Como numa reprodução, o pintor
abusava de tons escuros e tons amarronzados, tanto que naquele momento que o
tripé bambeou e a tela foi ao chão, a tinta rabiscou toda para o lado da
pancada.
Aquela mistura de tons amarronzados
e escuros por incrível que pareça se misturaram em alguns pontos e por trás
daqueles rostos antes pintados com certas feições mais alegres estavam
monstruosos e na tentativa de modificar aquilo tudo, acabou encontrando saídas
não muito convencionais fazendo com que todas as faces desta vez se tornassem
sarcásticas. Em um riso macabro que viria mais tarde de seus pulmões, boca e feições, havia um
espectro ao fundo da tela como se fosse saltar dali para fora que o fez pensar duas
vezes antes de dar o toque final ou então dar um trago no whisky.
Querendo ou não, abandonar aquilo
tudo não era mais possível, ele estava preso entre as ferragens e anseios,
entre os nobres e famintos, ele estava ali, preso no meio dos dentes do monstro
que pintou. Não tinha mais esperança de viver e arriscou um salto para fora do
quadro já emoldurado.
Em uma dessas vernissages na cidade velha em Lisboa 700 anos depois, ele ainda preso, tanto no quadro quanto entre os dentes do monstro. Ao olhar para fora, uma garotinha o observava e parecia que ela conseguia compreender o que havia por detrás de todo aquele sarcasmo e alegria reprimida. [Câmera gira, dos olhos da garotinha para os olhos do pintor dentro da tela, som ambiente, buzinas, carros e sirenes]
Em uma dessas vernissages na cidade velha em Lisboa 700 anos depois, ele ainda preso, tanto no quadro quanto entre os dentes do monstro. Ao olhar para fora, uma garotinha o observava e parecia que ela conseguia compreender o que havia por detrás de todo aquele sarcasmo e alegria reprimida. [Câmera gira, dos olhos da garotinha para os olhos do pintor dentro da tela, som ambiente, buzinas, carros e sirenes]
A
garotinha desta vez, trocando de lugar com o pintor, que desde então queria
apenas finalizar o quadro. Finalizou e assinou, contente com sua obra. O tempo
voltaria 700 anos atrás enquanto o vento entrava pela porta de madeira de um
casebre, o whisky era finalizado sob a lareira, o velho pintor ainda em pé,
arriscava compreender o tipo de vestimenta que estaria ali naquele meio
abstrato após a queda da tela e do tripé, havia entre os tons pastéis um lapso
de conduta vindo de uma sociedade doente.