terça-feira, 31 de março de 2020

A necessidade do brilhantismo nos tempos atuais


Nos dias atuais as pessoas tem a necessidade de se destacar intelectualmente, por motivos obscurecidos pelas próprias. Vemos isso em discussões em bares, em discussões nas redes sociais, em debates em faculdades e afins. Alimentar o ego é de fato algo que a sociedade hoje precisa (e sempre precisou), os indivíduos, financeiramente falando, já possuem a maior parte das coisas que almejam e as que não podem ter são de fato inalcançáveis a sua classe, ou seja, se tem carros, apartamentos, casas e todos os tipos de penduricalhos possíveis. O dinheiro que se ganha com o trabalho formal ou informal acaba por ser consumido pelos eletrônicos, planos de assinatura de aplicativos e afins. Salvos os desempregados e pessoas de baixa-renda que não possuem de fato o poder aquisitivo para o consumo que abrange grande parte da população. O fato que desejo expor é mesmo o da expressão que se faz de título ao texto, “a necessidade do brilhantismo nos tempos atuais”, e me baseio nos contatos nos quais possuo e que compõe as classes sociais de meu convívio (que assumo ser bem amplo).
Por quais sejam os motivos que levam as pessoas a se demonstrarem inteligentes em meio a sociedade da mesma forma que denigrem a imagem de outros, as conversas se transformam em uma guerra, o que chamaria isso em algumas traduções de livros consagrados de “travar conhecimento” através do diálogo. O caso é que nos tempos anteriores a nós e a tecnologia que dissemina as noticias e o próprio conhecimento a informação era de fato comprovada antes de ir para os livros (ressalto que não falo dos livros sensacionalistas de pessoas que prometiam coisas e subornavam outras para ver seus livros nas prateleiras) mas, ainda daí eu integro o pensamento de que o intelecto era também um artifício dos ricos que podiam contar com as enciclopédias e que de uma maneira geral sabiam ler e escrever. As sociedades de formavam assim, os nobres eram detentores da cultura e o povo detinha da mão de obra. Raras as vezes estas classes se misturavam e quando acontecia, era por vezes um homem rico que se aproximava de uma mulher pobre, porém belíssima e com um grande potencial para aprender as etiquetas da sociedade nobre (levando-se em conta a sociedade machista das épocas e deixando claro que nos dias de hoje lutamos pela igualdade). O fato que assumo neste contexto é que hoje por mais que as classes sociais se distanciem em alguns aspectos deter de conhecimento se faz ainda muito necessário, já que nos dias de hoje (ainda bem) o conhecimento se tornou mais democrático e acessível e, deste modo, com a rapidez, a falta de credibilidade das informações acabamos por ignorar o bom senso e acreditar em “verdades” ditas para confundir , acreditamos em teorias da conspiração e em histórias que são tão bem contadas que espalhamos aos quatro ventos o que acreditamos e de fato podemos provar pouca coisa. Em troca do tal brilhantismo. Acreditamos que frases de efeito podem ser o ápice para se tornar o tal “pensador” da turma ou a pessoa moralmente inteligente a ser seguida pelo bando.
Nestes tempos em que a desinformação é um prato cheio aos desavisados, meu conselho (não que valha de muito) é que se “auto proíba” de dizer coisas que simplesmente não tem domínio, e não quero ser o chato que proíbe as pessoas, mesmo porque, conselhos servem para mostrar um outro ponto de vista e cada um pode (e deve) seguir o que seu coração mandar, porém, o que peço é que se não tem domínio de algo que gostaria de debater, sinta na pele a sensação de absorver os assuntos de uma forma imparcial e não acredite em tudo o que lê por aí, questione, busque conhecimento, acredite no que quiser acreditar, mas tenha embasamento para discutir o assunto por mais de 2 horas. Desta forma as relações serão mais verdadeiras, os assuntos serão mais didáticos e “travar conhecimento” se tornará uma diversão sadia entre os amigos. O estudo se torna algo sério, belo e prazeroso. Já que ao pensar em algo, traremos Descartes à mesa do jantar e sua famosa colocação utilizada até hoje, “penso logo existo”, na qual, do latim, “cogito, ergo sum” ou “penso, portanto sou”.

Pensemos, portanto, sejamos.



domingo, 15 de março de 2020

A lama


Em mais um dia como em um terreno frio, como se estivesse tocando a lama fria nos pés, no fundo de um rio nas montanhas geladas, aquele que te faz observar a vida toda num piscar de olhos e nada daquilo parecia fazer sentido a não ser a sobrevivência. A relação em que se observa ao relento, jogado no fundo de um rio como uma pedra que estará ali, estática por anos e anos e anos...

Parece tão cruel quanto uma corda que entrelaça e sufoca ou como uma faca que invade e desobstrui a vazão dos fluidos vitais. A sobriedade de um ser que se deslumbra com o mundo é tão incrédula quanto o ser que se arrasta pelo mesmo e se afoga nos horizontes de um céu escuro em plena luz do dia. O monstro não o persegue, ele mesmo o é e todos os dias de uma vida viverá a sombra deste que vive dentro de si, ao mesmo clarão de sobriedade que o mundo as vezes o faz pensar que talvez tenha uma esperança, me trazendo a ideia da equilibrista que no primeiro deslize se faz uma força desumana para se manter em pé e raras as vezes acabará vencendo a corda bamba estendida de um mastro a outro.

Compreender a vida é compreender a desilusão, é compreender que não existirá nunca o dia seguinte por mais que os mais cheios de compaixão convivam com as esperanças de trazer os descrentes para a superfície. É uma via de duas mãos quando se observa um peixe no fundo da água e se observa a lontra na superfície, ela desce para a caça, enquanto se o peixe subir por muito tempo ele estará morto.  Com a faca nos meus pulsos, com a minha gravata no meu pescoço, com meu o monstro nas costas e com a cabeça vazia, minha querida, cante comigo esta canção, por uma última vez, com os anjos e demônios que dançam em uma elipse ao redor da Via-Láctea. 

"I lost something in the hill country. They took a piece of my heart away from me. Among other things he's a cold heartbreaker. The broken cowboy stole my music maker."



sexta-feira, 13 de março de 2020

60 segundos


O vazio toma conta e o corpo age por impulso, ele pulsa, ele vive, já a cabeça não faz nada além de pensar o tempo todo em acabar com a dor, mas, que dor é essa? De onde vem e para onde vai? Daqui do alto deste prédio de onde escrevo talvez minhas últimas palavras dá pra ver um mundo acontecendo como um grande formigueiro, olha ali, acabou de passar a mãe com o filho no colo, os carros transitam de forma tão pouco sincronizada que me arranca um riso amarelo que talvez poucos entendessem a graça disso tudo. O telefone toca insistentemente, vibra, como se eu fosse a última esperança de alguém e eu sei que não sou, eu sei que as pessoas se apegam às outras e que com um passe de mágica elas deixam de existir, está no grito, está no não se importar, está na empatia que não parece ser utilizada dentro de casa.

As velas daquele apartamento, daqui de cima da pra ver o casal que janta junto em um clima tão belo, dá pra sentir que a comida é simples, mas, ali o que importa é a companhia um do outro. As flores que ela trouxe, o vinho que ele escolheu, é bom, já tomei uma garrafa toda daquele ali. No apartamento ao lado a TV está ligada para ninguém... será que deixei a TV ligada? Será que esqueci a chaleira no fogo? Será que a conta de luz virá alta neste mês? Será que a energia não vai acabar hoje? Os postes daqui de cima parecem tão pequenos, até as faixas na rua, os carros passando ainda me tiram um sorriso amarelo, por que será, hein? Acho que nem eu me entendo. A relação do entendimento sobre um momento como este. Por muito tempo me senti feliz e hoje parece que recupero tudo isso, devagar, acho que o final acaba sendo assim, a felicidade unida a um certo desespero pelo desconhecido que se aproxima, como uma criança perdida num shopping. O casal, do jantar à luz de velas parece se desentender, ela gesticula como se estivesse brava ou algo assim, ele ouve com atenção, mas parece não conseguir sair deste dilema, dá pra ver na cara dele. Nossa, um acidente, na esquina, três carros, dois no cruzamento e um que estava estacionado, o estrondo foi bem alto, tão alto que acordou o cara que estava com a TV ligada e dispersou a conversa acalorada do casal, até a senhora do andar de cima parou pra ver. A coisa foi séria pelo jeito, ninguém saiu dos carros ainda e escuto a ambulância, bem longe, tão longe que não consigo adivinhar a direção que ela virá, mas, menos mal, está vindo.

Vem chuva, a brisa traz aquele cheiro característico, cheiro de terra molhada, como dizem. Estou com sede, será que tem água em casa? Será que está gelada? Uma cerveja agora cairia bem, ou sei lá, um refrigerante com umas duas pedras de gelo, talvez um chá gelado. Hoje fez um calor insuportável, ainda bem que vai chover, as plantas agradecem, as pessoas também, claro, dormir com barulhinho de chuva é uma sensação tão boa. Lembro quando eu era pequeno e debruçava na janela do meu quarto para olhar os relâmpagos e raios que caíam durante as tempestades, aquilo me maravilhava. Era tão bonito e único, a chuva sempre foi um refúgio para a minha alma, parecia recarregar as energias, toda chuva eu sempre acabava apanhando da minha mãe por me molhar e pelo perigo de caminhar em locais abertos. Olha, chegou a ambulância, que bom, salvarão todos, espero. Já tem uma movimentação grande na rua, o pessoal meio que tentando retirar os acidentados ao mesmo tempo que alguns ainda parecem conter estes, todo mundo sabe que não se pode mover ninguém de um acidente de trânsito, a não ser que haja uma grande exceção ou algum problema que coloque a vida desta pessoa em perigo. Enfim removeram as pessoas do carro, mas estão cobrindo os corpos, a pancada foi realmente feia, acho que morreram. Os jornalistas apareceram para fotografar a cena do acidente e escrever suas matérias, será que estará nos jornais? Será que as estatísticas cresceram? E se estivessem embriagados? Será que perderia o glamour? Já vi gente falando sobre isso e as vezes até desejando a morte de pessoas que se embriagam e depois dirigem seus carros.

Analisando a situação, acho que já vi coisas demais por uma noite mesmo sabendo que as piores coisas sempre acontecem quando eu fecho os olhos. É uma coisa complicada, perder o sono as vezes por preferir a exaustão a adentrar lugares que teoricamente não deveriam existir, é como se eu estivesse correndo dos meus sonhos o tempo todo e acordar com os olhos mareados, eu sou o único que não quer ser o herói e nada sobra para mim a não ser morrer sozinho. Algumas vezes nos sentimos como se a ideia de morrer fosse uma ideia palpável e segura. Como se fosse apenas o fim de tudo; O fim das lembranças, o fim das expectativas, o fim das mais variadas formas de sofrimento.

É um deserto tão grande o nosso pensamento, ao mesmo tempo parecemos nos preocupar com as coisas que deixaremos para trás. Quem ficará, como ficará? Quando é que as coisas serão amenizadas? Será que ficarão bem? Será que tudo será como eu sempre pensei que seria? Será que vão sentir a minha falta? Será que as pessoas continuarão suas vidas da mesma forma? Será que eu realmente esqueci a chaleira no fogo? Será que a porta está aberta? Será que eu deveria ter um cão ou um gato? Um hamster? Será que eu deveria jantar antes de partir? Tratar todos os dias como se fosse o último te faz parar de viver. Ao imaginar como seria, se morre um pouco mais.

A morte é palpável, é o final, é a perpetuação, é a permissão. A cada dia que passa, morro um pouco mais. A cada dia que passa, estou ainda a dois passos do precipício.


E já está amanhecendo...



terça-feira, 10 de março de 2020

Two lost souls swimming in a fish bowl


Foi na rodoviária daqui da cidade que a gente se abraçou pela última vez e até hoje eu guardo sua mensagem que mandou no dia 21 de setembro do ano passado, um Sábado e você estava indo almoçar, finalizou o contato pedindo pra eu mandar notícias enquanto eu iniciava uma apresentação de teatro infantil, realizando a sonoplastia e a iluminação do espetáculo. Foi na mesma semana que eu soube do seu acidente e que de alguma forma nos deixou.

Hoje eu penso em você como alguém que fez o melhor que pode por todos nós e que partiu fazendo o que mais gostava. Para alguns, inclusive para mim, você sumiu no éter, é como se você ainda estivesse nesta viagem na qual nos despedimos na porta do ônibus que se destinava a São Paulo. Engraçado que quando eu soube que você tinha caído de bicicleta, eu ri muito pois, tudo entre nós era motivo para gracinha, para gargalhadas, qualquer que fosse o momento e claro que eu não imaginava o quão sério havia sido, até que o tempo passou e tudo foi ficando menos risonho, as notícias não eram das melhores e... enfim, você se foi. Se foi e deixou a gente aqui meio com um sorriso amarelo, meio controlando as lágrimas, meio sem entender o que aconteceu. A Nina foi logo depois, acho que você deve saber, ou não, não sei.

Enquanto escrevo eu tento me livrar de crenças e focar apenas no que eu sinto, já que o sentir é algo mais puro do que achar coisas e pensar em formas de acalantar os corações. Você se foi, é fato e é com isso que tenho que lidar, daquele dia em diante, e escrevo este texto para colocar para fora o que estava engasgado desde então. Sei que você não vai ler, sei que de certa forma alguns vão me dizer que você lerá ou leu, este não é o propósito, não busco provas, busco apenas tirar de mim esse mal estar que você causou em todos nós com sua partida.

O seu legado foi e será respeitado e penso que é o que quero ter para mim, é o reconhecimento que você teve e a gente sabe que você era um artista e artistas sempre serão massacrados a vida toda e reconhecidos após a morte.


Hoje você faria 62 anos, meio século e 12 anos, ou, 50 mais um bom whisky.


“Morro acima, entendemos que chuva é mais forte do que imaginamos e que a enxurrada é apenas a consequência. No fim, todos nós ficaremos bem. Em meio a solidão que o mundo nos traz, em meio ao céu cinza de uma tarde chuvosa, em meio as notas solitárias de um compositor decadente, entre as palavras de um ébrio. Em meio ao marasmo da casa vazia.” - Veleiro por Danilo Baldassari