quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Noturno

Corria o mais rápido que podia, parava, olhava para trás, respirava. Hora tranquilo, hora desconfiado. O rodo praticamente veio do nada, num impulso sistemático acabava por fazer pular na primeira rota que coube. Assolava um dos membros machucado e mancava de certa forma a se moldar as passos estranhamente aflitos. O céu, escuro, era noite, as estrelas e a lua pareciam distantes a olho nu, olhos de gato. Garras que ainda mantinham a destreza. O negro cruzando a rua ainda longe de qualquer suspeita, perecível.

Num gemido de dor ainda que provisório, buscava abrigo do sereno, rosto inchado. Arriscou um embalado momento, derradeiro, defectivo... estava usando de seus dons para prever o fim. Mais um objeto atirado onde fez com que fosse arremessado ao relento. Não sabia mais se seria aquele o último suspiro. Malditos caçadores extremamente audaciosos. Diziam capturar a preza sem lamentos enquanto os golpes deferidos se referiam ao coração, pulsos...

Respiração resultante num furo entre as vísceras. Sentiu seu fim, previu tudo aquilo antes de acontecer, como uma profecia, fez questão de encontrar o furo no tempo numa esquiva, mostrou os dentes desencorajando os pretendidos assassinos. Na guerra não há vencedores, resolveu atacar, furou 3 olhos com suas próprias mãos e transformou em frangalhos outros mebros. A adrenalina mantinha um compasso acelerado, tornando a moradia algo mais que inviável, musculos mantinham-se rígidos e a face era voltada ao alvo que já estava neutralizado após aquele combate fechado, sem lacunas, certo.

Continuou caminhando para um lugar mais tranquilo e afastado, sem que ninguém visse, tossiu, cambaleou, foi pressentindo. A visão turva era apenas um agrado ao afago que esperava em seu território. Sabia que não era o momento de pensar em outras coisas, o apego era um apelo aos maiores. Foste desta vez a caça, o caçador deixou ali suas habilidades, estava ao chão caído, inerte. Num relâmpago sentiu a chuva tocar seu corpo abatido, estava vivo, tinha certeza que poderia carregar-se para qualquer lugar, quando encostou ao lado de uma lixeira, sentiu o cheiro do jardim e do jantar, sentiu algo molhado em seu rosto, a visão ainda mais turva quando tremeu suas bases, encantou-se com a moça que passou por sua vida e ficou ali, esperando em casa. Num dado momento, diria adeus, queria que fosse eterno assim como suas memórias. Enquanto apagava devagar seus sentidos.

Defendeu sua vida, sua honra, seus sonhos. 
Estavam todos mortos.

Esfriou, agonizando, desamparado, sozinho , ossos quebrados, pele esfolada, maltratado...

O gato, era eu.


“Tá relampiano, cadê neném?

Tá vendendo drops no sinal pra alguém.”



terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Laços do Passado - Capítulo 1 - Introdução

Consuelo caminhava pelas ruas da cidade de Monterey, a 15 anos procurava sua filha que fora tirada de seus braços na maternidade “Santa Maria de Guadalupe”, quando em uma das portas enquanto saiam os familiares da família Castillo e Castro.

Murilo Adolfo, o herdeiro da família riquíssima e tradicional de Monterey, saia com seu carro esportivo pelas ruas da cidade.

Em um cruzamento não avistou Consuelo, mas evitou o pior com uma manobra arriscadíssima, freando bruscamente. Trocaram olhares enquanto Murilo saia do carro às pressas para verificar se ocorrera algo grave. Antes que pudesses trocar qualquer palavra, ela desmaiava em seus braços.

As crianças eram deixadas no internato após o fim de semana pelo chofer Cristaldo, filho de uma das empregadas da família, a Adelaide. Outra das empregadas, Francisca, era irmã de Adelaide, mais velha e estava a mais tempo com a família, cuidava exclusivamente dos interesses da Avó, Blanca.

Entre as crianças, Otávio o mais novo, Carlita a do meio e Eleonora a mais velha, esta foi adotada pela família. Após a morte de Bernardo Castro, o passado ficou sem explicação, o velho Castro levou com ele todas as chances de encontrarem o paradeiro de Eleonora. Sua morte também foi um mistério, aquele acidente de automóvel foi um marco e uma grande perda, este era adorado por toda a elite e empresários da cidade de Monterey.

Murilo colocava Consuelo no banco do passageiro, ela estava desacordada ainda mas fazia uns gemidos como se estivesse sonhando. Dizia: - Quica... Quica... onde está você Quica... Murilo sem saber o que fazer, apenas dirigia-se para sua casa onde pudesse fazer com que a moça repousasse e retornasse à consciência. Ele a olhava, estava ao mesmo tempo mexido com a moça que acabara de encontrar na rua.

Chegando em sua casa, os portões se abriam, carregavam as iniciais C&C – Castillo e Castro – ele estava exasperado, com pressa, chamando o jardineiro Clodoaldo para ajudá-lo a subir as escadas, arrumaram um lugar no quarto de hospedes e a deixaram deitada em uma cama macia enquanto ainda estava desacordada. A vovó Blanca pediu que Francisca vigiasse a moça recém chegada na casa dos Castro e Castillo.

Murilo era viúvo, desde o nascimento de Otávio, o menino carregava um grande peso por ter nascido, mas o pai jamais teria dito ou feito nada que fosse pesado demais e que lembrasse do parto em que tiveram que escolher entre a vida da mãe e do filho. Enquanto estava desacordada, o rapaz observava junto de Francisca qualquer indício de que a mulher ali deitada daria sinais de estar voltando a si.


Continua no próximo episódio...


sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

A leveza das coisas comuns

Cada vez que olhava para o lado tinha uma nova perspectiva. Seres dotados de gigantescas formas, como em “confortabily Numb”, do Floyd. Criava-se um modo no qual nada houvesse sentido a não ser o próprio ego que gritava dentro de si. Alter ego tornava-se um estranho e sentia-se mal com os poderes que assumia num curto período de tempo, a casa dos espelhos, em ruínas tão bem fundamentadas que o único meio de transmissão eram as pontes sinápticas.

A queda.

Num estranho senso de direção que apontava o norte erroneamente e tornava o mundo parecido com um modelo diferente do que se via. Cores voltadas ao escuro, trevas. Num tom violeta esquivava-se dos vermelhos, como um temporal viu-se em descrença quando cada gota d’agua mantinha seu curso durante o declínio. Espatifadas no chão transformando tudo em centenas e centenas de milímetros. O rio seguia seu desígnio tortuoso e complacente.

Quando as bombas caíram, já não restava mais nada ali, lentes  de visão noturna apenas concluíram o que já era esperado. Dizimados pela artilharia natural de um mundo onde não apenas os fortes sobrevivem, mas onde também os fracos podem se infiltrar em meio ao caos urbano instaurado pelos ditos “imperialistas”. 

Eu mando, você obedece.

O céu estava azul, como quando tudo começou. Esquecer quisera deste lado negro do mundo junto as faces da lua, sem cor, sem medos, sem vida, sem caos. O ser vivente na época não tinha ideia do que estava por vir e ainda que as profecias de cumprissem com certo descaso, o iminente ocorria em larga escala. Nas indústrias eramos explorados, as árvores que serviam de alimento foram catalogadas, nomeadas e adquiridas por um simples papel (sobrevivência), e nesta sobrevida, a seleção natural se faz presente.

Fogo, sangue, mutilações e infelizes vitoriosos, entenderam que para construir é necessário destruir. Fazer o bem já tinha um duvidoso lado. Fazer o mal já era o incerto. Morriam da cura enquanto aviões ascendiam de navios grandes e pesados, apenas compreendendo que tudo teria um preço.


As explosões retomaram seu destino, ao amanhecer.



terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

The Ghouls

Corpos em movimento, enquanto despencavam do barranco de seus iguais, a mente já era mais fraca que o contexto desta história, o verdadeiro momento no qual tudo se encaixava apenas no mundo irreal. Se fez claro quando um helicóptero não tripulado surgiu no céu, arremessando algumas coisas, caixas. 

Literalmente, os bichos saltavam junto ao estrondo que fazia a desova, era claro também, num sentido metafórico que todos saiam correndo enquanto as caixas eram arremessadas do céu, visto que em suas ultimas vezes o pão que surgia do céu esmagava um ser vivente, na terra.

Uma noite, enquanto o terror instaurado desfazia-se em trevas, ouviu-se ao longe uma simples voz, aguda, calma, calmante e bonita. Era uma vez ou outra estridente mas no fim, todos dormiram em paz. Era chamada de fada madrinha.

O meio da noite era o mais intrigante, pois chegavam os ditos malvados carniçais, matavam os que não dormiam, em suma, crianças. Cortavam seus pescoços sem muita cerimônia. No recinto, todos aprendiam a dormir (ou fingir) quando surgia a voz da fada.

Não havia meios de conter os malvados. 

Tristeza, chatice, menos por motivos da segurança dos grandes comandos e numa rebelião, comeram os carniçais. Pelas últimas desovas, infelizmente a comida estava contaminada com o sangue dos que morreram esmagados, tanto pelos que buscavam a mesma como pelos que estavam bem embaixo, “moscando”.

Mataram por fome, não por vingança.