Durante um apelo eloquente de se buscar respostas, ela
caminhava em um corredor extenso o suficiente para causar-lhe medo, ou, no mais
correto de se dizer, angustia. Ainda em um mar aberto de possibilidades,
arriscou-se no infinito de uma vertigem e as dores começaram.
Primeiro pulsando e logo após tudo apagou, não de forma a se
esquecer o que ocorrera, mas foi como se tudo ficasse em tons sépia e logo um
pouco esfumaçado. Se observava os movimentos nos quais sabia que as pessoas ali
não pareciam reais, eram vultos que se moviam um pouco mais rapidamente como se
não houvesse a linha do espaço-tempo, eram seres errantes que transpassavam
paredes, portas e mobília. Era de certa forma angustiante e ao mesmo tempo
incorreto pensar que de repente um rastro se formava a partir de um pulso no ar
já que esses seres não pertenciam ao mundo real. Chocou sua realidade com a
idealização de um sonho ruim no qual teria adentrado e não poderia sair dali a
não ser que acordasse. Sua missão naquele momento partia de um prisma inerente
ao comum, chegar ao final daquilo.
As chamas e o inferno que se misturavam aos vultos e tais
seres errantes chegaram apenas para notificar o que já estava anunciado. Ao
fundo ouvia-se um nome como em um alto-falante, que sessou ao abrir os olhos e
retornar ao mesmo lugar em que situava, o looping aconteceu e o abrir dos olhos
não transformou a cena em um alívio, mas fez com que a mesma retornasse do
ponto zero. No relógio marcava às 4 horas da madrugada e no semblante do homem
que sentava-se ao lado da cama, um sorriso doce no qual não se permitia alterações,
era um homem calvo, sem sobrancelhas e enrolado em uma túnica, proferia algumas
palavras de um idioma no qual não se compreendia. Pedindo algo, ou talvez
profetizando, ou então apenas ali guiando algo que se iniciara. Levantar-se para
buscar respostas era necessário e ela assim o fez e percebeu quando seus
movimentos atravessaram o corpo daquele que estava sentado ao seu lado, a compreensão
daquele momento veio depois de pensar muito sobre os fatos que a levaram até ali.
O monge levantou-se e ainda profetizando suas palavras inteligíveis acenou com
o olhar voltado ao horizonte enquanto ela olhava para o ponto de referência no
qual o senhor observava, olhar para trás fez com que ela tivesse uma visão que
deixava uma dúvida a respeito de sua realidade, afinal, ao observar novamente
ao redor sua cama não estava mais ali e o monge acenava diretamente para uma
multidão de pessoas deformadas, rostos ensanguentados, necroses entre tantos
outros tipos de mutilações.
Enquanto a multidão se levantava e caminhava em direção ao seu
mestre, ela sentiu pânico ao notar que alguns deles a observavam enquanto
outros apenas seguiam seu caminho, uns até a porta e outros até a benção.
Pensando na relação disso tudo se virou ao monge e seguiu em sua direção e quando
o fez um caminho se abriu ao mesmo e assim ela pode reverenciá-lo. Ele tomou
sua mão com suas mãos e no centro de sua alma ela compreendeu os mistérios que
a levaram até ali dentro das palavras ditas pelo sábio pensador.
“Buscar respostas às sensações ou ações dos seres seria algo
involuntário, mas, de certo modo, seria uma busca incessante e sem nenhum
retorno pois, faz-se o bem sem nenhum motivo, assim como faz-se o mal.
Simplesmente não há explicação e se questionar disso seria perder uma eternidade
inteira em busca de algo sem respostas. Não se explicam sentimentos, assim como
não se questionam as ações, o que o mundo nos dá, é exatamente o que nós
precisamos naquele momento e a nossa evolução se encarregará de nos fornecer os
pensamentos e ações corretas. A vida, como em um sonho, é por si só
involuntária. A natureza não se explica, ela é.”
Percebendo que apenas se conhece as sensações e o mundo,
quando se faz parte dele nem que seja por 1 segundo. Dentre tantas as
realidades que poderia viver, viveu aquela que estava ao seu alcance e morreu,
naquela realidade, naquela cama de hospital, aquela que chamaram mais tarde de
indigente, que nunca fez mal a ninguém, mas que sempre questionou o porquê do
mundo ser tão torto, o porquê do mundo ter tanta gente ruim. Eram questões que
pairavam em seu universo ao deitar-se em sua cama de papelão abraçada em seu
pet, um vira-lata salsicha que mais uma vez teria que seguir sozinho em busca
da própria sobrevivência.