segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Tous les jours - 01


Certa noite, Chico ao passar por um bar que estava fechando observou que foram esquecidas três cadeiras para o lado de fora, ele estava um pouco embriagado, mas pensou bem, resolveu levar as cadeiras embora e na rapidez empilhou-as e levou até sua casa, uns quarteirões a frente. Na manhã seguinte, o bar abria enquanto Chico entrava pela porta com um ar de preocupação, queria falar com o dono do estabelecimento.

- Olá, bom dia. – Disse chico.

- Olá, como vai? – Disse o dono do botequim

- Vou bem, obrigado. Gostaria de saber se não gostaria de comprar umas cadeiras, dessas de bar, tenho algumas em casa e, sabe como é, depois da mudança acabei precisando me desfazer delas.
- Hum, elas são brancas? Com o símbolo da Antártica?

- Sim são. Engraçado, são iguais as que você utiliza em seu estabelecimento. – Chico tinha um ar de conclusão, mas estava bem aflito.

- Eu entendo senhor, mas, sabe como é? As coisas não vão bem aqui no bar, bem, serei direto – Neste momento, Chico arregalou os olhos, achou que seria descoberto. – Não posso comprar nada por enquanto, a não ser que seja muito barato.

- É como eu disse, estou fazendo a preço de desapego, 2 contos por cada, vai? – Chico concluía.

- Hum, 2 conto cada uma? Bem, como eu disse a situação está complicada e você pegou o bar abrindo, posso te oferecer uma dose da melhor pinga que eu tenho? – Todos ali, menos Chico, sabiam que aquela era a boa e velha 21 garrafa plástica não retornável.

- Claro, pode ser! Adoro uma pinguinha de engenho! Vou buscar as cadeiras.

Ao retornar, Chico tomou sua dose e foi embora feliz pelo bom negócio.

Passando por ali no final de semana seguinte, notou que haviam desta vez dez cadeiras do lado de fora e sem titubear, empilhou-as rapidamente e levou embora. 

Na manhã seguinte o papo desenrolou da mesma forma.

- Bom dia senhor, lembra de mim? – Chico se fazia entender.

- Bom dia, como vai? Olha, suas cadeiras foram muito úteis, ontem vieram três novos clientes e se não fosse você, eles teriam ficado em pé. Acredita?! – Comerciante

- Que coisa impressionante, fico feliz em poder ajudar e acho que posso talvez te ofertar mais algumas cadeiras, achei na mudança, mas desta vez são dez. O senhor se interessa? – Chico estava feliz por “ter ajudado”.

- Me interesso sim, mas podemos realizar a transação da mesma forma?

- Claro, mas desta vez então aumente a dose e de acordo com meus cálculos... – Chico se colocou a pensar, como intelectual.

- Te coloco duas doses! Pela nossa longa amizade! Muito prazer, me chamo Miguel.

- Claro Miguelito! Vou buscar sua... as cadeiras.

Chico retornava com as cadeiras, bebeu as doses e foi embora.

Uma semana após o ocorrido, o agora denominado Francisco, passava pelo mesmo lugar quando na rua em frente ao botequim após uma festa, haviam cem cadeiras. Ele empilhou todas elas e de dez em dez levou tudo para sua casa.

Na manhã seguinte, Chico entrava pela porta recém-aberta já mandando a palavra ao Miguelito.

- E ai meu chapa, posso te ser sincero?

- Manda aí meu consagrado, o dia tá mais ou menos, mas pode dizer.

- Eu venho aqui já tenho um tempo com esse papo de vender as cadeiras, mas eu preciso te contar um segredo.

- Pô cara, conta ai, o que acontece.

- É que eu não achei as cadeiras na mudança. – Miguel arregalou os olhos – Eu sou um vendedor de cadeiras, mas como achei você muito gente fina e vi que o seu bar está meio vazio, eu poderia te fornecer algumas novas. – Miguel respirou fundo e voltou ao normal.

- Claro cara, quantas você acha que cabem aqui? Umas cem?

- Nossa, é exatamente o que eu estava pensando.

- Mesma coisa? Te pago em doses?

- Sim, fique tranquilo, do meu chefe eu cuido. Vou buscar agora mesmo todas elas.

Chico trazia de dez em dez, pensando nas doses que recebera “de graça”, mal sabia ele que Miguel estava mal por ter se desentendido com o garçom que mandou embora por não precisar mais pagar alguém para guardar as cadeiras antes de fechar o bar.



quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Le temps rugit comme un lion

Todos os dias buscava encontrar-se em uma esquina qualquer, no meio de um bar, daqueles que tocam os famosos blues. Um furacão poderia ameaçar mais uma vez aquele dia com semblante cinza, poeirento, cru. Não havia mais uma pessoa sequer na rua, todos estavam escondidos com medo e ela ficou ali enquanto os ventos pareciam aumentar a intensidade e carregar consigo tudo o que poderia perante sua força.
As pessoas dentro de suas casas, acessando o porão enquanto aquela moça de estatura média, cabelos cor de arco-íris sentava-se no meio da rua, entre os carros. Parecia admirar todo aquele espetáculo de coisas voando, casas sem telhados. As caixas de correio mesmo chumbadas no chão, ainda pareciam criar vida diante daquele momento, saltando entre a folga dos parafusos, algumas se soltavam e levavam consigo memórias, notícias, propagandas e afins.

A inercia trazia um pouco mais de encanto ao compreender que a cidade se destruía aos poucos e nem sempre tudo era culpa dos ventos que zuniam em meio aos carros virados. A cena era real, as árvores; as únicas a suportar tudo aquilo e com certa dificuldade ainda se esforçavam bastante para manter as raízes no chão, mas o problema não eram as raízes ou então talvez os ventos fortes, mas driblar tanto a vontade de voar em meio as rajadas que se afunilavam entre as nuvens cinzas.
A ideia principal sempre foi a mesma. Naquele momento compreendeu-se que a luta era inútil, tudo sufocaria de tal forma que no final das contas o que foi vivido até ali não significaria nada. 

Os fins jamais justificariam os meios.
Todas aquelas questões sem respostas, sentia medo dentro de si e sabia que o silencio que a assombrava todas as noites terminaria ali, sabia que aquela noite seria a última e os velhos fantasmas que a prendiam naquele lugar, naquele dia, iriam embora. Ao fechar os olhos para os corações vazios não havia mais tristeza, alegria ou amor.

A chuva cada vez mais intensa transformando o dia que se tornava azul em nuvens negras e pesadas. Raios, trovões e relâmpagos davam o clima tétrico dentro de todo o entorno catastrófico enquanto o caminhão dos bombeiros cruzava as ruas buscando sobreviventes, quando ao cruzar a rua sentiu o vento bater em sua pele, um arrepio, um frio, dos pés a cabeça a fez entender que tivera passado por entre o caminhão. 
Ouvia seu nome ser chamado a poucos metros dali mas não se preocupava, seu destino estava cumprido e apesar do sofrimento dos mais próximos, o seu sofrimento havia terminado. A partir daquele momento, faria parte dos ventos, ventanias, chuvas e catástrofes. Assim como faria parte do lindo sol que fazia no dia seguinte, era primavera em Nova Orleans.