O Juca era verdadeiramente um cara bem viajado, tão viajado que em uma dessas conversas de balcão deixou escapar uma de suas viagens pela Ásia, logo no início, quando decidiu viajar por conta de um intercâmbio para a China. Fez faculdade e etc, o cara não era fraco não. Ele contava:
- Por vários dias passei sozinho andando por aí, a capital chinesa,
Pequim é pra lá de variada e tem muita gente andando pra lá e pra cá, o modo
asiático de vida é meio controverso, eles fazem praticamente as mesmas coisas
que os americanos e se dizem comunistas.
O Léo gostava dessas conversas, viagens e etc. Ele só não se abria
muito quando a conversa era sobre mulher, o moleque comia quieto, bem quieto.
Enfim, questionava:
- Mas lá era muito frio?
Juca respondia:
- Acho apenas que o inverno é um pouco menos rigoroso que em algumas
cidades que o inverno é mais forte, como Vancouver ou Cleveland, mas, claro que
quem não gosta de uma friaca, que procure uma cidade mais ao sul, o litoral é
feio, repleto de portos e a poluição é um grande diferencial negativo para as
cidades portuárias como Zhanjiang ou Shenzeng. Hong Kong é tranquilo mas, é um
povo meio esquisito. Quanto mais ao norte, mais frio, Taiwan é caro demais,
Singapura nem se fala, tudo em dólar.
O Antunes queria saber mesmo era do mulheril:
- Fala das mina pô, as chinesas são boas?
Juca não ligava muito pro Antunes e continuava a falar com o Léo:
- Depois que iniciei meus estudos em comercio exterior na
universidade de Ningbo (região próxima a Xangai), consegui um emprego nessas
empresas de manufatura e e-commerce, essas empresas que vendem baratinho e
enviam para o mundo todo seus produtos a preço, literalmente, de banana.
- Falam que na China tem trabalho escravo, é verdade isso?
- As condições nunca eram das melhores, mas, pagavam em dia e o
pessoal lá era bem legal. Um dos meus colegas de trabalho, o Lee
O Antunes:
- Ah isso é balela, nome comum pra caralho, você viu num filme,
vai? Lee?
- Parece clichê, mas eu juro que ele se chamava Lee, apareceu com
um espremedor de suco, essas bugigangas que a gente só vê em sites como Aliexpress,
Alibaba, Shopee e afins. Aquele aparelho era fantástico, silencioso e para a
minha surpresa era também a bateria, ou seja, suquinho tirado da fruta na hora
em que se consumia, tudo o que se precisava era uma caneca, copo ou algum
recipiente e claro, as frutas.
O Antunes já fazia uma cara meio assim enquanto olhava para o barmen:
- Aaaah, que mané suquinho Juca! Não tinha uma maquina que fazia
cerveja? Essa era a boa! Ou Whisky, pultz, aí sim! Um Ballantines 15 anos
direto da fonte. hehe
O Barmen fazia os cálculos de como é que se fazia whisky 15 anos
sem esperar 15 anos. Devolvia para o Antunes que apenas ouvia a história.
- Sempre na hora do lanche, lá não tinha horário de almoço,
trabalhava da hora que chegou até a hora de ir embora e a hora de ir embora
nunca era de fato sempre no mesmo horário. Lá nunca era um diferencial “dar o
sangue” pela empresa, quem não dava o sangue era despedido e pronto, é de fato
uma visão do Comunismo, as pessoas vivem pelo trabalho e pelo Estado mas, que
fique claro, o partido é Comunista, a China não.
Antunes interrompia de novo:
- O QUE? Comunistas? Tô fora! Esse povo aí come criancinha!
O Léo assustado com a fala do Antunes apenas olhava para os lados,
ele acreditava em tudo o que contavam. O Juca seguia:
- Enfim, na hora do lanche percebi que tinha esquecido meu refrigerante
de todos os dias e a máquina estava com o estoque zerado, a empresa que fazia a
manutenção tinha se esquecido da gente.
O Antunes já previa a história toda:
- Tá, aí vai dizer que o Lee Comunista te emprestou a máquina dele
e vocês tiveram uma linda amizade!
Léo sorriu.
Juca seguia:
- O Lee observou que eu comia meu sanduiche a seco e questionou se
eu não gostaria de um pouco de suco ou chá, ele tinha bastante, eu aceitei um
copo e para a minha surpresa ele tinha algumas laranjas ao colocar na máquina espremedora
(ele estava louco para mostrar a novidade, obviamente) me dizia como aquele
aparelho mudou a vida dele, como ele se tornou mais saudável sem ter tanto
trabalho.
Mais uma vez o Antunes atrapalhou:
- Ah, pronto, agora virou história de coach essa porra, nome
genérico, história de superação, ponto chave, cidade que ninguém esteve...
O Juca ainda tentava contar, e desta vez se virou para o Antunes:
- Dava pra ver que ele estava mais esbelto e ao perguntar,
confirmei também que ele estava malhando na academia que ficava próxima a
empresa, ele ia lá todos os dias após o expediente.
- Ah, pronto, agora a história está completa, suquinho e academia...
O Juca estava impaciente...
- Deixa eu acabar???
Antunes se calou e o Léo fez sinal que sim.
- Uns 3 dias depois, passando por uma barraca de frutas,
verifiquei que eles não só vendiam as tais laranjas como também a tal maquina
de espremer, comprei as laranjas apenas, não queria parecer invejoso nem nada
do tipo já que lá eles viam a inveja como algo estarrecedor, e cheguei lá com
as laranjas para o Lee espremer na máquina dele e a gente tomar um sucão. O dia
passou e fomos embora, o Lee estava meio estranho, achei melhor não perguntar.
O Antunes pedia outra dose, sabia que a história ia levar mais
tempo. O Léo só ouvia enquanto puxava um cubinho de queijo Gruyère do prato. Juca
contava:
- No dia seguinte o Lee levou algumas outras frutas e percebi que
a mocinha da limpeza dava um risinho pra mim e olhava para o Lee, meu mandarim
não era perfeito e nem nunca foi. Mas eu o entendi dizendo para ela “séquiçu”,
ela dava mais um risinho e voltava aos seus afazeres.
Já no final do expediente ela passou por mim e disse, “séquiçu”,,
toda sedutora e tal. Como eu tinha acabado minhas coisas e estava indo embora,
acabei topando com ela no elevador e ela olhando pra mim com olhos de fome.
Quando o Lee apareceu e convidou a gente para ir até a casa dele tomar um suquinho
diferenciado.
Entendi o recado, era ele deixando as coisas bem fáceis para que
eu largasse a mandioca na nobre mocinha da limpeza, ela repetiu várias vezes a
mesma coisa... “séquiçu”, “séquiçu”, “séquiçu”. Ele dava um risinho e ela
devolvia, olhando para mim, foi quando desconfiei que ele poderia ter aprendido
a palavra só pra facilitar as coisas entre mim e ela. Que cara foda! Que
parceiro!
O Antunes não se aguentava:
- Caralho, eu sabia que tinha sacanagem na parada! Que safado! Conta
logo!
O Léo corou, mas queria saber do resto da história...
- Daí então já no apê do Lee, bebidinha pra lá, a máquina
espremendo suco e o cara batizando com cachaça, comemos uns petiscos meio esquisitos
e do nada deu um calor, a mocinha tirou a roupa, pegou na minha mão e me levou
pro quarto, deitou na cama e começou a me beijar.
O Léo pediu pra ir no banheiro e o Antunes resmungou:
- Porra Léo, larga a mão! Na hora boa não! Fica aí seu caraio!
Aguenta firme!
O Léo ficou, sem saber onde enfiar a cara.
- Continua, vai...
Juca seguiu:
- A gente se beijando loucamente, quando do nada ela agarrou a
minha cintura com as pernas e gritou, “séquiçu”!
Quase afundei ela na cama na pura madeirada! Quando senti uma
coisa entrando em mim! Era o Lee, roubando toda a minha inocência se é que me
entendem. Não deu muito tempo para reclamar, já tinha acontecido o que eu mais
temia nisso tudo. O cara não entendeu nada quando eu parei tudo me vesti e vazei
dali puto da vida enquanto aquele demônio sedutor deitado na cama apenas de lingerie
agora questionava: “séquiçu”?
Descobri que a China não era pra mim.
No aeroporto, vindo embora, na fila do check-in tinha uma brasileira,
conversávamos quando pedi pra ela tirar uma dúvida, se “séquiçu” na china era
aquilo mesmo. Ela meio assim respondeu que “Sān rénzǔ” era a tradução para ménage.
O Léo com os olhos lacrimejando.
A Lurdes, garçonete lindíssima que passava por ali e prestou atenção
a história indagou o Juca:
- O china comeu o teu botão?
O Antunes cuspiu a cerveja, batendo na mesa dizendo:
- Você tomou um sucão e o china comeu o teu botão!