Conto hoje sobre uma senhora viúva que frequentava a casa de
minha avó materna, a qual eu passei parte da minha infância, era raro algum dia
que ela não aparecia e quando não aparecia, bem, saberão no decorrer da
crônica.
Continuo daqui, de onde simplesmente não me esqueço da vez
que ela entrou por aquela porta da edícula que minha avó June morava, sim June
Maria, pois acho que só June o padre não batizava. A senhorinha me olhava com um tom meio ameaçador e um
sotaque antigo carregando os erres. Falava da vida de toda a vizinhança e tudo
o mais. Ela sempre dizia que estava muito nerrrvosa por algo que aconteceu na
TV, ou no noticiário da radio. Era complicado para uma criança de apenas 10
anos de idade, compreender a necessidade da velhota falar com o sotaque carregado
e claro ser o Jornal ambulante do bairro.
Mas como um jornal ambulante do bairro seria tão completo se
não houvesse a sessão fúnebre, com as notícias de todas as funerárias,
incluindo hora do velório e enterros, acho que sabia também quem compareceria e
também dava uma passadinha para ter certeza (tenho certeza). Ela chegava no portão e minha avó anunciava na sala, é a
Dorotí (não era “Dóroti” do Wizard of OZ, era Dorotí mesmo) meu avô, tirando o
radinho da orelha com o jogo da quarta divisão do campeonato paulista de
futebol júnior dizia (mas, só para mim): - quem será que morreu?
Pois ela mal pisava na sala e já dizia, June, June, boa
tarde seu Antônio (meu avô, que os Deuses o tenham), sabe quem morreu? E minha
vó com certo constrangimento, perguntava, quem? Ela descarregava a história do defunto, dizia que estava
doente ou internado ou até mesmo sobre o acidente fatal. Era estranho saber de
tanta gente morrendo enquanto brincava de hominho no braço do sofá ou jogava
truco com o avô durante a tarde. Mas era assim toda visita, até que um dia ela
faltou e meu avô por pura coincidência viu no jornal da cidade nas notas
funerais que ninguém havia morrido (pelo menos não constava ali). Ele dizia
para mim (mas, só para mim): - Hoje a Dorotí não virá, não morreu ninguém (ele
utilizava o mais perfeito português falado e utilizava os verbos nos tempos
corretos sempre).
Quando foi num dia que dormi até mais tarde e minha mãe liga
em casa, eu atendo com aquela voz de sábado de manhã antes do “Sábado Animado”
(será que se lembram?) e ela pergunta com uma voz até sarcástica (a mesma que
meu avô fazia): - Dan, sabe quem morreu?
Eu já sabia.