Era passional seu modo de
enxergar o mundo, seu desgosto pela vida tomava proporções catastróficas, todo
aquele amor com que via um animal brincando com sua bola ou admirava as flores
desabrochando no canteiro entre as ruas que iam e vinham. Não aceitava nenhum
tipo de maus tratos tanto com a natureza ou com os seres que dela vinham.
Aquele ser indígena caçava para
viver, tirava seu sustento e somente seu sustento da terra. Matava sim os
animais, para se alimentar. Cuidava da mata com sua própria vida. Protegia-se com sua mascara feita com tinta natural retirada do urucum. Mantinha
seus olhos abertos contra qualquer ameaça à tribo. Cuidava para que nenhum
predador se aproximasse.
Caminhando pela rua entre os prédios
de concreto, se sentia enclausurado, era o modo como via aquelas pessoas ao seu
redor, uns vestindo seus melhores ternos, outras tinham roupas rasgadas, ele
não tinha idéia do que se passava ali, uns atiravam moedas para alguns que
estavam sentados no chão, estes mesmos levantando as mãos para o céu pedindo
perdão por alguma coisa, os Deuses lhes castigavam ao não ouvir suas preces.
Não ouviam os Deuses aquelas pessoas que passavam sem notar que ali ao lado
havia alguém passando fome ou mesmo na malandragem para conseguir alguns
trocados. O índio não sabia como se portar naquele local, um carro passou
tirando tinta de seu couro e de dentro um homem gritava “SAI DA RUA”, ele sem
entender apenas desviou do carro que quase lhe causou problemas.
Pobre moço, caçador, guerreiro...
Ali, seu arco e flechas não tinham mais poderes. Ele gritou por ajuda em sua língua
nativa, nada aconteceu, alias algumas risadas eram ouvidas após aquele
grunhido.
O helicóptero em um vôo rasante
causou pânico naquele que viu um pássaro gigante se aproximar. A vida na cidade
tornou sua inocência algo questionável. Mas ainda assim, não falava a língua local.
Ele aprendeu a pedir dinheiro levantando os braços como os fiéis, reconheceu os
engravatados como Deuses, uns eram generosos outros nem tanto. Talvez pela
bondade que alguns tinham.
E de Deus veio a recompensa, uma
mão estendida do chão outra estendida das alturas, munido de Alzheimer o senhor
que ajudava as pessoas sem saber ao menos o próprio nome, sensibilizou-se com o
trágico fim daquele que sofria por miséria. O velho fugia do hospital todos os
dias para dar uma volta e nunca retornava, o índio que foi encontrado recostado
em uma das paredes do bairro central não se rendeu à criminalidade por nobreza.
Tornaram-se amigos, mas não se
falavam. Pequenos gestos, momentos e um simples ato de estender a mão, foi o
necessário para que aqueles amigos fossem companheiros pelo resto da vida.
No ano em que o senhor, Seu
Eurico, faleceu. O índio (nome não revelado) retornou à sua aldeia mais próxima,
carregado daquele sentimento de perda. Mas não perdeu, juntou-se ao velho amigo,
dias depois. O mesmo adoeceu com as impurezas da cidade grande, uns diziam que
o “índio” não suportou a falta do velho amigo, outros diziam que não suportou a
pneumonia. Ainda havia quem dissesse que o pobre homem sentia falta, era mesmo de
sua casa.