Observava as estrelas com certo desafio nos olhos. Sentado
na relva apenas por aquele instante de calmaria na cidade que nunca dorme,
enquanto o cigarro ainda aceso respirava da mesma brisa gelada vinda do ártico.
Águas calmas do lago refletia a luz da Lua e os sons vindos dos uivos longínquos
dos coiotes que se cercavam de esperança aguardando o momento certo para
avançar a caça.
Era um momento único de plena divisão entre o surreal e o
que estaria de fronte aos olhos. Nada daquilo caberia em uma única fotografia.
Não adiantava nem mesmo tentar. Um trago a mais e a fumaça se confundia com o
vapor que saia de suas narinas. Na melhor das hipóteses aquela imagem queimaria
seu cérebro como o ácido. Todas as questões mundanas vindo a tona de uma vez
só, não se tinha mais certeza o que era cigarro, relva, cervo ou coiote. Arma apontada para si mesmo em afronta contra sua própria
vida, dali para a frente seria diferente, sabia que por mais que apertasse o
gatilho saber o futuro era ilusão, dizer que o passado não existiu, mentira.
Fugir daquilo tudo era a única realidade.
As memórias ainda se misturavam enquanto fechava os olhos no
silêncio, sabia ser o último, sabia que um dia a dor iria embora. Quando a luz
do sol tocava sua pele, viu o sonho se tornar real em cores Tecnicolor. A dúvida
ainda era a mesma:
“Já teve um sonho que parecia real? Se você não pudesse acordar deste sonho, como distinguiria
o sonho da realidade?”
Continuar negando que os mistérios da vida vão além do que
acreditava seria irrisório, naquele mesmo instante a milhões de anos-luz dali,
em um universo paralelo, ele poderia nem mesmo existir, em outro universo
paralelo, ele poderia ter puxado o gatilho, e em outro a arma nem estaria em
suas mãos. Todo aquele paraíso poderia nem existir, toda aquela história seria
um imenso deserto e o sonho, talvez o sonho fosse a realidade ou a realidade
fosse o sonho.
No mais fiel de seus quadros, aquele com suas marcas mais
profundas, o Yin-Yang cortando sua carne, a seco. A fidelidade de um quadro tal
qual a do sol nascendo por entre as montanhas, sob a névoa matutina enquanto
os coiotes deixavam a vida para descansar em paz. Os sons da madrugada davam
lugar aos carros passando na highway, aos vagões barulhentos do metro, dos
trens de superfície e das pessoas caminhando pela manhã em busca de seus afazeres. Por vezes os aviões retornavam ao seu fatídico asilo. O
cigarro já apagado dava lugar ao gole de café, este seria o combustível para
mais um dia. Nas células do anjo caído, na voz lírica, no comando das vozes e
das armas a vida seguia na metrópole.
O espaço entre o sonho e a realidade parecia imutável, mas
ao mesmo tempo, no espaço-tempo entre os astros, um trilhão de anos é um piscar
de olhos astrológicos. Mais uma vez a relatividade nos embrulha em um poço de
imperfeição.
Mudam-se os tempos e os que vem hoje para o mundo, ainda
considerados dotados de pureza ou, diga-se de passagem, imunes a insanidade mundana.
“Seria o feto um resquício de sanidade ou fruto da loucura?”
Faber Krystie McDonnadan