quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Hljómalind (trilha sonora)

 A iluminação sob as velas e os fogos que ela mesma acendeu enquanto acendia também um cigarro antes de sua apresentação, seus olhos vidrados, roupas surradas, dedos esguios e um piano velho. No palco também empoeirado um vento batia por conta da porta do camarim que ficou aberta, na verdade ela não se fechava a anos devido a ferrugem que tomava suas dobradiças e ferrolhos, a necessidade de renovação era imprescindível naquele momento, porém, não se tinha notícias do mundo externo.

A humanidade daquele dia em diante não sabia mais como se encontrar e não falamos de abraços e extensos diálogos, falamos de saber a atual situação e esta era um pouco mais complexa pensando do ponto de vista técnico em 59 milhões de anos-luz onde uma estrela ainda brilhava, longe, inalcançável, bela e branca. Era a visão da pianista que olhando por uma fresta do telhado que se rompeu na ultima tempestade, a esperança estava ali, naquela fresta rompida pela água que se transformou em mofo no chão de carpete que um dia já foi um apoio aos pés de pessoas muito felizes e importantes. A esperança estava ali, a 59 milhões de anos-luz, longe, inalcançável, mas, estava ali, bem na fresta, em seu olhar turvo.

Encerrando seu ato, apagando o cigarro e com a boca seca, ainda sentada na banqueta que a aproximava mais das teclas, entre tantos pensamentos possíveis, ela só poderia arriscar o palpite de que o Sol retornaria no dia seguinte, trazendo uma nova esperança, bem mais próxima, mas mesmo assim, pouco palpável. Ele traria um novo dia e ao mesmo tempo ofuscaria também as outras tantas esperanças. Lembro-me do piano decadente, da pianista que derramava lágrimas sobre as teclas enquanto executava um réquiem para uma plateia morta. Dali saíram as notas de um lamento no qual não havia ninguém para ouvir a não ser suas próprias entranhas.

Nota por nota, movimento por movimento, páginas e páginas. Tudo se tornava cada vez mais dramático quando em um movimento brusco a batuta caíra em plena execução tornando o prazer sensorial em medo e angustia ao perceber que não havia um maestro e muito menos a orquestra. Ela estava só. Não havia palco, piano e nem pianista.