sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Colônia

Diário de bordo, data solar, calendário gregoriano aos 16 de Outubro de 2075, Marte.

Cá em Marte o ser humano ainda não convive com a atmosfera, não somos capazes de respirar lá fora, sobrevivemos em meio aos laboratórios de pesquisa e as cidades compostas unicamente de vida artificial. Ontem alguns corajosos tentaram respirar sem aparelhos e roupas próprias, não duraram muito tempo, os olhos pareciam saltar e eles sufocavam com o ar rarefeito. Alguns outros ainda pensam que é loucura manter uma colonia de povoamento no planeta vermelho.

Por aqui já inventaram a mídia, possuímos inclusive alguns outros corajosos que militam contra o estado e pensam em deposição. Atentados a bomba não funcionam por aqui, nem aviões e nem terroristas, aqui, o mal é o ativismo.

Após algumas décadas, entenderam que descobriram apenas metade do planeta e a outra metade, inabitada, está sucumbindo aos caprichos do planeta azul. Não há guerras por aqui, não há problemas maiores do que a própria atmosfera.

Por um instante imaginamos que causamos um colapso na órbita maciana com o peso das construções, o planeta passou a girar de forma errada e agora está parecendo uma bola oval, está penso.

Caminhando entre as areias dos desertos (aqui só existe deserto, excetuando as cidades construídas), percebi que há outro tipo de vida caminhando comigo. Algo mais rude e perfeito que o ser humano, mas não há amor.

É uma afronta ao rústico planeta, dizer que homens são de Marte, na verdade o ser humano como um todo, é terrestre, um planeta micho com água em abundância, terras férteis e animais vivendo em comunhão com a natureza verde.

Dizer que o homem é de Marte é uma burrice tamanha, ninguém pode viver aqui sem as artificialidades, fingindo ser aqui, a Terra. A todos um salvo conduto para que o retorno seja breve, que a população tenha consciência de que Marte é um lugar para poucos.

Sei que estou preso a este sistema e que nunca mais saberei de meus amigos e minha família, eles lá e eu aqui. Que as futuras gerações prefiram esquecer essa ideia maluca. Aqui, a unica coisa que me deixou de queixo caído foi a vista do espaço no pico de Olympus Mons, porém, de Olimpo não tem muita coisa, aqui não existe Deus.


Câmbio e desligo.


O Silêncio

Sentado no balcão de um bar, enquanto degustava um pingado para aquecer e esquecer, despertar e pensar na rotina, o barman servia os convidados. Ele girava em movimentos rápidos em sua órbita, cheguei a conclusão que ao mesmo tempo que o planeta gira em função centrifuga, nos afastamos de nosso foco. O mundo ainda segue e as noites insistem em manter o mistério, o escuro.

A Lua observava tudo aquilo acontecendo sem se posicionar sobre os assuntos mais macabros, em seu lado escuro, a relação triangular entre os iguais estava mais do que clara, a formação dos astros era algo sublime.
Não estou sendo mais do que fui e nem menos que que poderia ser, as memórias se misturam ao silêncio, quebrado pelas palavras do homem que se sentou ao meu lado, semblante parecido com o que a vida nunca disse a ninguém, perseguindo seus sonhos e mantendo sua posição, confortável, eu era único, o homem era alguém que não se mostrava e o Barman com sua face escondida, víamos suas costas, alguém que ele nunca sonhara. Notícias de Bremen, Osterholz-Scharmbeck...

Ao meu lado eu via alguém que chegou até ali com uma história, mãos nas mãos e o conto de fadas chegou ao fim, eu morreria como vim ao mundo, sozinho. Eramos 3 de inicio, mais as faces no espelho, eramos 6. O pingado se transformou em um trago entre um cigarro e outro, estávamos em decadência plena, era hora de partir, assumindo as órbitas e mantendo os contratos.

As engrenagens eram simples, o trabalho em seu start era o maior do problemas. A autorização a grosso modo seria um convite a transgressão, desde pequenos aprendemos a pedir e agradecer seja lá para quem fosse. “Por favor”, “muito obrigado”, “bom dia”, “boa tarde, “boa noite”, “tudo bem?”, “tudo indo”.

O céu azul de nuvens paralelamente correndo em direção ao céu azul de nuvens que corria em direção ao céu azul. Fechar os olhos e cair na contradição de que o mundo servia apenas como transporte, transitório, modesto, honesto... o que você planta, você colhe. Durma bem, meu anjo, não morra, não se vá, não transite entre os mesmos locais, escolha outros paradeiros e mantenha a sua órbita.

Nada além de ser o herói enquanto um abraço sincero de boas vindas recebia as almas no paraíso. As árvores sofriam com a força dos ventos, um cello ao fundo anunciava a hora de partir, despertadores, horários, regras, mapa-mundi, entre um Whisky e outro, chegávamos ao contato extremo entre o ser humano e os movimentos retilíneos que acusavam a forma robótica de controle. No fim do túnel, a resistência.

Somos únicos enquanto indivíduos, somos apenas mais um, enquanto máquina.


Olhei para o lado e vi um robô. No espelho atrás do mostruário, dois. O terceiro, este surgiu em outro lugar, atendia a outras demandas e histórias.

Pedi licença e me levantei, deixei uns trocados no balcão e o mundo escureceu novamente.