sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Credêncio

Sob a ótica intrínseca de um sonho atravessando o meio-fio como um pêndulo que rompe a barreira do ar e nos leva a crer que a gravidade não existe. O mundo deixa de ser um local hostil quando adormecemos, ele é reconfortante, ele nos traz um espectro similar, o meio-fio entre a realidade e o irreal no limiar da consciência.
Faber Krystie McDonnadan


Ao deitar-se limitou-se ao silêncio, cabeça encostada no travesseiro, de lado, como se estivesse apenas imaginando o dia seguinte, todos fazem isso, o mundo nos fez assim, programamos o dia seguinte sempre. Pensamos nesta forma robótica como se tivéssemos a plena certeza de que ao encostar a cabeça no travesseiro o dia seguinte apareceria logo ao abrir os olhos. O dia seguinte, uma nova chance, um novo acalanto, uma nova promessa, um novo abismo, uma nova tortura, uma nova possibilidade, ou se pudermos também chamar tudo isso de os mesmos substituindo as palavras, as mesmas chances, os mesmos acalantos, as mesmas promessas, o mesmo abismo, a mesma tortura, a mesma possibilidade. Enfim, qual a distinção trazemos ao nosso interior quando nos deparamos com o dia seguinte, com a semana seguinte, com o mês e o ano seguintes. O marasmo é algo intrínseco, assim como as vozes que parecem ao longe conversar sobre algo que nunca entendemos bem, a não ser que elas falem bem aos nossos ouvidos, nos causando desconforto enquanto estamos paralisados em nosso sono (não mais) profundo.

Um rádio ligado noticiando as manchetes em plena madrugada, uma conversa, a TV que permanece ligada, os fantasmas que pairam acima de nossas cabeças, o terminal rodoviário que o corredor se transforma se a porta permanecer aberta e assim partimos da premissa de que o que os olhos não veem o coração não sente, e, quando sentiu? Quando os esqueletos e fantasmas foram realmente um problema? Quando a loucura esteve presente e quais as causas dessa esquizofrenia particular, branda e pontual? Quando isso tudo causou pavor? Quando tudo isso não fez sentido? Apenas o tato se valida entre os vitrais frágeis da segurança pessoal?

Não falo de experiências extrassensoriais, quando ouvimos ou vemos, os sentidos são muito bem usados e o fato de que ninguém mais ouviu ou viu não quer dizer que estás louco, mas, apenas você foi capaz de ouvir e ver e esta é uma dádiva.

Talvez seja necessário encontrar o próprio eixo dentro de tantos eixos possíveis levando em consideração que o ser humano hoje pensa apenas em 4 eixos sendo o último ainda um mistério. 

Ao compreender os sonhos, muitas vezes como forma de alertas ou bons presságios, compreendemos também que a nossa mente é mais poderosa do que pensamos. Assim como também nos prega peças ao nos alertar muitas vezes de coisas sem sentido. O fato é que somos um corpo, guiado por um cérebro, que precisa do corpo para sobreviver e afinal, o que somos?

Somos mente, somos inteligência, somos algo inexplicavelmente fantástico. Somos o que podemos chamar de mistério. Não somos o ar, nem mesmo o pêndulo, somos o próprio meio-fio. 

Os sonhos nos levam a realidades diferentes e quando compreendemos que aquilo foi apenas um filme que passou pela nossa cabeça nos tira a credibilidade de tudo aquilo ter de fato ocorrido, retornando de que apenas o tato se torna uma prova segura sobre a realidade. Afinal, o que você respira agora, é mesmo ar?

A proposta é assimilar, pensar sobre o poder que temos em divagar por aí e nos libertar muitas vezes das amarras que nos prendem ao chão.

"Eu sonho que estou aqui
de correntes carregado
e sonhei que em outro estado
mais lisonjeiro me vi.
Que é a vida? Um frenesi.
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção;
o maior bem é tristonho,
porque toda a vida é sonho
e os sonhos, sonhos são."
- Vida é sonho; Calderon de la Barca -