domingo, 7 de junho de 2020

Gasparada - Enfermaria - O mórbido


Durante um apelo eloquente de se buscar respostas, ela caminhava em um corredor extenso o suficiente para causar-lhe medo, ou, no mais correto de se dizer, angustia. Ainda em um mar aberto de possibilidades, arriscou-se no infinito de uma vertigem e as dores começaram.

Primeiro pulsando e logo após tudo apagou, não de forma a se esquecer o que ocorrera, mas foi como se tudo ficasse em tons sépia e logo um pouco esfumaçado. Se observava os movimentos nos quais sabia que as pessoas ali não pareciam reais, eram vultos que se moviam um pouco mais rapidamente como se não houvesse a linha do espaço-tempo, eram seres errantes que transpassavam paredes, portas e mobília. Era de certa forma angustiante e ao mesmo tempo incorreto pensar que de repente um rastro se formava a partir de um pulso no ar já que esses seres não pertenciam ao mundo real. Chocou sua realidade com a idealização de um sonho ruim no qual teria adentrado e não poderia sair dali a não ser que acordasse. Sua missão naquele momento partia de um prisma inerente ao comum, chegar ao final daquilo.

As chamas e o inferno que se misturavam aos vultos e tais seres errantes chegaram apenas para notificar o que já estava anunciado. Ao fundo ouvia-se um nome como em um alto-falante, que sessou ao abrir os olhos e retornar ao mesmo lugar em que situava, o looping aconteceu e o abrir dos olhos não transformou a cena em um alívio, mas fez com que a mesma retornasse do ponto zero. No relógio marcava às 4 horas da madrugada e no semblante do homem que sentava-se ao lado da cama, um sorriso doce no qual não se permitia alterações, era um homem calvo, sem sobrancelhas e enrolado em uma túnica, proferia algumas palavras de um idioma no qual não se compreendia. Pedindo algo, ou talvez profetizando, ou então apenas ali guiando algo que se iniciara. Levantar-se para buscar respostas era necessário e ela assim o fez e percebeu quando seus movimentos atravessaram o corpo daquele que estava sentado ao seu lado, a compreensão daquele momento veio depois de pensar muito sobre os fatos que a levaram até ali. O monge levantou-se e ainda profetizando suas palavras inteligíveis acenou com o olhar voltado ao horizonte enquanto ela olhava para o ponto de referência no qual o senhor observava, olhar para trás fez com que ela tivesse uma visão que deixava uma dúvida a respeito de sua realidade, afinal, ao observar novamente ao redor sua cama não estava mais ali e o monge acenava diretamente para uma multidão de pessoas deformadas, rostos ensanguentados, necroses entre tantos outros tipos de mutilações.

Enquanto a multidão se levantava e caminhava em direção ao seu mestre, ela sentiu pânico ao notar que alguns deles a observavam enquanto outros apenas seguiam seu caminho, uns até a porta e outros até a benção. Pensando na relação disso tudo se virou ao monge e seguiu em sua direção e quando o fez um caminho se abriu ao mesmo e assim ela pode reverenciá-lo. Ele tomou sua mão com suas mãos e no centro de sua alma ela compreendeu os mistérios que a levaram até ali dentro das palavras ditas pelo sábio pensador.

“Buscar respostas às sensações ou ações dos seres seria algo involuntário, mas, de certo modo, seria uma busca incessante e sem nenhum retorno pois, faz-se o bem sem nenhum motivo, assim como faz-se o mal. Simplesmente não há explicação e se questionar disso seria perder uma eternidade inteira em busca de algo sem respostas. Não se explicam sentimentos, assim como não se questionam as ações, o que o mundo nos dá, é exatamente o que nós precisamos naquele momento e a nossa evolução se encarregará de nos fornecer os pensamentos e ações corretas. A vida, como em um sonho, é por si só involuntária. A natureza não se explica, ela é.”

Percebendo que apenas se conhece as sensações e o mundo, quando se faz parte dele nem que seja por 1 segundo. Dentre tantas as realidades que poderia viver, viveu aquela que estava ao seu alcance e morreu, naquela realidade, naquela cama de hospital, aquela que chamaram mais tarde de indigente, que nunca fez mal a ninguém, mas que sempre questionou o porquê do mundo ser tão torto, o porquê do mundo ter tanta gente ruim. Eram questões que pairavam em seu universo ao deitar-se em sua cama de papelão abraçada em seu pet, um vira-lata salsicha que mais uma vez teria que seguir sozinho em busca da própria sobrevivência.