quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Hara

Passando os dias em uma conexão com energias tão seguras e tranquilizantes, já passaram por momentos que você se abstrai do mundo e se vê em uma espécie de bolha?

Nestes dias passados me vi descascando um coco, mas ai você se pergunta, como se descasca um coco, com uma faca, ou algo parecido? Não, o modo rustico da coisa, com as mãos, e percebi que muitas coisas na vida se assemelham a descascar um coco sem ajuda de nenhuma ferramenta, a não ser as próprias mãos. Não se iluda que bater o mesmo no chão seria uma rotina, em nenhum momento se pode dar com os problemas assim, jogar no chão para ver se algo acontece. A incerteza tomava conta de minha cabeça quando me via sem uma pedra afiada ou algo do tipo, o método rudimentar nem sempre é o correto. Mas, bem, sem explicações e veremos as considerações finais.

Ao verificar o fruto como um todo, percebi algumas imperfeições, e começa por aí, nada na vida é perfeito. Mas para se chegar ao final com alguma qualidade, é necessário que as coisas sejam estudadas e é necessário saber lidar com elas, entendendo que a qualquer momento eu poderia simplesmente desistir, jogar o coco no lixo e simplesmente continuar caminhando. Bem, não sou assi e nunca o serei, eu esgoto todas as alternativas antes de dizer que não consigo.

Ao ver que uma das falhas levava às fibras, retirei a mesma com uma força digamos, grande, e venci a primeira das inúmeras imperfeições. Dali para a frente, fui retirando fibra por fibra, até que meus dedos começaram a ficar com um tom amarronzado por conta das substâncias que continham no fruto, entendendo que na vida você pode ficar com marcas eternas em relação aos problemas e isso você terá que saber lidar, se as marcas forem um incômodo, você nunca deveria tentar abrir um coco com as mãos, se o medo é se sujar, você deve manter as coisas como estão e simplesmente desistir.

Partir para as laterais, tendo em vista que em um espaço de 2 cm, as fibras estavam todas arrancadas e as células de massa que continham no fruto, já eram complicadas de retirar, precisei abrir espaço para as laterais, uma tarefa difícil que foi necessário utilizar as unhas, numa dessas investidas, a unha do meu dedo polegar virou para cima, me causou dor e aflição, ao mesmo tempo que ficou com um ponto preto de sangue pisado no local onde dobrou, minha escolha por vezes era raspar o coco no chão para tirar a casca, mas esta escolha eu tive pra mim, descascá-lo com as mãos. E muitas vezes pensamos no modo mais fácil, e assim, utilizei meus dentes para abrir a casca, isso amarrou a minha boca, senti um gosto horrível em todo o meu sistema, dentes, língua, palato e garganta. Compreendi que na vida, usar os dentes muitas vezes pode fazer com que alguém se machuque e você sinta um gosto amargo na boca logo depois. E com o tempo, você se acostuma ao gosto amargo, se acostuma a usar os dentes, cabe a você saber a hora certa e se acostumar a usar os dentes para coisas boas.

Enquanto eu estava sentado por ali, descascando aquele coco, ouvi um dos ensinamentos durante uma das aulas de relaxamento que passavam por ali. O mestre perguntou, qual das faces você prefere, a sua testa franzida ou um sorriso nos lábios? Muitos foram no senso comum e escolheram sorriso nos lábios, um deles levantou a mão e disse que preferir os dois. O mestre então, dentro de sua sabedoria concluiu que é necessário gostar dos dois, pois se você sorrir sempre e para tudo você não será respeitado, e se você franzir a testa para tudo você será sempre rabugento, por isso é necessário as duas faces, utilizadas na hora exata.
Na metade do processo, mãos doloridas e queimadas. Pontas dos dedos até hoje ainda sensíveis e as celulas do fruto entre a unha e a carne, grudadas e queimando a pele abaixo da unha. Um incomodo necessário se eu quisesse por fim chegar ao meu destino. Sentei em outros lugares, vi outras coisas, pessoas me olhando com cara de “O que esse maluco está fazendo”, como resposta, mentalizada, eu dizia, estou vivendo. Restando apenas alguns lances de casca e fibras, usei meus dentes para descascar o coco por completo, restando ainda a casca do meio, esta, impenetrável, não havia fibras para retirar e nem maneira de usar os dentes, ela era dura, seca e escura. Foi quando percebi uma abertura em uma pequena parte mole, pressionei com o polegar e ela foi rachando até que afundou e rasgou.

Dentro daquela capsula, estava o néctar, estava o manjar dos deuses. Em termos populares, a laminha. Espessa e doce, uma grande camada de polpa. Após passar por todo o processo dividi esta delicia com as pessoas ao meu redor, nos esbaldamos, sentimos felicidade, nos olhamos e estávamos em comunhão. Foi um dos momentos mais sublimes que já passei.

Minha compreensão sobre o modo de vida e sobre a própria existência mudaram nestes dias, tive um contato com a natureza de uma forma que eu nunca pensei que teria, o respeito e a conexão entre os seres é algo sublime em tal ponto que chega a ser transcendental. Nestes dias, busquei o olhar dos bichos, fotografei os templos e vi pessoas realmente em paz com o mundo, em sua própria forma de ser.


O mundo não para quando nos machucamos, e não para quando estamos felizes. A vida, deve ser vivida em sua amplitude de forma a explorar o todo, como fiz com o coco. Compreendi que o mundo é livre e que a vida deve ser vivida por completo, com machucados, hematomas, sorrisos, amargor na boca e o mais importante, deve ser intensa no próprio modo de ser. Não se explica a vida, se compreende e guarda as experiências para si. Logo, a única coisa que você pode dividir com os seus iguais, são os resultados de suas experiências e jamais as próprias. Somos indivíduos enquanto seres humanos, somos comunidade enquanto animais e somos sozinhos enquanto núcleo.



sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Colônia

Diário de bordo, data solar, calendário gregoriano aos 16 de Outubro de 2075, Marte.

Cá em Marte o ser humano ainda não convive com a atmosfera, não somos capazes de respirar lá fora, sobrevivemos em meio aos laboratórios de pesquisa e as cidades compostas unicamente de vida artificial. Ontem alguns corajosos tentaram respirar sem aparelhos e roupas próprias, não duraram muito tempo, os olhos pareciam saltar e eles sufocavam com o ar rarefeito. Alguns outros ainda pensam que é loucura manter uma colonia de povoamento no planeta vermelho.

Por aqui já inventaram a mídia, possuímos inclusive alguns outros corajosos que militam contra o estado e pensam em deposição. Atentados a bomba não funcionam por aqui, nem aviões e nem terroristas, aqui, o mal é o ativismo.

Após algumas décadas, entenderam que descobriram apenas metade do planeta e a outra metade, inabitada, está sucumbindo aos caprichos do planeta azul. Não há guerras por aqui, não há problemas maiores do que a própria atmosfera.

Por um instante imaginamos que causamos um colapso na órbita maciana com o peso das construções, o planeta passou a girar de forma errada e agora está parecendo uma bola oval, está penso.

Caminhando entre as areias dos desertos (aqui só existe deserto, excetuando as cidades construídas), percebi que há outro tipo de vida caminhando comigo. Algo mais rude e perfeito que o ser humano, mas não há amor.

É uma afronta ao rústico planeta, dizer que homens são de Marte, na verdade o ser humano como um todo, é terrestre, um planeta micho com água em abundância, terras férteis e animais vivendo em comunhão com a natureza verde.

Dizer que o homem é de Marte é uma burrice tamanha, ninguém pode viver aqui sem as artificialidades, fingindo ser aqui, a Terra. A todos um salvo conduto para que o retorno seja breve, que a população tenha consciência de que Marte é um lugar para poucos.

Sei que estou preso a este sistema e que nunca mais saberei de meus amigos e minha família, eles lá e eu aqui. Que as futuras gerações prefiram esquecer essa ideia maluca. Aqui, a unica coisa que me deixou de queixo caído foi a vista do espaço no pico de Olympus Mons, porém, de Olimpo não tem muita coisa, aqui não existe Deus.


Câmbio e desligo.


O Silêncio

Sentado no balcão de um bar, enquanto degustava um pingado para aquecer e esquecer, despertar e pensar na rotina, o barman servia os convidados. Ele girava em movimentos rápidos em sua órbita, cheguei a conclusão que ao mesmo tempo que o planeta gira em função centrifuga, nos afastamos de nosso foco. O mundo ainda segue e as noites insistem em manter o mistério, o escuro.

A Lua observava tudo aquilo acontecendo sem se posicionar sobre os assuntos mais macabros, em seu lado escuro, a relação triangular entre os iguais estava mais do que clara, a formação dos astros era algo sublime.
Não estou sendo mais do que fui e nem menos que que poderia ser, as memórias se misturam ao silêncio, quebrado pelas palavras do homem que se sentou ao meu lado, semblante parecido com o que a vida nunca disse a ninguém, perseguindo seus sonhos e mantendo sua posição, confortável, eu era único, o homem era alguém que não se mostrava e o Barman com sua face escondida, víamos suas costas, alguém que ele nunca sonhara. Notícias de Bremen, Osterholz-Scharmbeck...

Ao meu lado eu via alguém que chegou até ali com uma história, mãos nas mãos e o conto de fadas chegou ao fim, eu morreria como vim ao mundo, sozinho. Eramos 3 de inicio, mais as faces no espelho, eramos 6. O pingado se transformou em um trago entre um cigarro e outro, estávamos em decadência plena, era hora de partir, assumindo as órbitas e mantendo os contratos.

As engrenagens eram simples, o trabalho em seu start era o maior do problemas. A autorização a grosso modo seria um convite a transgressão, desde pequenos aprendemos a pedir e agradecer seja lá para quem fosse. “Por favor”, “muito obrigado”, “bom dia”, “boa tarde, “boa noite”, “tudo bem?”, “tudo indo”.

O céu azul de nuvens paralelamente correndo em direção ao céu azul de nuvens que corria em direção ao céu azul. Fechar os olhos e cair na contradição de que o mundo servia apenas como transporte, transitório, modesto, honesto... o que você planta, você colhe. Durma bem, meu anjo, não morra, não se vá, não transite entre os mesmos locais, escolha outros paradeiros e mantenha a sua órbita.

Nada além de ser o herói enquanto um abraço sincero de boas vindas recebia as almas no paraíso. As árvores sofriam com a força dos ventos, um cello ao fundo anunciava a hora de partir, despertadores, horários, regras, mapa-mundi, entre um Whisky e outro, chegávamos ao contato extremo entre o ser humano e os movimentos retilíneos que acusavam a forma robótica de controle. No fim do túnel, a resistência.

Somos únicos enquanto indivíduos, somos apenas mais um, enquanto máquina.


Olhei para o lado e vi um robô. No espelho atrás do mostruário, dois. O terceiro, este surgiu em outro lugar, atendia a outras demandas e histórias.

Pedi licença e me levantei, deixei uns trocados no balcão e o mundo escureceu novamente.