Na sala, um projetor, alguém
dizia algumas coisas sem o menor sentido. Falava de linguagem abstrata, falava
de história, mas não se cansava de falar. Exemplos e suponhamos que algo
aconteceu. A didática era horrível. Mas eu queria falar de outra coisa, acordei
pensando num conto erótico, coisa que nunca escrevi por achar tão patético
alguém descrever um ato sexual, uma situação a qual passou ou algo que fantasia,
mas nunca viverá. É difícil crer, mas as pessoas possuem os desejos mais
obscuros guardados em algum lugar, lá no fundo.
Cocei minha cabeça, estava
coçando, talvez seja pelo fato que ainda não tomei banho, mas acho que eu não
devo falar sobre a minha manhã. Foi maravilhosa de inicio e fantasiosa de
outra, hoje fantasiei minha cama, ela estava lá, aquela mulher de cabelos agora
castanhos (eu adorava o tom de cinza que ficou após o azulado, mas, bem... ela
não). Castanho estava lindo, aliás, o cabelo é algo que eu gosto de ver em uma
mulher e, o da senhora minha esposa, é fantástico. Engraçado o jeito que ela me
olha as vezes, sua cor muda, ela passa um dia todo branquinha e de repente, ela
cora. Ela olha nos meus olhos e fica com uma cor rosada nas maçãs do rosto.
Essa sala ainda aqui, uma tv
enorme (um projetor e uma tela de projeção), o assunto é chato e não sei porque
paguei por isso. O rapaz ali da tv acabou de dizer, “trabalhe sua escrita”, cá
estou, enquanto muitos ainda apenas assistem a TV, eu estou digitando.
Palmas para mim. Palmas para essa
pobre alma que só queria estar em casa.
O cara ali disse agora para não
publicar o que eu escrevi, será que ele não gostou? Mas ele nem ao menos leu o
que eu escrevi. Será que ele sabe que tenho um blog? Será que posso chamar isso
de blog? Confesso, de joelhos (na forma mais figurada possível), estou entediado.
Citações do rapaz da telinha, Don
Casmurro é uma novela mexicana de quinta categoria, ME PERGUNTO, será que vai
passar no SBT?
O que mais posso fazer aqui, o
que mais posso falar? Será que se interessariam por o que escrevo?
Pareço alguém no divã, né? Cadê?
Cadê? Um divã é mais confortável que essa carteira de COQuinta (se é que me
entendem, ham?, ham?).
Segundo o cara ali da telinha, 4
livros lidos ao ano está bom... aos mais assíduos, 12.
Alguém sabe se tem coca-cola
aqui? Dá vontade de trazer um vinho pra sala de aula. Ah, tem mais cinco aqui,
maior galera hein? A “tutora” é responsável por aumentar o som e abaixar o som,
ah, ela pega as assinaturas de presença e, deve geralmente varrer, limpar,
consertar, pintar, cavar, tampar, sepultar, rezar, dirigir, buscar as coxinhas
da sexta, a mortadela da terça e passar o cafezinho todo santo dia. Há, ela
também deve ganhar pouco.
O som das caixas fazem tremer o
chão, o som está alto? Será?
Falei de divã, acho que vou
escrever algo sobre, depois deste quase desabafo, ainda tem saco pra ler mais?
Bom, ok. Lá vamos nós, este se chama, Divã. (ah, rolou um silêncio mortal agora
na sala de aula, o cara acabou de dar sua aula e estamos aqui, nós seis,
esperando por alguma coisa, e a tutora está ali, quieta, parada, olhando pro
nada, ah, ah, ela passou aqui do meu lado agora pouco dizendo “acho que vou
dormir”, bem, deve ter ido então).
Lá vamos nós, no Divã.
Ela se deitou, assinalava numa
folhinha seus problemas, em uma lista tinham alguns sentimentos, sentidos, meio
que uma “How do you feel list”. Ela aguardava, batia o pé num compasso próximo
ao de um concerto de Rock n’Roll. Olhava no relógio. Olhava de novo [para por
aqui, por enquanto][olhe para os lados, como se estivesse procurando algum
barulho]. Ela tirava seus óculos de grau, colocava os escuros, não queria
mostrar seus olhos, mas, para quem mostraria, estava sozinha. A porta ameaçou
abrir, ela cruzou as pernas, a porta voltou (com o vento). Sentia o coração
batendo mais rápido, sala quente, por hora, fria. Esfriavam-se os ânimos ao
mesmo tempo em que o doutor entrava na sala. Pedia a prancheta, sem olhar para
nada, olhava para baixo, lia algo que causou curiosidade na senhora sentada que
aguardava o atendimento.
Sem entender, se eram maus
tratos, ou se seria o costume da clínica, ela só queria resolver seus problemas
mais bem escondidos atrás daquela carranca que vestia na face desde a hora de
acordar. O médico entrava e saia da sala, hora com algo para ler, hora com
cafezinho, hora com sorvete de casquinha (ela ouvira o sorveteiro passar, ficou
com vontade, mas se conteve). O doutor saiu mais uma vez e voltou com um
pássaro nos braços, era um pássaro de grande porte, sem entender lhufas do
acontecido, ela resolveu falar. Meio sem jeito. “Doutor?” O olhar do homem que
estava na sala foi fuzilando a senhora. Ela que se levantara para se comunicar,
se sentou. Ele não produziu um único som. Apenas olhou-a bem no fundo dos
olhos. Sem jeito, ela apenas sentou-se e continuou olhando para o “enjalecado”
em sua frente perto da porta.
Chegaria o doutor, numa breve análise de suas
respostas, perguntaria se mais algo que pudesse dizer. Ela estava assustada,
apenas. O doutor tinha a mesma aparência de um dragão, vermelho, narinas
saltadas, escamas e olhos répteis. Ele questionava sobre sua vida, o que a
desagradava e ela sem querer ser indelicada, respondia que estava tudo bem. O
dragão, cuspindo fogo, assinalava naquele bloquinho algumas anotações.
Ela estava incômoda naquele divã
macio.
O doutor pedia que ela se acalmasse,
mas como se acalmar diante de um tratamento daqueles, com um doutor com cara de
dragão. Pensou que talvez devesse pedir um copo d’agua ou coisa parecida. Ouvia
alguns sons que se repetiam como um eco. Estava atordoada enquanto fechava os
olhos e se escondia em baixo de suas mãos. Encolhia-se, parecia sonhar com algo
muito ruim. Retirando seu colar, descalçando seus sapatos e ameaçando se livrar
do vestido, ela parou [câmera somente nos olhos, nariz e boca, perfil] ela
retirava seus óculos escuros com calma, sorria delicadamente, passaria o batom
erroneamente por toda sua boca, acima dos lábios e abaixo e abaixo. Retirava da bolsa um cãozinho de pelúcia,
ouvia a chuva, convidava o doutor para ouvir também, enquanto olhava ao redor e
achava estranho não ter visto os pacientes todos nus quando chegou. Sentiu
frio. Pés gelados. Mãos úmidas. Roía as unhas. [volta ao plano comum]
O menor ruído, se atentava,
procurava conter-se ao real. Pisava no chão com certa cautela como se tudo
fosse desmoronar, pisou e “despisou”. Sentia-se segura sentada, acocorada ali.
Não queria sair de seu porto seguro.
Abrir os olhos não foi fácil, ela
se balançava ainda quando a sala se devastou, a luz estava alaranjada, digna de
um dia quente de primavera, uma tarde, sol das quatorze horas, árido. Era assim
que se sentia sozinha na sala de estar de sua casa, o som da TV, movimento na
rua, vento batendo na janela, barulho dos carros passando, caminhões.
[giro por toda sala com a senhora
no centro][zoom out, até o céu]
Encerrava-se o dia com palavras
cruzadas e esquizofrenia. Ela não tinha com quem conversar e o nada lhe parecia
agradável. Sozinha em casa, a solidão a confortava. Não tinha medos nem
receios, já nos últimos dias, comia biscoito de polvilho com café, de almoço.
Jantava o que tinha na marmita do almoço que não foi servido. No criado mudo,
um copo d’agua com um pires na boca. Ao deitar-se, dava boa noite ao seu
falecido gato, que insistia em miar na janela que ela deixava aberta para ele
entrar e aconchegar-se em seu leito. Tinha comida, água fresca e um afago esperando
para ser dado há alguns anos.