sábado, 1 de outubro de 2022

Tous les Jours - 05

 O Juca era verdadeiramente um cara bem viajado, tão viajado que em uma dessas conversas de balcão deixou escapar uma de suas viagens pela Ásia, logo no início, quando decidiu viajar por conta de um intercâmbio para a China. Fez faculdade e etc, o cara não era fraco não. Ele contava:

- Por vários dias passei sozinho andando por aí, a capital chinesa, Pequim é pra lá de variada e tem muita gente andando pra lá e pra cá, o modo asiático de vida é meio controverso, eles fazem praticamente as mesmas coisas que os americanos e se dizem comunistas.

O Léo gostava dessas conversas, viagens e etc. Ele só não se abria muito quando a conversa era sobre mulher, o moleque comia quieto, bem quieto. Enfim, questionava:

- Mas lá era muito frio?

Juca respondia:

- Acho apenas que o inverno é um pouco menos rigoroso que em algumas cidades que o inverno é mais forte, como Vancouver ou Cleveland, mas, claro que quem não gosta de uma friaca, que procure uma cidade mais ao sul, o litoral é feio, repleto de portos e a poluição é um grande diferencial negativo para as cidades portuárias como Zhanjiang ou Shenzeng. Hong Kong é tranquilo mas, é um povo meio esquisito. Quanto mais ao norte, mais frio, Taiwan é caro demais, Singapura nem se fala, tudo em dólar.

O Antunes queria saber mesmo era do mulheril:

- Fala das mina pô, as chinesas são boas?

Juca não ligava muito pro Antunes e continuava a falar com o Léo:

- Depois que iniciei meus estudos em comercio exterior na universidade de Ningbo (região próxima a Xangai), consegui um emprego nessas empresas de manufatura e e-commerce, essas empresas que vendem baratinho e enviam para o mundo todo seus produtos a preço, literalmente, de banana.

- Falam que na China tem trabalho escravo, é verdade isso?

- As condições nunca eram das melhores, mas, pagavam em dia e o pessoal lá era bem legal. Um dos meus colegas de trabalho, o Lee

O Antunes:

- Ah isso é balela, nome comum pra caralho, você viu num filme, vai? Lee?

- Parece clichê, mas eu juro que ele se chamava Lee, apareceu com um espremedor de suco, essas bugigangas que a gente só vê em sites como Aliexpress, Alibaba, Shopee e afins. Aquele aparelho era fantástico, silencioso e para a minha surpresa era também a bateria, ou seja, suquinho tirado da fruta na hora em que se consumia, tudo o que se precisava era uma caneca, copo ou algum recipiente e claro, as frutas.

O Antunes já fazia uma cara meio assim enquanto olhava para o barmen:

- Aaaah, que mané suquinho Juca! Não tinha uma maquina que fazia cerveja? Essa era a boa! Ou Whisky, pultz, aí sim! Um Ballantines 15 anos direto da fonte. hehe

O Barmen fazia os cálculos de como é que se fazia whisky 15 anos sem esperar 15 anos. Devolvia para o Antunes que apenas ouvia a história.

- Sempre na hora do lanche, lá não tinha horário de almoço, trabalhava da hora que chegou até a hora de ir embora e a hora de ir embora nunca era de fato sempre no mesmo horário. Lá nunca era um diferencial “dar o sangue” pela empresa, quem não dava o sangue era despedido e pronto, é de fato uma visão do Comunismo, as pessoas vivem pelo trabalho e pelo Estado mas, que fique claro, o partido é Comunista, a China não.

Antunes interrompia de novo:

- O QUE? Comunistas? Tô fora! Esse povo aí come criancinha!

O Léo assustado com a fala do Antunes apenas olhava para os lados, ele acreditava em tudo o que contavam. O Juca seguia:

- Enfim, na hora do lanche percebi que tinha esquecido meu refrigerante de todos os dias e a máquina estava com o estoque zerado, a empresa que fazia a manutenção tinha se esquecido da gente.

O Antunes já previa a história toda:

- Tá, aí vai dizer que o Lee Comunista te emprestou a máquina dele e vocês tiveram uma linda amizade!

Léo sorriu.

Juca seguia:

- O Lee observou que eu comia meu sanduiche a seco e questionou se eu não gostaria de um pouco de suco ou chá, ele tinha bastante, eu aceitei um copo e para a minha surpresa ele tinha algumas laranjas ao colocar na máquina espremedora (ele estava louco para mostrar a novidade, obviamente) me dizia como aquele aparelho mudou a vida dele, como ele se tornou mais saudável sem ter tanto trabalho.

Mais uma vez o Antunes atrapalhou:

- Ah, pronto, agora virou história de coach essa porra, nome genérico, história de superação, ponto chave, cidade que ninguém esteve...

O Juca ainda tentava contar, e desta vez se virou para o Antunes:

- Dava pra ver que ele estava mais esbelto e ao perguntar, confirmei também que ele estava malhando na academia que ficava próxima a empresa, ele ia lá todos os dias após o expediente.

- Ah, pronto, agora a história está completa, suquinho e academia...

O Juca estava impaciente...

- Deixa eu acabar???

Antunes se calou e o Léo fez sinal que sim.

- Uns 3 dias depois, passando por uma barraca de frutas, verifiquei que eles não só vendiam as tais laranjas como também a tal maquina de espremer, comprei as laranjas apenas, não queria parecer invejoso nem nada do tipo já que lá eles viam a inveja como algo estarrecedor, e cheguei lá com as laranjas para o Lee espremer na máquina dele e a gente tomar um sucão. O dia passou e fomos embora, o Lee estava meio estranho, achei melhor não perguntar.

O Antunes pedia outra dose, sabia que a história ia levar mais tempo. O Léo só ouvia enquanto puxava um cubinho de queijo Gruyère do prato. Juca contava:

- No dia seguinte o Lee levou algumas outras frutas e percebi que a mocinha da limpeza dava um risinho pra mim e olhava para o Lee, meu mandarim não era perfeito e nem nunca foi. Mas eu o entendi dizendo para ela “séquiçu”, ela dava mais um risinho e voltava aos seus afazeres.

Já no final do expediente ela passou por mim e disse, “séquiçu”,, toda sedutora e tal. Como eu tinha acabado minhas coisas e estava indo embora, acabei topando com ela no elevador e ela olhando pra mim com olhos de fome. Quando o Lee apareceu e convidou a gente para ir até a casa dele tomar um suquinho diferenciado.

Entendi o recado, era ele deixando as coisas bem fáceis para que eu largasse a mandioca na nobre mocinha da limpeza, ela repetiu várias vezes a mesma coisa... “séquiçu”, “séquiçu”, “séquiçu”. Ele dava um risinho e ela devolvia, olhando para mim, foi quando desconfiei que ele poderia ter aprendido a palavra só pra facilitar as coisas entre mim e ela. Que cara foda! Que parceiro!

O Antunes não se aguentava:

- Caralho, eu sabia que tinha sacanagem na parada! Que safado! Conta logo!

O Léo corou, mas queria saber do resto da história...

- Daí então já no apê do Lee, bebidinha pra lá, a máquina espremendo suco e o cara batizando com cachaça, comemos uns petiscos meio esquisitos e do nada deu um calor, a mocinha tirou a roupa, pegou na minha mão e me levou pro quarto, deitou na cama e começou a me beijar.

O Léo pediu pra ir no banheiro e o Antunes resmungou:

- Porra Léo, larga a mão! Na hora boa não! Fica aí seu caraio! Aguenta firme!

O Léo ficou, sem saber onde enfiar a cara.

- Continua, vai...

Juca seguiu:

- A gente se beijando loucamente, quando do nada ela agarrou a minha cintura com as pernas e gritou, “séquiçu”!

Quase afundei ela na cama na pura madeirada! Quando senti uma coisa entrando em mim! Era o Lee, roubando toda a minha inocência se é que me entendem. Não deu muito tempo para reclamar, já tinha acontecido o que eu mais temia nisso tudo. O cara não entendeu nada quando eu parei tudo me vesti e vazei dali puto da vida enquanto aquele demônio sedutor deitado na cama apenas de lingerie agora questionava: “séquiçu”?

Descobri que a China não era pra mim.

No aeroporto, vindo embora, na fila do check-in tinha uma brasileira, conversávamos quando pedi pra ela tirar uma dúvida, se “séquiçu” na china era aquilo mesmo. Ela meio assim respondeu que “Sān rénzǔ” era a tradução para ménage.

O Léo com os olhos lacrimejando.

A Lurdes, garçonete lindíssima que passava por ali e prestou atenção a história indagou o Juca:

- O china comeu o teu botão?

O Antunes cuspiu a cerveja, batendo na mesa dizendo:

- Você tomou um sucão e o china comeu o teu botão!




terça-feira, 5 de julho de 2022

Um manifesto

pelas almas que passam a vida inteira entregues ao acaso de se perder em meio ao mundo.

Deleitem-se ao menos do prazer de carregar consigo mesmos seus medos, angústias e atrevimentos. Levem suas lições e assinem suas próprias sentenças.

O mundo é hostil, é inóspito, o oxigênio que nos dá a vida é o mesmo que aos poucos a tira. A natureza não é amiga, somos parte dela e de sua cadeia alimentar. As pessoas são sacanas, são safadas, é de natureza do ser humano levar vantagem em tudo e são pouquíssimos os casos dos que se eximem desta culpa.

A maior parte destes vive sob as sombras do próprio egoísmo e do mal que faz pensando apenas na própria sobrevivência. A todo momento extraindo tudo o que a vida pode fornecer e quanto mais fácil, melhor.

A noite é dos coiotes e só sobrevive quem de fato se encarrega de fazer parte da matilha ou se arma contra estes que procuram a carniça. Ainda que na matilha, sabemos que a moeda de troca nunca será a lealdade. No mundo de hoje, depender apenas de si mesmo é a grande valia.

"Para, observa, pensa, agradece, segue, percebe:
Para o que está fazendo!
Observa a tua ação!
Pensa se fosse na tua pele!
Agradece mais do que pede!
Segue a sua vida!
Percebe quem são seus inimigos!
e, não tenha medo..."

Os coiotes tendem a temer quem não os teme.

Faber Krystie McDonnadan



sexta-feira, 15 de abril de 2022

O trago

 Ao mesmo tempo

A brasa sustenta

Regida pelo vento

Naquele que se ausenta

 

O cais de américa se finda

A fragata se adentra

Um oceano se centra

Num destino que em sua vinda

 

Trás-os-Montes da Lusitânia

Agrava os perigos dos mouros

Em harmonia

Aos tolos

 

Pobres dos que carregam

Um destino incerto

D’onde se entregam

No exceto

  

Inocentes morrem

O cigarro se apaga

O frio se torna ad valorem

Nos pulmões de quem traga

 

Para tal derrota

É preciso astúcia

Ao som da rôta

Ao passo da renuncia

 

“As gaivotas pairam no céu tocando o oceano em seu desígnio de perpetuação. O Sol se põe ao longe enquanto as embarcações parecem sumir no horizonte. Estou num cais, como quem parte. Olhando o mar, como quem fica.”

Vom Krystie McDonnadan




terça-feira, 12 de abril de 2022

Mallevs Maleficarvm

Ali parado, observando o buraco negro a uma distância segura, observei que a anomalia ocorria no deserto de eventos. Alcançar o centro, para nós humanos, era de fato algo irreal, feria a nossa consciência, dignidade e moral. Seria um lançamento no desconhecido com a consciência de que o retorno jamais existiria. Arremessar-se contra aquele que era visto, porém desconhecido, foi apenas uma ideia impulsiva, que foi cumprida com sucesso.

O mundo é sufocante dentro do vórtice, do vácuo, os sons estridentes dentro de sua cabeça podem parecer cada vez mais altos e quando se percebe são seus neurônios que estão em plena combustão. Seus ouvidos não sangraram pois não havia pressão suficiente para que o sangue escorresse para fora. A cabeça parece querer sucumbir ao abismo enquanto os novos espectros são capturados pela gravidade, as ondas de rádio vieram de muito longe e percorreram o espaço através dos ecos que perduraram por bilhões e bilhões de anos entre idas e vindas do tecido escuro. A existência fora do planeta Terra já era de fato obsoleta, não se acreditaria mais em uma espécie de condição divina para que a vida perdurasse em ambientes tão hostis, o próprio planeta Terra era de fato hostil, porém contudo, ainda preservava as matérias primordiais para o avanço de seres dotados de inteligência a ponto de destruírem a si mesmos, em resumo, Deus estava morto.

A dilatação temporal é ainda um mistério para os seres humanos que nunca saíram do planeta azul, todos nós sabemos que até mesmo na estação espacial os cosmonautas tem 7 dias dias em 1, logo, imaginando que a teoria da relatividade de Einstein nos revela que os objetos massivos distorcem o tempo de acordo com sua gravidade, a dimensão conhecida como espaço tempo se desmembra em duas para nos explicar a que horas e onde estaremos, mas, se tratando de horas, já entendemos que os nossos sentidos estão aplicados a uma invenção tão inescrupulosa e impotente quanto esta capsula que foi feita para a minha proteção. Aqui dentro deste que não denomino espaço, universo ou algo do tipo, objetificarei apenas como, novamente, o deserto de possibilidades. É inerte, é vazio, é estranho, obviamente inóspito e inalcançável aos olhos humanos.

Hoje o tempo parou, ontem talvez o tempo estivesse parado, talvez eu esteja aqui a muito tempo, talvez eu esteja aqui por um piscar de olhos, o mundo cá deste lado de dentro do vórtice, tudo parece não ter lado, é um sufocante e confortável vazio, sentido de todos lados e formas, o próprio corpo convertido em luz se desfaz e se refaz, os olhos propriamente ditos, fisicamente, se rebelam e em uma distração observam o todo e o nada ao mesmo tempo. No meio do caminho existe também a consciência que não se desprende do corpo, porém o corpo se converte em luz e a luz de uma forma contínua se refaz dos mais variados formatos dentro deste deserto de possibilidades, ela continua sofrendo os ataques da gravidade extrema e dos pensamentos hora arrependidos, hora alegres pelas novas experiências e descobertas que se convergem em um ambiente ainda mais hostil, a solidão.

Faber Krystie McDonnadan




quinta-feira, 31 de março de 2022

Toronto

 Eu queria dizer uma coisa breve, nunca foi meu plano te deixar.

Você com seus transeuntes que nunca param de andar, é natural, é fria, é calma e é tranquila. Toronto é de longe o melhor lugar que já estive, é onde me sentia bem no meu trabalho, me sentia bem em relação às pessoas tanto no tratamento para com os estranhos que pediam informação quanto na rispidez de outros que chegaram de outros países ainda crus e cegos pelo seu instinto de sobrevivência. Suas ruas são convidativas e nos fazem querer conhecer cada pedacinho, tanta coisa para se ver, tanto a se descobrir dentro de sua excentricidade do nascer de um dia ao nascer de outro dia.

Andar pelo cruzamento da Yonge and Bloor, ouvir ao longe Del Barber em sua musica lançada em 2014, Big Smoke. “Cegos pelas luzes da cidade Cego pelas luzes da cidade ninguém pode ver você parando. Faz tanto tempo desde que você viu as estrelas da pradaria e você não tem certeza de que pode lembrá-los, mas há algo aqui para você encontrar”. É uma música que fala sobre nossas raízes, sobre certas coisas que a gente se encanta quando descobrimos algo novo e como as coisas parecem sumir no éter. Seguindo por qualquer direção encontramos sempre uma arquitetura preservada, sempre muito antiga, sempre muito bem cuidada. Atravessar com pressa pela Union Station e adentrar como ratos às vielas da própria estação em construção dá um ar de conhecimento, tanto quando andar pelos subterrâneos e travessas externas entre os edifícios quando não pelas passarelas extremamente artísticas feitas exatamente para nos proteger do frio, a vida não para, eu nunca parei, parecia uma droga fortíssima injetada em minhas veias, desde a rotina mais natural como comprar tickets de metrô, como o mais fora do comum em voltar em um ônibus lotado de casa ao lado de 40 pessoas fantasiadas (entre eles um pirata e um casal de coelhos) e você com uniforme do trabalho quando o ônibus parava para manutenção as 2 da manhã e todos desciam em frente a McDonalds.

O café é praxe, ninguém vive ou fica sem e sempre tem um lugarzinho para conseguir um copo cheio. As Starbucks, Tim Hortons, McCafè e todas as outras conveniências 24h que também tinham uma máquina. Os restaurantes Jamaicanos para quando sentir saudade do arroz com feijão. Os shoppings, os maiores que já vi na vida, cheios de muita magia no Natal. Pessoas que em 10 minutos de conversa se tornavam amigas sem nenhum outro interesse por trás.

Lembro até hoje de como conheci a Sati, uma indiana que estava perdida e pediu informações, eu estava na cidade a 3 semanas, mas tinha meu celular que ainda funcionava. Ela Queria chegar na Adelaide Street, era caminho após o ônibus ter parado e deixado todo mundo ali em frente ao McDonalds. Eu resolvi ir a pé até a Liberty Village e acabei a encontrando, parada ao lado de um prédio. Dalí seguimos juntos, ambos com um inglês bem raso, mas que conseguíamos nos comunicar. Falamos algumas coisas sobre nossas vidas fora dali e nos despedimos quando a deixei em casa. Não trocamos contatos e nunca mais a vi. O fato nem era exatamente esse, mas como a cidade nos leva a destinos tão diferentes em tão pouco tempo.

E o Andrew, sempre me atendia no Brass Taps da Danforth, que cara sensacional, sempre tentava ensinar como pronunciar o nome da cidade da forma correta. "Is not Toron-to, is Turo-nou.", o Evren, que cara mais que sensacional, chegou como refugiado e tinha tanta coisa para dizer, para fazer, para mostrar. Ator, assim como eu, hoje ele tem um canal no Youtube e disse que um dia me contrata. 

Atravessar a cidade enquanto o Sol ainda não nasceu e acompanhar o acontecimento sentado no banco do streetcar é uma experiência tão fantástica quanto propriamente andar de streetcar. Observar as pessoas em pleno movimento junto da cidade que respira ar quente dos túneis de metrô, algumas pessoas dormem ali e sempre nos deparamos com elas quando saímos antes do Sol nascer. As estações Osgood, Christie, Chester, a Broadview... Woodbine... Bay, Bloor, Union... Sem deixar a Spadina, Eglinton West e pensar no passeio que é cada vez que se desloca, tudo vira arte, tudo se torna uma imagem a ser apreciada quando falamos de Toronto.

Não poderia deixar de falar sobre a Queens Quay no Harbourfront em seus cais ao longo de toda a orla. Ali encontramos os patos mais lindos de todo o planeta. Toronto tem vistas ótimas e como todo lugar, seus centros turísticos, CN Tower, o Aquário, as destilarias e tantos outros lugares lindos e famosos, mas essa não é a minha Toronto, A Toronto que conheci é muito mais do que os lugares turísticos, foi uma cidade que me senti aconchegado, como num abraço. Nunca desde então me senti em casa em nenhum outro lugar. Um dia voltarei, e desta vez para ficar, nosso adeus, foi apenas um até breve.


Cya my friend.


"The tower, the clock, the streetcar and the fog. All together in the same time, same way, same street... like the revolution, inside my hearth while a whisper pass by me, telling about the world and your point of view. I was scared a little and at least I thought by myself. Here is three things never stop: The clock, the fog and me."





quarta-feira, 23 de março de 2022

A Fobia e o Decreto

Era mais um dia de sol, com aquele vento frio que soprava entre as frestas da janela e adentrava os pulmões já dissecados pela química de um cigarro. O trago absorvia o peso dos dias enquanto arrancava a tosse lá do fundo, até mesmo o agasalho exigia um pouco mais de conforto àquele que mal vestia, mal cabia, era tanto a se cobrir que o tecido já não se suportava, as tramas hora fechavam-se e hora abriam, o tecido respirava e transpirava o álcool que restava naquele corpo que buscava calor e os fantasmas apareciam buscando ajuda onde todas as entrelinhas já estavam tão expostas quanto a febre.

Arritmia e condensação precipitavam diante do crepúsculo que se fazia presente por entre as arvores e torres de energia. As linhas tinham um ponto de inicio e final, o horizonte calmo e sereno denunciava a tormenta que se avizinhava no meio fio da calçada. As paredes de tijolos corroídos pelo tempo tinham data indefinida para se render a erosão e todo o processo de deterioração mundano. Ali se faria um túmulo onde os insetos mais desavisados seriam definitivamente aniquilados pela gravidade. Uma explosão na casa das máquinas tratava de um erro humano. O trago ainda presente assistia ao caos da própria janela, os pássaros assustados se movimentavam para um lugar seguro longe dali enquanto a dor dos entes queridos se resumia em gritos e pranto.

O piano ainda restava diante da sala do segundo andar já sem acesso após a destruição das escadas. Nas proximidades ouvia-se as tampas de esgoto batendo em seu anel metálico enquanto a água turva e barrenta descia a avenida carregando os corpos, carros, animais mortos e lama. A enxurrada vista do alto do helicóptero que fazia um voo panorâmico, antes de se chocar com os fios de alta tensão e consequentemente cair na quadra poliesportiva do complexo escolar, era o semblante do desespero dos que ali buscavam ajuda. O fogo tomou conta d’onde a água preferiu se eximir da culpa.

Após um tempo tudo silenciou, a lama acalmou, o fogo foi se apagando dando origem ao carbono e aos ossos dos que não puderam voar, o comum destino daqueles que no inferno se instalaram e ao léu se findaram clamando pela justiça divina. O estrago, o trago, o bêbado e a lamparina, davam o tom de mais um entardecer lindíssimo no paraíso enquanto as lanternas se acendiam sob o precipício.

Aqui jaz um cadáver, sem nome, sem família, sem lar e sem nada, não se sabe se teve seu último desejo atendido ou se pode fazer sua última refeição. O que se sabe é que a vida toda ele havia sonhado com este momento, o momento em que se explica o abrupto som de um trovão.