Era mais um dia de sol, com aquele vento frio que soprava entre as frestas da janela e adentrava os pulmões já dissecados pela química de um cigarro. O trago absorvia o peso dos dias enquanto arrancava a tosse lá do fundo, até mesmo o agasalho exigia um pouco mais de conforto àquele que mal vestia, mal cabia, era tanto a se cobrir que o tecido já não se suportava, as tramas hora fechavam-se e hora abriam, o tecido respirava e transpirava o álcool que restava naquele corpo que buscava calor e os fantasmas apareciam buscando ajuda onde todas as entrelinhas já estavam tão expostas quanto a febre.
Arritmia e condensação
precipitavam diante do crepúsculo que se fazia presente por entre as arvores e
torres de energia. As linhas tinham um ponto de inicio e final, o horizonte
calmo e sereno denunciava a tormenta que se avizinhava no meio fio da calçada.
As paredes de tijolos corroídos pelo tempo tinham data indefinida para se
render a erosão e todo o processo de deterioração mundano. Ali se faria um
túmulo onde os insetos mais desavisados seriam definitivamente aniquilados pela
gravidade. Uma explosão na casa das máquinas tratava de um erro humano. O trago
ainda presente assistia ao caos da própria janela, os pássaros assustados se
movimentavam para um lugar seguro longe dali enquanto a dor dos entes queridos
se resumia em gritos e pranto.
O piano ainda restava diante da
sala do segundo andar já sem acesso após a destruição das escadas. Nas
proximidades ouvia-se as tampas de esgoto batendo em seu anel metálico enquanto
a água turva e barrenta descia a avenida carregando os corpos, carros, animais
mortos e lama. A enxurrada vista do alto do helicóptero que fazia um voo
panorâmico, antes de se chocar com os fios de alta tensão e consequentemente
cair na quadra poliesportiva do complexo escolar, era o semblante do desespero
dos que ali buscavam ajuda. O fogo tomou conta d’onde a água preferiu se eximir
da culpa.
Após um tempo tudo silenciou, a lama acalmou, o fogo foi se apagando dando origem ao carbono e aos ossos dos que não puderam voar, o comum destino daqueles que no inferno se instalaram e ao léu se findaram clamando pela justiça divina. O estrago, o trago, o bêbado e a lamparina, davam o tom de mais um entardecer lindíssimo no paraíso enquanto as lanternas se acendiam sob o precipício.
Aqui jaz um cadáver, sem nome, sem família, sem lar e sem nada, não se sabe se teve seu último desejo atendido ou se pode fazer sua última refeição. O que se sabe é que a vida toda ele havia sonhado com este momento, o momento em que se explica o abrupto som de um trovão.
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