terça-feira, 16 de maio de 2017

Minha azul Moscou

Eu não acreditei quando você se foi, cá deste lado do Mar Negro, os pés gelam enquanto pisam a neve. Cá deste lado do Mar Negro, procuro compreender por vezes incertas o quanto significaria para mim sua partida. Enquanto estive em Moscou, percebi que os Russos tem uma peculiaridade estranha em suas palavras, assim como todas aquelas vezes em que eu não sabia muito como te dizer, mas, talvez, aquela moça que passava pelo nosso lado enquanto tomávamos um drinque no Dorogaya, não estivesse apenas de cara fechada por estar de mal com a vida, os russos tem uma peculiaridade em suas vidas, desde o nascimento até a morte. Percebemos isso ao ler Dostoiévski, o grande imortal. Há muita paz no território gelado denominado Russia. Apenas não há felicidade. O povo russo é festeiro, se embriaga com frequência e se mantém em uma tristeza profunda.

Antes disso, lembra? Nos conhecemos nas ruas de Manhattan, você jogava pipoca aos pombos, estava quente, era primavera e naquele ponto, algumas flores nos canteiros do centro financeiro davam um tom menos hostil aos túmulos petrificados em forma de prédios. Estávamos nós dois, observando a ponte Nova Jersey – Manhattan, algumas pessoas praticavam Kite Surf no Hudson.

Em alguns dias, pegávamos aquele voo até São Francisco, mera coincidência estarmos naquele avião, eu estava a trabalho, correspondente da Rádio Central de Moscou e você iria visitar alguns parentes por lá. Conseguimos mudar os assentos para que ficássemos juntos. Nosso primeiro beijo foi no ar, lembro ainda de olhar o mapa antes de olhar em teus olhos enquanto segurava sua mão, estávamos entre o Iowa e o Nebraska, você segurava minha mão ainda quando pousamos no SFO, deu tempo de tomar um café e conversar sobre a vida. Eu precisava seguir meu dia de trabalho e combinamos de nos encontrar no Black Horse London às seis.

Fomos até a casa de sua tia, na Sacramento, de frente ao Lafayette Park. Entramos devagar e ficamos no seu quarto. Adormecemos e ao acordar, o sol bateu em seu rosto, seus olhos azuis brilharam como eu nunca na minha vida tinha visto. Nos casamos e enfim fomos morar na fria Moscou, eu deveria ficar por lá, meu trabalho dependia disso, até que eu conseguisse uma transferência para a bela São Francisco.

Nossa vida em Moscou não era das melhores, a máfia perseguia os jornalistas e seus familiares. Infelizmente tivemos que nos separar por motivos maiores e com a fronteira fechada entre a Rússia e os EUA, você deveria atravessar o Mar Negro até a Turquia, para de lá, procurar nosso amigo Benneth, ele tinha passaportes falsos e registros para voar com seu avião de pequeno porte até Rabat, no Marrocos. Por lá, a escala era simples: - Rabat – Miami – São Francisco.

Quando olhei nestes teus olhos pela última vez, eu sabia que era a última vez. Sentir falta não é o nome, mas algo de mim você levou quando tomou aquele avião destinando Ankara.


O inverno chegaria mais cedo aos meus ossos.