O vento frio passava pelas frestas da porta de madeira.
Tinha um aspecto de casa arrumada, rústica, de amarração estreita. Era
aconchegante de qualquer forma. Nevava lá fora, os vidros das janelas por
dentro aquecidos pelo fogo da lareira, hora estavam embaçados e hora derretiam
a neve que caia sobre o meio fio da armação quadrada.
Um homem entra em cena, vestindo poucas roupas para o frio
que fazia lá fora, não parecia se importar com a temperatura e trazia junto de
si em seus braços uma corsa abatida pela nevasca, quase já sem vida. Deitando o
animal frente a lareira, esticava as pernas na poltrona enquanto se alimentava
e aguardava pela recuperação do seu novo amigo.
Num lapso, o animal convulsionava para seu fim até que o
homem levantando-se esticando suas mãos por cima do ser sem vida enquanto
recitava alguns versos criados por uma voz oculta, ela parecia recitá-los em
seu ouvido enquanto ele apenas repetia.
Sentia-se um calor fora do normal durante o processo, uma
energia percorria aquela sala e se revestia em cores púrpura e azul ciano,
raios e luzes circulavam por entre os corpos em questão. A corsa levantou-se,
assustada, revelando por trás do fogo um ser noturno, este olhou fundo nos
olhos do homem, parecendo rogar-lhe algo. Enquanto recitava em sua prece:
“Este que dá a vida, é o mesmo que concede o fim. Caindo em
descrença por seus mais íntimos pesadelos, este que vos ensinará o poder da cura
é o mesmo que encarregará de sua morte. Pois eu sou o ceifeiro e te apresento o
mundo nu e crú. Te apresento o mundo além dos muros, além da natureza, ou faz o
que te mandam ou será prisioneiro para sempre deste que chama de Deus e de
tudo o que te faz pensar que a ascensão do espirito está acima de teus atos.”