As sombras ao pé dos edifícios, causando um momento único durante a manhã daquele dia, entre os reflexos, as sombras, Eva se despedia de seu filho e sentia algo diferente naquela manhã. Alex sairia mais cedo que não era normal e ela sabia o porquê, sabia e não iria impedi-lo. Lutar por um país livre seria como se ela voltasse no tempo em que seu marido foi morto por militares, Raul, lutava igual seu filho, era bonito de ver a paixão com que ele discursava diante de seus companheiros. Porém mais tarde viria a ser um dos procurados pelas altas patentes do sistema. Encontrado, torturado e morto.
Alex seria seu pai, mais jovem, com idéias mais modernas, porém com o mesmo espírito. Não seria a favor do sistema que aprisionava a população, censurava e retalhava a imprensa. Nada podia ser feito sem passar por rigorosos controles e censurados caso não fossem aceitos. Brigar com o sistema seria algo irreal, seria como mover uma montanha com a força dos braços.
Eva se maravilhava cada dia mais com seu filho, apesar de ter medo que ele viria a ter o mesmo fim de seu pai. Mas era tão lindo quanto Raul, ela tinha um sorriso que não cabia na boca. Preocupava-se sim, mas além de tudo, desejava que seu menino fosse quem Raul foi.
Podia-se ouvir o barulho da passeata virando a esquina e descendo a rua, que passava em frente à janela do quarto de Alex. Eva, foi então olhar aquela marcha, que coisa mais linda, que orgulho. Ela queria descer os nove andares que separavam aquele exemplo de união, aquele exemplo de luta. Sentiu certa diferença no beijo de seu filho, um ar de despedida, mas não se pronunciou.
Ela debruçou na sacada, admirando aquele momento único de uma manhã estranha, Eva que não sofria de insônia, mas não conseguiu pregar os olhos naquela noite.
Esperava ver seu filho, Eva era mãe de três, Alex, Alberto e Wagner (do mais velho para o mais novo. Wagner, já retratado, Alberto ainda não).
Do alto do edifício residencial, ainda as sombras tomavam conta de parte das paredes, enquanto a passeata entrava na rua principal. Eva teve um mau pressentimento, olhando para o lado e percebendo a policia montando um cerco a uns 4 quarteirões dali. Os prédios formavam um enorme muro, na floresta de pedra que se fazia, em meio aos esqueletos dando inicio a novas construções, o sol passava por entre as frestas que permitiam.
A passeata descendo a rua em ritmo alucinante, Eva pensou em correr, mas com sua idade já avançada, largou tudo. Avental, chinelos, nem se olhou no espelho antes de sair (como sempre fazia). Tinha pressa de avisar os manifestantes, queria salvar a vida de seus filhos.
Descendo pelo elevador de serviço, Eva podia ouvir os disparos efetuados pela guarda nacional. Desesperada começou a apertar alguns botões no elevador, tentando fazer a descida uma coisa mais rápida, aflita, apertou o botão de emergência fazendo o elevador parar. Lagrimas escorrendo de seu rosto, temendo pelo pior. Descobrira porque não dormiu aquela noite. Eva foi encontrada pelos bombeiros, horas após. Estava sentada no chão do elevador, escuro (luzes queimadas), entre o 4º e 5º andar. Soube da noticia de que Alex estava morto logo após ser retirada do elevador por um vizinho amigo da família.
Ela sabia que aquilo podia acontecer, remoendo ainda um passado próximo, sentiu o beijo de Alex, se despedindo, eles sabiam que não mais iriam se ver daquela manhã em diante. Agora ela temia por Alberto, seu filho do meio que estava do lado das forças armadas. Por opção.