente empurrava-o de volta para o mundo, a vista do alto
daquele precipício parecia tão forjada a ferro, concreto, fumaça e asfalto. Os
carros passando logo abaixo de seus pés criava um clima de tensão e ao mesmo
tempo de alívio, ao fundo um piano dissonante anunciava o triste fim de tantas
almas ao largo, distante dos olhos mas ainda assim no horizonte, os arvoredos,
chafarizes, pessoas em momentos de descanso e descaso.
Entre jornais e revistas, o
jornaleiro apontava para as notícias enquanto discutiam politica, entre
acusações e defesas não se chegava a lugar nenhum. Felizes dos ignorantes e dos
praticantes de Tai-Chi que pareciam vencer a gravidade com seus movimentos
lentos e precisos, tinham uma perfeita leitura do funeral que viviam naquele
insensato momento, entre uma defesa e um posicionamento arremessavam suas
energias e retomavam seus lugares, concentravam, retraíam e reagiam.
Um vendedor ambulante passava por
ali, buscando seu sustento e no café ao lado do banco, descolava um a mais pelo
trabalho, tinha amizade com o dono e meio que lanchava por ali, denominado de “La
Ruelle”, o café era mais amargo que o esperado e os croissants pareciam saltar
da estufa, sempre quente. O dono do café, não denominado por ninguém que
atendia, era um rapaz de meia idade, simples e conciso. Tinha por amigo apenas
o vendedor.
Pela rua ao lado, no entremeio do
largo em que situava todas essas pessoas, um carro passava em alta velocidade,
causando espanto dos que viviam naquele momento em estado de decadência,
estatelados, inertes, neutros, que apenas reagiram ao som do motor em ascensão
que nas altas rotações, explodiu o combustível em uma marcha reduzida.
Buzinas, pontos de ônibus e
estações de metrô, linhas de eletricidade cortavam o meio fio em uma parábola
negativa entre as nuvens e as árvores. Saltando entre as pessoas, o velocista
parou para olhar a dançarina que buscava acolhimento. No café, sentado em uma
cadeira e debruçado no balcão, o Pierrot, enfadonho, lançava-se ao ar em passos “Croise
Devant”, “Effacé Devant”, “Plié”, “Grand Jeté”, “Croise Devant”, “Effacé”...
Fade out para o precipício, onde
se encontrava nossa testemunha ocular deste cotidiano. Surgia entre as nuvens um avião de grande porte que em um rasante deslocou o vento como uma leve brisa. Abraçou pelo última vez seu urso de pelúcia que
ganhou ao nascer, com o qual crescera e com o qual tivera todas as confissões e
motivos.
Um coração despedaçado pela vida que tivera, uns
gritos de desespero invadiam seus nervos, o frio na espinha mantinha o arrepio
em sua pele, pelo momento. Por hora, na praça em vista, perpétua,
plena. O coletivo atravessava sua faixa, lotado. Admiravam a beleza do ser maior. Todos
respiravam, sentiam, enxergavam por suas expectativas e suposições quem seria o
responsável pelo inicio de todas as coisas. Só não entendiam que em alguns
casos, o ser maior não poderia ser responsabilizado pelo fim das mesmas, o dom
da vida por vezes era uma escolha e não um destino.
Uma lagrima escorreu de seu rosto
enquanto o mundo parecia sufocar-lhe, o céu nublado escondia o Sol de todos os
dias. Não chovia.