sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Identidade Preservada


Era passional seu modo de enxergar o mundo, seu desgosto pela vida tomava proporções catastróficas, todo aquele amor com que via um animal brincando com sua bola ou admirava as flores desabrochando no canteiro entre as ruas que iam e vinham. Não aceitava nenhum tipo de maus tratos tanto com a natureza ou com os seres que dela vinham.

Aquele ser indígena caçava para viver, tirava seu sustento e somente seu sustento da terra. Matava sim os animais, para se alimentar. Cuidava da mata com sua própria vida. Protegia-se com sua mascara feita com tinta natural retirada do urucum. Mantinha seus olhos abertos contra qualquer ameaça à tribo. Cuidava para que nenhum predador se aproximasse.

Caminhando pela rua entre os prédios de concreto, se sentia enclausurado, era o modo como via aquelas pessoas ao seu redor, uns vestindo seus melhores ternos, outras tinham roupas rasgadas, ele não tinha idéia do que se passava ali, uns atiravam moedas para alguns que estavam sentados no chão, estes mesmos levantando as mãos para o céu pedindo perdão por alguma coisa, os Deuses lhes castigavam ao não ouvir suas preces. Não ouviam os Deuses aquelas pessoas que passavam sem notar que ali ao lado havia alguém passando fome ou mesmo na malandragem para conseguir alguns trocados. O índio não sabia como se portar naquele local, um carro passou tirando tinta de seu couro e de dentro um homem gritava “SAI DA RUA”, ele sem entender apenas desviou do carro que quase lhe causou problemas.

Pobre moço, caçador, guerreiro... Ali, seu arco e flechas não tinham mais poderes. Ele gritou por ajuda em sua língua nativa, nada aconteceu, alias algumas risadas eram ouvidas após aquele grunhido.

O helicóptero em um vôo rasante causou pânico naquele que viu um pássaro gigante se aproximar. A vida na cidade tornou sua inocência algo questionável. Mas ainda assim, não falava a língua local. Ele aprendeu a pedir dinheiro levantando os braços como os fiéis, reconheceu os engravatados como Deuses, uns eram generosos outros nem tanto. Talvez pela bondade que alguns tinham.

E de Deus veio a recompensa, uma mão estendida do chão outra estendida das alturas, munido de Alzheimer o senhor que ajudava as pessoas sem saber ao menos o próprio nome, sensibilizou-se com o trágico fim daquele que sofria por miséria. O velho fugia do hospital todos os dias para dar uma volta e nunca retornava, o índio que foi encontrado recostado em uma das paredes do bairro central não se rendeu à criminalidade por nobreza.

Tornaram-se amigos, mas não se falavam. Pequenos gestos, momentos e um simples ato de estender a mão, foi o necessário para que aqueles amigos fossem companheiros pelo resto da vida.

No ano em que o senhor, Seu Eurico, faleceu. O índio (nome não revelado) retornou à sua aldeia mais próxima, carregado daquele sentimento de perda. Mas não perdeu, juntou-se ao velho amigo, dias depois. O mesmo adoeceu com as impurezas da cidade grande, uns diziam que o “índio” não suportou a falta do velho amigo, outros diziam que não suportou a pneumonia. Ainda havia quem dissesse que o pobre homem sentia falta, era mesmo de sua casa.