Meu caro Vom, te escrevo mais esta carta enviando notícias
deste planeta inóspito que vos chamam de Terra. Já soube das guerras que ocorreram
e ocorrem pelo petróleo? É uma carnificina que banha os países do oriente médio
de sangue, alguns dizem que precisam de mais combustível para suprir suas
necessidades econômicas mas eu não acredito muito nisso, acho que o real
problema é a sede de poder, quando se igualam as coisas os que tem muito não
querem ter menos, logo acabam por simplesmente fazer qualquer coisa para se ter
os objetivos alcançados e quando digo qualquer coisa pense nas piores
atrocidades que conseguir dentro de sua vã filosófica pureza, é difícil para
mim também. Ao longo do tempo receio estar ficando cada vez mais velho e
ranzinza, Volga está aqui ao meu lado, miando e concordando. É estranho como
esse gato compreende o que escrevo, não falo pelo fato da leitura em si, mas,
meu cirílico não é dos melhores, ainda mais com as mãos trêmulas. Volga
concordou de novo.
Meu amigo, fico pensando as vezes nas questões da
relatividade em que 1 ano aqui significa 15 anos aí na estação. Penso em como
seria isso para você, meu caro amigo, que quando se foi daqui tínhamos basicamente
a mesma idade e agora, tanto tempo depois, está com muito mais do que 300 anos,
uns 500 talvez. Ah, meu amigo, que falta que eu sinto das nossas longas conversas,
enquanto degustávamos daquele conhaque contrabandeado de Donetsk, sem gelo,
sobre o espaço dentro dos conceitos americanizados “Outer Space” e “Inner
Universe”. Volga se cansou da leitura e
foi dar sua caminhada noturna, ele sempre faz isso nas noites enluaradas e
chuvosas, temo por ele, esse gato sabe ler, mas, sempre volta machucado de
alguma briga e Ekaterina passa todas as manhãs limpando os ferimentos.
Hoje me deparei com um assunto um pouco mais sério, meu
amigo. Hoje ao acordar percebi o quão triste ando pela casa, as meninas foram
embora, o Volga não é boa companhia nem para si mesmo e entrou em depressão
desde quando você partiu, deve ser por isso que ele sai todas as noites, era
noite quando tudo aconteceu, aquele carro veio e de malas prontas embarcaste,
tudo o que eu poderia pedir era que tivesse cuidado e foi o que aconteceu, todo
cuidado foi mantido e ainda assim parece as vezes que escrevo para o nada,
parece que ao entregar as cartas no balcão do почта (pochta) elas entram em uma
espécie de portal que não leva a lugar algum. Isso significa que de certa forma
a nossa comunicação não existe, talvez você se sinta abandonado aí, tanto
quanto eu me sinto aqui. São dias difíceis meu caro amigo. Hoje o dia não
avança e as vezes percebo algo se movimentando no céu enquanto encho meu
coração de esperanças de que um dia nos veremos novamente. Eu com meus 90 e
tantos e você com quase 1.500. Seria engraçado ou talvez trágico nos
encontrarmos frente a própria morte com uma diferença tão gritante assim.
As vezes penso em colocar um fim nisso tudo, as vezes penso
que tudo não passa de um sopro, as vezes tenho que me satisfazer com o pão e o
leite que oferecem, as vezes um banquete nos anima, as vezes a simplicidade de
uma cabana acaba sendo mais acolhedora do que o palácio e as vezes eu entendo
bem o que significa o pó dos livros, o que significa as cinzas da lareira, o
que significa o veleiro que parece sumir no horizonte perante o lago de Oblast,
o que significa a chaminé que expele a fumaça menos densa da lareira apagada apenas
em brasas pequenas, o que significa a morte, o momento em que a lâmina da
guilhotina cai, em meio ao marasmo da casa vazia.
"As vezes entendo o porquê não gosto muito de lavar louça.
Geralmente as soluções da vida vem quando se lava os pratos, as colheres... as
facas."
Faber Krystie McDonnadan
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