quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Crescei e multiplicai-vos

Adentrando a simulação, eram inclusas complexidades durante os planos base. No começo tudo se iniciava com células simples que se dividiam e multiplicavam perante sua adaptação ao meio em que foram inseridas. Nenhuma evolução, eles diziam, ocorrerá sem dor. Assim se fez, para multiplicar era necessário se dividir, diminuir, cortar, dilacerar, nada se criava do nada, tudo era inserido por algum motivo, ou por algum desejo, ou, além disso, por algum castigo, mas, como castigar algo que não possui formas de sentir que está de fato sendo castigado? Para que uma ação faça sentido, ela deve ser validada pelo seu receptor, a não ser que o ator esteja brincando sozinho com suas ideias mirabolantes em um monologo estranho em um palco sem plateia, sem luz, sem som e sem texto, o que anularia de fato a simulação.

A questão é que de unicelular, se tornaram multicelulares e daí em diante foram inseridos tantos quesitos parâmetros como número de patas, revestimento, tipo de alimentação, tipo de respiração, diurno ou noturno... Eram tantos parâmetros dentro de um lugar só, mas tudo parecia estar em paz enquanto a evolução continuava por tantos outros motivos e é claro, pelo bem da simulação, tudo se criava e se adaptava de tantas formas que era iminente a necessidade de se resetar a entropia.

Nada como por acaso um meteoro ser arremessado na simulação para que ela se refizesse, lentamente. (Como se houvesse uma escolha, me entende?)

Tudo continuava se adaptando mesmo após uma catástrofe daquele tamanho, o que com certeza poderia ter extinguido tudo. Em um sopro, a simulação estaria perdida, o que significa que o botão de reset deveria ser pressionado para se iniciar uma nova simulação, talvez em outro lugar, talvez sem meteoro, talvez sem unicelulares, talvez sem nada do que foi incluído anteriormente, começar do zero. O problema foi esse, após o cataclisma, foram abandonados pois com certeza não haveria como se sobreviver ou se adaptar.

Pois bem, os seres que aqui ficaram se adaptaram a nova atmosfera, ao novo formato global, ao clima e tantas outras coisas, apenas não compreenderam muito bem o novo pacote de atualizações instalado automaticamente pelo sistema operacional. Além de novos tipos de seres, o pacote de expansão ainda previa a criação de novos parâmetros sem a necessidade de incluí-los automaticamente. A sacada foi tão potente que logo a simulação ganhou um “Q” a mais da mais pura e sublime insalubridade. Com o avanço de tantas coisas uma raça foi se sobressaindo em relação as outras por se considerar inteligente, o plano base, se intensificando, se adaptou tanto em relação aos outros planos que recebeu um prêmio “honoris causa” por ser em tantos milhões de anos o primeiro a conter vida (agora era esse o nome que davam a ação de abrir os olhos, respirar, se alimentar e dormir) “inteligente”, é claro que esse prêmio foi dado pelos próprios seres “inteligentes” a eles mesmos.

É claro que estes seres tinham algum problema e logo foram incluídos automaticamente no pacote de expansão, os parâmetros guerra e dinheiro (e por consequência o parâmetro pobreza). Assim também se criou o parâmetro fome (este veio com o parâmetro dor no meio do umbigo, um parâmetro que acompanhava os seres mamíferos, um parâmetro para designar os seres que do nascimento ao final da infância poderiam praticar a ação de mamar no seres dotados do parâmetro fêmea, o umbigo era dado ao ser que nascia a partir do ser mamífero, fêmea por uma espécie de acesso chamada cordão umbilical, daí o nome umbigo.)

Dentre tantas as mazelas que esta simulação (agora automática) traria, ainda haveriam outros seres que não tinham muita inteligência e acabavam nas mãos dos agora predadores “inteligentes” que inventaram as queimadas, a pesca, caça e coleta, máquinas movidas a petróleo “expelidoras” de carbono entre tantas as outras mazelas que a “inteligência” traria para os seres que agora viviam na simulação. Um dia, após tanto tempo com a experiência em Fast Foward, enquanto realizavam a faxina anual no laboratório, encontraram algo tão tenebroso que se contentaram muito com esse novo experimento criado, ao avistar tantos parâmetros juntos, realmente passaram a compreender que o desenvolvedor do pacote de expansão automático não estava de brincadeira, enquanto todos ainda sem fôlego observavam tudo aquilo, ouviu-se lá do fundo da sala, o responsável pela faxina: - Quanta crueldade. – Todos riram ao mesmo tempo, jogaram o tecido em cima da tela e foram se retirando, exceto o analista, este resolveu verificar os gráficos e parâmetros.

Dentre eles, eram encontrados todos os tipos de variáveis, variações políticas, cor de pele, crença, honra, raça, sindicato, posição sexual preferida, prato preferido, corte de cabelo, doença crônica, naturalidade, etc. 

A única variação que todos os seres tinham a mais pura certeza que haveria de selar todos os indivíduos era a liberdade, este um conceito muito amplo e utópico para se discutir, quiçá para prova-lo como um manjar. 

No fim já estavam todos vendidos, ao nascer, como cães em um petshop. 


Vox Populi (Beta Zi'nini Universe)