terça-feira, 30 de abril de 2019

Tous les jours - 04


Ao passar por aquela ponte, parou no ponto mais alto e, em um lapso pôde sentir o vento em seu rosto e todo o entorno das pessoas que se compadeciam com mais um corpo que se chocava ao solo de forma brusca. Tudo se reconstruía em sua mente e o céu visto era apenas mais um céu coberto de incertezas e tristezas, aqui jaz mais uma mente insana que não suportava o mundo. Para alguns era covarde, para outros era realista, para estes era um sinal de que aos poucos a sociedade matava seus ídolos e idolatrava outros os quais não tinham nada a doar. De certa forma o mundo era aquele mesmo e tudo o que ele poderia fazer era se juntar ao limbo ou arriscar um salto ao infinito desconhecido.

Abrir os olhos com um dos pés apoiado na grade pronto para subir mais um degrau fritou os miolos do sujeito que só estava ali a passeio. As pessoas em volta só observavam sem dizer uma palavra. O clima agradável da noite densa apenas ressaltava a luz dos carros que cruzavam o mesmo caminho. Dali em diante, seguiu seus passos até um bar, onde pediu uma dose de conhaque sem gelo e uns petiscos como tira-gosto. Encontrou alguns amigos, conversou sobre todas as coisas possíveis e ali se sentiu cada vez mais sozinho conforme os amigos iam embora.

Sentado no banco da praça fumando um cigarro de um maço que encontrou ali naquele mesmo banco. Arriscava pensar novamente naquele momento em que observou seu corpo cair, se quebrar como uma onda no casco das embarcações que se embreavam mar adentro. Se sentia num cais, como um navio ancorado pronto para navegar, buscando o mar aberto, pedindo por sua libertação, mas com as pernas imóveis. Seus olhos se moviam e seu corpo banhado em seu próprio sangue insistia em se manter vivo.

Abrindo os olhos novamente enquanto soltava a fumaça pelas narinas, descruzando as pernas e observando ali perto que havia alguém desconhecido. Sem se preocupar com nada, finalizou jogando a bituca logo a sua frente e tomando seus passos pela cidade, caminhava sem rumo, sem ideias ou um ponto final. No termômetro digital visto ao longe marcava 10 graus, estava frio, o conhaque já havia sido consumido e o jeito era acender outro cigarro para se manter aquecido, as luzes dos carros iam ficando cada vez mais escassas devido ao horário, as ruas se iluminavam pelos postes que não exatamente se mantinham acesos, uns piscavam, outros apagavam por longos minutos, o vento batia nas vitrines das lojas e faziam um barulho característico ao soprar nas bocas de lobo.

A cada passo se via mais perto do destino, a cada passo se via mais longe daqueles pensamentos. Entrou em um bar que ainda estava aberto, pediu uma dose do mesmo conhaque sem gelo, sentou-se a uma mesa vaga dentre tantas as outras que estavam também vagas. A musica ambiente mesclava com o barulho das mesas agitadas pela conversa dos frequentadores, era um lounge americano que fazia jus ao bar, tinha cara de ser aqueles PUBs gringos cheios de frescura.

Acordava com alguém cutucando suas costas. Era o garçom, anunciando que a casa estava fechando e que ele deveria acertar a conta e sair. Levantou assustado, procurando sua carteira, retirando uma nota, e colocando em cima da mesa, colocou um cigarro na boca e no primeiro passo para fora do bar notou que estava quase amanhecendo, o Sol não batia em lugar nenhum mas já notava o céu com as cores se modificando, seguiu caminhando até o prédio onde morava no 8º andar, entrou em casa, fez carinho em seu cachorro, enquanto tirava os sapatos, abriu a janela da sala e sentiu a brisa fria da manhã que arrebentava sobre seu rosto como o mesmo mar do cais que arrebentava contra o casco das embarcações.

A vida voltava ao normal, as ruas se enchiam, as mesmas buzinas de todos os dias preenchiam o Lounge e tornava a vista mais turva do que de costume, os aviões cruzando os céus, o barulho dos trens de superfície e todo o entorno da vida na metrópole. Sentando no sofá enquanto acendia mais um cigarro arriscou o salto, em sua mente e mais uma vez acordou com o rosto ensanguentado. Daquele dia em diante, previu seu fim várias e várias vezes e em uma explicação complicada ele dizia que as ramificações se findavam e ele mesmo era dono do próprio destino.


terça-feira, 2 de abril de 2019

Um planalto vazio


Com os joelhos no chão, braços para cima em sinal de suplica, olhos fechados, o sol batia em seu corpo e denunciava ao mesmo tempo o horário das 14 horas em um relógio solar fotografado naquela cena. A composição abstrato-sertaneja indicava as casinhas ao fundo, feitas de barro, com portas sem trinco, rústicas, que mais pareciam gotas daquele orvalho sujo das plantas que vivem perto dos canaviais após uma noite no inferno que queimaria, calmaria, sobreviveria, humildemente, solenemente, capital...

Suplicava pela vida assim como os animais daquele sistema, com todo o cuidado do mundo o fogo queimava a palha, esquentava o lombo, definhava a terra, entornava a guerra, matava o sertão. O planalto sobrevivia assim enquanto a chuva não vinha, e ali naquelas casinhas em que os matagais insistiam em nascer para ser mais tarde arrancados pelo caprino que anseia pelo alimento fuçando na intuição que remexe por toda a psique do ser que ali persevera e perpetua um quadro revisitado por poucos.

A chuva não vinha, tornando seca aquela pintura rupestre sertanejo-abstrata. Os cadáveres emergiam na terra que bufava feito fornalha, por descaso, por descanso, por falta de ensejo ou talvez por falta de contingente humano. De certa forma uns diziam que preferiam amar feito os bichos, mais honestamente e menos sazonal. Tantas as vezes que tudo se tornava insular o próprio muro também emergia de forma a que ninguém visse tudo aquilo que se passava ali. Os pés queimavam, não sabendo se a terra pisava no boi ou se o boi pisava a terra caminhando, magro, quase esquálido, um cálice a poucos metros de si com água fresca. Ao observar a cena o mesmo se aproximava daquele que seria seu suspiro de vida ante a situação do semiárido.

Ao longe um riso de crianças, barrigas enormes, felizes, tomadas pela fome e pela sede. Mas sorriam, pois, encontravam graça naquele lugar inóspito ou talvez porque não entendiam muito bem que se aproximavam cada vez mais do encontro divino com o além vida. Ah, coração, dai a festa em nós, assim como as cores nos tratam como reles mortais. Diga depressa quais seriam suas paixões senão a compreensão de um quadro tão fiel ao olhar dos que ali passam fome. O mundo é pequeno e o tempo é uma invenção, um sopro e todas as plantas do jardim se foram com o sentimento de derrota pela oração por um dia de chuva, pela esperança de um dia sem sofrimento, pela idealização de um prato de comida, pela perseverança da própria sobrevivência.

Mas, de todos os lados havia um único medo, o medo de ir embora. Talvez um mundo sem dúvidas seria um mundo sem respostas.