quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Hljómalind (trilha sonora)

 A iluminação sob as velas e os fogos que ela mesma acendeu enquanto acendia também um cigarro antes de sua apresentação, seus olhos vidrados, roupas surradas, dedos esguios e um piano velho. No palco também empoeirado um vento batia por conta da porta do camarim que ficou aberta, na verdade ela não se fechava a anos devido a ferrugem que tomava suas dobradiças e ferrolhos, a necessidade de renovação era imprescindível naquele momento, porém, não se tinha notícias do mundo externo.

A humanidade daquele dia em diante não sabia mais como se encontrar e não falamos de abraços e extensos diálogos, falamos de saber a atual situação e esta era um pouco mais complexa pensando do ponto de vista técnico em 59 milhões de anos-luz onde uma estrela ainda brilhava, longe, inalcançável, bela e branca. Era a visão da pianista que olhando por uma fresta do telhado que se rompeu na ultima tempestade, a esperança estava ali, naquela fresta rompida pela água que se transformou em mofo no chão de carpete que um dia já foi um apoio aos pés de pessoas muito felizes e importantes. A esperança estava ali, a 59 milhões de anos-luz, longe, inalcançável, mas, estava ali, bem na fresta, em seu olhar turvo.

Encerrando seu ato, apagando o cigarro e com a boca seca, ainda sentada na banqueta que a aproximava mais das teclas, entre tantos pensamentos possíveis, ela só poderia arriscar o palpite de que o Sol retornaria no dia seguinte, trazendo uma nova esperança, bem mais próxima, mas mesmo assim, pouco palpável. Ele traria um novo dia e ao mesmo tempo ofuscaria também as outras tantas esperanças. Lembro-me do piano decadente, da pianista que derramava lágrimas sobre as teclas enquanto executava um réquiem para uma plateia morta. Dali saíram as notas de um lamento no qual não havia ninguém para ouvir a não ser suas próprias entranhas.

Nota por nota, movimento por movimento, páginas e páginas. Tudo se tornava cada vez mais dramático quando em um movimento brusco a batuta caíra em plena execução tornando o prazer sensorial em medo e angustia ao perceber que não havia um maestro e muito menos a orquestra. Ela estava só. Não havia palco, piano e nem pianista.




sábado, 28 de novembro de 2020

O sonho se foi - por Vom

Meu caro Fiodor, hoje me encontrei no limbo, hoje ao despertar percebi as horas e percebi que o tempo correu rápido demais. Quando notei já tinha passado meu aniversário e assim que levantei percebi que já se foram 3 séculos e 6 décadas. Isso me faz parar para pensar na relatividade. Encontrei um pouco de paz na realidade aumentada das versões Deus x Maquina de uma vida completamente invadida por soldados em missão de paz. Sabemos o quanto é necessário saber que a paz existe, desde que também saibamos como controlar a soberania e pegar em armas se for necessário. Sei que daqui da terra não temos muitas formas e garantias, mas ao mesmo tempo sabemos dos limites dos quais a vida se classifica, se eterniza e se mantém em pleno ciclo. Quanto mais se evolui mais próximo do precipício nos vemos e cada vez que o mundo se aproxima do final. Os seres humanos acreditam em coisas que as vezes parecem tão sórdidas e mentirosas, parecem na verdade bem perdidos, tristes, sem perspectiva. Eles tem razão, eles sabem que o fim se aproxima e que é extremamente difícil pensar que todos um dia se vão, menos nós meu caro Fiodor. Nós estaremos sempre em algum lugar, errantes, e, por mais que nesta estação espacial não tenha hoje nem mais oxigênio e as capsulas de hibernação já estejam por um fio, a cada 20 ou 30 anos terrestres elas despertam para que o corpo não entre em colapso, me sinto como se não houvesse mais estação, nem caverna, nem mares, nuvens ou qualquer coisa palpável com uma saída.

É admirável e intenso como hoje vi uma nebulosa. Ela se parecia com uma borboleta. Me diga meu irmão, estes animais ainda existem? Tenho medo as vezes de perguntar as coisas, as respostas podem ser devastadoras ou de fato nem chegarem a tempo. Talvez seja este mesmo o problema, o tempo. Este é marcado, mas é falho, é implacável e quase sempre é triste. Quando vejo algo muito brilhante no céu já penso em esperança, já imagino que vão me tirar daqui, mas quase sempre são apenas destroços de naves espaciais ou cometas ao longe que se espatifam na atmosfera terrestre. Ontem, de longe, Vênus deu o ar da graça e me fez pensar que a esperança apesar de longe, pode ser ainda algo a se agarrar. Hoje tomei consciência de que mesmo a deriva, estamos sempre em movimento e este sempre será o mote para a realidade e o movimento, este é instantâneo.

Voltando ao limbo, este era apenas uma realidade que se foi ao abrir os olhos. Ele foi real e ao mesmo tempo foi imaginário, de um lado o preto do universo cravado de estrelas e do outro a câmara de hibernação de tampo aberto e a sirene que insiste em tocar acusando a troca mais que urgente dos cilindros de oxigênio e água. Os remédios acabaram também, os alimentos já estão em racionamento. As sirenes tocam e a relatividade me choca com o céu e o inferno diário, e neste momento nem mesmo o céu significa paz. Este hoje me garantiu que Deus está morto.

“Libertar-se da mentira nunca quer dizer que a verdade foi posta as claras. Significa que talvez o inferno chegou mais cedo que o esperado. Os significados de chiaroscuro são tão amplos quanto uma pintura de Rembrandt em meio ao mundo no qual vivemos e isto sim é tão amplo. A cada palavra que descreve o todo, ele se amplia, por isso a libertação é algo extremamente duro. Em verdade, a própria verdade pode ser também o encontro com seu próprio tumulo.”

Faber Krystie McDonnadan




sábado, 26 de setembro de 2020

Os anjos

Hoje fez 1 ano.

Aquele copo quebrado que flutua nas marolas de um fluente rio de lodo trouxe uma complicada composição de um fado de esperança e dor. Observar os fractais que estilhaçam a luz em multicores também nos eleva a condição pensante, precisamente, em um cemitério de águas vivas que já não mais fluem ou nadam pela veia d’água. O sono se desfaz, o sonho deu lugar ao desequilíbrio de um pesadelo em que por algumas vezes se fazia no breu. Ao arriscar contato telepático em outros lugares, deu-se espaço ao mais temido dos deuses, Cronos, deus do tempo, aquele que tudo devora. Olhar para trás não é saudável e olhar pra frente não é aconselhável. A tentação de experimentar o presente se torna a única saída e a única forma de se conseguir um melhor olhar sobre as coisas.

O vento que determina a velocidade e a direção das bandeirolas, é o mesmo que hoje não sopra mais em seus pulmões. A vida tirou você daqui e o vento levou você pra onde eu não posso ver. Enquanto isso, os corais se mantêm intactos, inertes, mortos e o veleiro continua a deriva, como sempre esteve.

Me sinto num cais, como quem parte. Olhando o mar, como quem fica.

"Somos todos escravos e reféns de nossos atos. O mundo continuará girando e a garrafa de whisky estará sempre no fim, você pode deitar-se e perder horas de vida, você pode embriagar-se e justificar suas escolhas e você pode simplesmente ser alguém melhor todos os dias. O tempo, este sim é o pior dos monstros, ele dá, ele tira, não haverá trégua ou misericórdia."

Faber Krystie McDonnadan




sexta-feira, 28 de agosto de 2020

O avesso

As vezes é como se o peso do mundo estivesse em minhas costas, como se tudo o que carrego em mim fizesse sentido apenas em um momento final. As vezes me pego de surpresa pensando em por fim em tudo isso e as coisas se resolvem de forma clara. Eu e o velho espelho d'água nos encontramos, o gosto amargo dura mais do que deveria e tudo aquilo ainda sem sentido persevera em um momento audaz, vicioso, incompleto e terminal. É como se o peso do mundo estivesse em apenas um grão, em uma sentelha que persiste em alimentar o fogo.

É uma esperança morta. Uma esperança triste, a tristeza da espera, o caos de um lugar que nunca pertenci. O criador versus a criatura. A máquina que não para, trabalha e sem vida continua a trabalhar. É o hostil, o horário, a sirene de um alarme que toca a noite inteira e te faz acordar no meio da noite.

Um momento de paz que só existe por alguns segundos antes da explosão nuclear. É o sem-tempo, sem-teto, sem-música, semi-riso frouxo incômodo durante a prece e presença imortal. É o trauma da cabeça contra o chão, do ônibus que nunca chega, do metrô vazio, das luzes que ao longe vem chegando e se vão. O barulho industrial, a canção que já não existe, a poesia que morre junto aos vitrais de uma catedral após o atentado.

Sempre existiu uma carne insensível, putrefada entre os vermes e abutres na estrada. Os carros passam e se vão, o Sol já deu lugar a noite e o dia se foi para nunca mais voltar. O coringa se desfaz aos poucos, se torna um alfinete no meio do palheiro e dá lugar a dor e ao descaso.

Daqui da ISS, vejo o mundo escapando por entre os dedos de um pianista em uma cancioneta errônea, inominada e decadente. No sonho a escuridão das estrelas da lugar ao sentimento de queda e ao incômodo de bater com o corpo no colchão de terra batida, lama e poeira.

De volta ao espelho d'água, este agora turvo, como um castelo de cartas que, em câmera lenta, se dissipa junto ao realejo e suas notas dissonantes por extinto, extintas.



sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Credêncio

Sob a ótica intrínseca de um sonho atravessando o meio-fio como um pêndulo que rompe a barreira do ar e nos leva a crer que a gravidade não existe. O mundo deixa de ser um local hostil quando adormecemos, ele é reconfortante, ele nos traz um espectro similar, o meio-fio entre a realidade e o irreal no limiar da consciência.
Faber Krystie McDonnadan


Ao deitar-se limitou-se ao silêncio, cabeça encostada no travesseiro, de lado, como se estivesse apenas imaginando o dia seguinte, todos fazem isso, o mundo nos fez assim, programamos o dia seguinte sempre. Pensamos nesta forma robótica como se tivéssemos a plena certeza de que ao encostar a cabeça no travesseiro o dia seguinte apareceria logo ao abrir os olhos. O dia seguinte, uma nova chance, um novo acalanto, uma nova promessa, um novo abismo, uma nova tortura, uma nova possibilidade, ou se pudermos também chamar tudo isso de os mesmos substituindo as palavras, as mesmas chances, os mesmos acalantos, as mesmas promessas, o mesmo abismo, a mesma tortura, a mesma possibilidade. Enfim, qual a distinção trazemos ao nosso interior quando nos deparamos com o dia seguinte, com a semana seguinte, com o mês e o ano seguintes. O marasmo é algo intrínseco, assim como as vozes que parecem ao longe conversar sobre algo que nunca entendemos bem, a não ser que elas falem bem aos nossos ouvidos, nos causando desconforto enquanto estamos paralisados em nosso sono (não mais) profundo.

Um rádio ligado noticiando as manchetes em plena madrugada, uma conversa, a TV que permanece ligada, os fantasmas que pairam acima de nossas cabeças, o terminal rodoviário que o corredor se transforma se a porta permanecer aberta e assim partimos da premissa de que o que os olhos não veem o coração não sente, e, quando sentiu? Quando os esqueletos e fantasmas foram realmente um problema? Quando a loucura esteve presente e quais as causas dessa esquizofrenia particular, branda e pontual? Quando isso tudo causou pavor? Quando tudo isso não fez sentido? Apenas o tato se valida entre os vitrais frágeis da segurança pessoal?

Não falo de experiências extrassensoriais, quando ouvimos ou vemos, os sentidos são muito bem usados e o fato de que ninguém mais ouviu ou viu não quer dizer que estás louco, mas, apenas você foi capaz de ouvir e ver e esta é uma dádiva.

Talvez seja necessário encontrar o próprio eixo dentro de tantos eixos possíveis levando em consideração que o ser humano hoje pensa apenas em 4 eixos sendo o último ainda um mistério. 

Ao compreender os sonhos, muitas vezes como forma de alertas ou bons presságios, compreendemos também que a nossa mente é mais poderosa do que pensamos. Assim como também nos prega peças ao nos alertar muitas vezes de coisas sem sentido. O fato é que somos um corpo, guiado por um cérebro, que precisa do corpo para sobreviver e afinal, o que somos?

Somos mente, somos inteligência, somos algo inexplicavelmente fantástico. Somos o que podemos chamar de mistério. Não somos o ar, nem mesmo o pêndulo, somos o próprio meio-fio. 

Os sonhos nos levam a realidades diferentes e quando compreendemos que aquilo foi apenas um filme que passou pela nossa cabeça nos tira a credibilidade de tudo aquilo ter de fato ocorrido, retornando de que apenas o tato se torna uma prova segura sobre a realidade. Afinal, o que você respira agora, é mesmo ar?

A proposta é assimilar, pensar sobre o poder que temos em divagar por aí e nos libertar muitas vezes das amarras que nos prendem ao chão.

"Eu sonho que estou aqui
de correntes carregado
e sonhei que em outro estado
mais lisonjeiro me vi.
Que é a vida? Um frenesi.
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção;
o maior bem é tristonho,
porque toda a vida é sonho
e os sonhos, sonhos são."
- Vida é sonho; Calderon de la Barca -



domingo, 19 de julho de 2020

Stalker Soul


Em um momento de reflexão, percebeu que o mundo estava em colapso. Os braços respondiam em conjunto as pernas que apenas realizavam seus movimentos limitados e arriscar o primeiro passo foi o momento em que tudo fez sentido. O colapso era interno, o mundo era interno, o espirito era interno, o pescoço dolorido apenas sinalizava que algo estava errado e virar a cabeça para a direita não era uma escolha naquele momento mas, com um pouco de jeito era possível arrematar o corpo e fazer com que a direção se tornasse um norte. Confuso pela pressão em seu crânio que se esvaía pelas narinas ainda intactas, assumiu uma forma robótica a qual não escolheu, mas a imposição foi necessária para adquirir a longevidade.

A leve brisa que o vento concedia enquanto o trem passava pelos trilhos de superfície era compreendida ao deitar-se após o tombo. O céu nublado, as aves que fugiam para seus ninhos esperando o temporal pareciam bem assustadas, temiam a água, as gotas, os trovões e sabiam que era necessário para a perpetuação da espécie, para a criação de mais alimento e até mesmo do próprio abrigo para as gerações futuras. Toda a tragédia que caía sobre o mundo era de fato uma benção ao mesmo tempo. O silencio era a melhor forma de compreender os momentos nos quais aquilo fazia sentido, compreender que o que chamamos de mundo automaticamente se transforma em realidade e os pensamentos são condicionados a se tornarem a realidade e esta entra no senso comum tornando-se verdade absoluta mas, o que é verdade, realidade, pensamento, condição, sentido...? Entender que a vida é um lapso em constante transformação e que a eternidade é um fardo que cabe somente a si, faria entender que não estava sozinho e que nunca estaria em um lugar só. Enquanto tudo não passava de uma armadura pesada demais que carregava. Alimentava o corpo e subjugava a mente. Sucumbindo a o que o fazia cada vez mais podre, pobre e sem esperança.

Com o passar do tempo os movimentos melhoraram, os pensamentos foram esquecidos, o passado ficou onde deveria ficar. Ao aquecer-se com seus fluídos e observar pelos novos olhos que acabara que implantar, agora com visão raio-X e infravermelho, não precisou de muito para compreender que onde se situava seria de fato o mundo que viveria o resto de sua vida, compreendia que dali para a frente o mundo seria menos hostil e não porque os seres se tornaram menos boçais mas, porque tinha se tornado mais feliz, mais sábio, mais resistente e em seu corpo biônico quase todo modificado, de humano havia sobrado apenas um fantasma de si mesmo.






domingo, 12 de julho de 2020

O poeta morto - Temporal


Nas vastas entranhas de um mundo imprevisível se vai mais uma alma que se solidariza com o tempo. As nuances de um fato sempre acarretam no resquício de uma vida inteira e a partir de um lapso temporal. Somos responsáveis por um mundo cruel, sem vida, desonesto, pecaminoso e calado. O poeta está morto e junto com ele foram levadas todas as esperanças de uma vida. Ter filhos, talvez, ser reconhecido, talvez, ser alvo de críticas, talvez, ser alvo dos rifles e das bombas, talvez, talvez, talvez e foi assim que se foi, na satisfação de uma dúvida eterna na qual subjugava as forças externas. A dúvida nunca foi sanada e o próprio nem ao menos arriscou o salto no precipício escuro e vão.

Se matou? Jamais tiraria a própria vida. Foi morrendo aos poucos, por dentro, adentrando uma resolução vital na qual se entregou ao mundo e decidiu não modificar o meio em que vivia. Se moldar a tudo e a todos o fez perder o mais importante, o amor-próprio. Um dia se percebeu em sua casa, rodeado de tudo o que sempre quis e ao mesmo tempo se viu farto de ser alguém que se molda. Num acesso de raiva, com uma faca empunhada em sua mão direita descobriu o prazer que os cortes traziam, não um prazer sexual ou carnal mas, um prazer que devolvia a si uma vida inteira. Ao levantar-se da cama, olhou o sol que batia na janela e se refratava em uma luz intensa em meio aos livros e papeis amassados no chão.

No rádio, um piano ascendia uma melodia tão bela quanto seus cortes, ele realmente não sentia dores agudas e o sangue pingando no caminho até a cozinha era acompanhado pelo piano, pelo sangue e pela vontade de tomar um café forte. Encontrando as garrafas de bebidas, preferiu livrar-se da inconsciência e obter de uma vida o máximo que ela poderia oferecer. Sentiu mais raiva ao notar que uma mosca consumia o açúcar e por nojo, o café seria amargo. Acendeu o fogo, buliu com a água ao ver em seu reflexo os dentes amarelados e a pele pálida, seus olhos continham o medo, sentia que dali para a frente iniciaria a tremedeira e todo o processo de contenção de energia. Percebeu também que o sangue no chão era pútrido e o cheiro tomava a casa percorrendo todos os cantos do quarto, da sala, do banheiro, enfim, todos os cômodos foram alvo daquela sensação, a mesma que fora sentida no inicio de tudo, que ao unir-se com a vontade transformou-se na catástrofe. O céu azul da primavera anunciava um funeral.

O céu azul de uma primavera anunciava o funeral de mais um doente, de mais um pai, um irmão, um avô. O futuro é incerto, o passado é implacável, o presente cabe a nós e o lapso temporal sempre anuncia mais uma primavera, mais um céu azul de primavera. O poeta estava morto, enquanto a casa toda fedia a sangue, café e pó. Ele degustou o café, amargo, sentiu a dor de um rasgo em sua pele e compreendeu que o tempo nunca aumenta, ele apenas se vai e se foi, como o vento que precede uma tempestade ou como o mar que recua antes de uma onda gigante.

Em suas anotações, as últimas, ele desenhou um menino que ganhava o mundo, desenhou um homem que retornava a sua terra natal e que encontrava seu grande amor. Logo após os desenhos, estava escrito em letras rabiscadas algumas palavras:

“Cá deste lado, o mundo ainda plana, sem motor.
Cá deste lado existe a incompreensão. 
Cá deste lado a vida não se assanha, sem louvor.
Cá deste lado o nada existe então.”


O poeta estava morto e no chão o sangue se tornava pó, o corpo se tornava pó, a casa em si com o tempo ruiu. O piano já sem tempo, parou. Os papéis ficaram por mais um tempo até que a mesma chuva que levou o telhado da casa, também levou as lembranças. Ali naquele lugar ergueu-se uma árvore das entranhas do poeta e esta cresceu tão rápido que ninguém mais lembrava o que havia ali. Esta árvore sobreviveu as guerras, as secas, as tentativas de urbanização e as pragas que passaram por ali. Sobreviveu também o poeta, que agora árvore, observava tudo e todos os que passavam por aquela rua e com graça ainda podia ouvir a musica imortalizada pelo rádio ouvido na sorveteria da frente, na padaria ao lado e na casa da família que se instalou ao lado do parque em que se situava.


domingo, 7 de junho de 2020

Gasparada - Enfermaria - O mórbido


Durante um apelo eloquente de se buscar respostas, ela caminhava em um corredor extenso o suficiente para causar-lhe medo, ou, no mais correto de se dizer, angustia. Ainda em um mar aberto de possibilidades, arriscou-se no infinito de uma vertigem e as dores começaram.

Primeiro pulsando e logo após tudo apagou, não de forma a se esquecer o que ocorrera, mas foi como se tudo ficasse em tons sépia e logo um pouco esfumaçado. Se observava os movimentos nos quais sabia que as pessoas ali não pareciam reais, eram vultos que se moviam um pouco mais rapidamente como se não houvesse a linha do espaço-tempo, eram seres errantes que transpassavam paredes, portas e mobília. Era de certa forma angustiante e ao mesmo tempo incorreto pensar que de repente um rastro se formava a partir de um pulso no ar já que esses seres não pertenciam ao mundo real. Chocou sua realidade com a idealização de um sonho ruim no qual teria adentrado e não poderia sair dali a não ser que acordasse. Sua missão naquele momento partia de um prisma inerente ao comum, chegar ao final daquilo.

As chamas e o inferno que se misturavam aos vultos e tais seres errantes chegaram apenas para notificar o que já estava anunciado. Ao fundo ouvia-se um nome como em um alto-falante, que sessou ao abrir os olhos e retornar ao mesmo lugar em que situava, o looping aconteceu e o abrir dos olhos não transformou a cena em um alívio, mas fez com que a mesma retornasse do ponto zero. No relógio marcava às 4 horas da madrugada e no semblante do homem que sentava-se ao lado da cama, um sorriso doce no qual não se permitia alterações, era um homem calvo, sem sobrancelhas e enrolado em uma túnica, proferia algumas palavras de um idioma no qual não se compreendia. Pedindo algo, ou talvez profetizando, ou então apenas ali guiando algo que se iniciara. Levantar-se para buscar respostas era necessário e ela assim o fez e percebeu quando seus movimentos atravessaram o corpo daquele que estava sentado ao seu lado, a compreensão daquele momento veio depois de pensar muito sobre os fatos que a levaram até ali. O monge levantou-se e ainda profetizando suas palavras inteligíveis acenou com o olhar voltado ao horizonte enquanto ela olhava para o ponto de referência no qual o senhor observava, olhar para trás fez com que ela tivesse uma visão que deixava uma dúvida a respeito de sua realidade, afinal, ao observar novamente ao redor sua cama não estava mais ali e o monge acenava diretamente para uma multidão de pessoas deformadas, rostos ensanguentados, necroses entre tantos outros tipos de mutilações.

Enquanto a multidão se levantava e caminhava em direção ao seu mestre, ela sentiu pânico ao notar que alguns deles a observavam enquanto outros apenas seguiam seu caminho, uns até a porta e outros até a benção. Pensando na relação disso tudo se virou ao monge e seguiu em sua direção e quando o fez um caminho se abriu ao mesmo e assim ela pode reverenciá-lo. Ele tomou sua mão com suas mãos e no centro de sua alma ela compreendeu os mistérios que a levaram até ali dentro das palavras ditas pelo sábio pensador.

“Buscar respostas às sensações ou ações dos seres seria algo involuntário, mas, de certo modo, seria uma busca incessante e sem nenhum retorno pois, faz-se o bem sem nenhum motivo, assim como faz-se o mal. Simplesmente não há explicação e se questionar disso seria perder uma eternidade inteira em busca de algo sem respostas. Não se explicam sentimentos, assim como não se questionam as ações, o que o mundo nos dá, é exatamente o que nós precisamos naquele momento e a nossa evolução se encarregará de nos fornecer os pensamentos e ações corretas. A vida, como em um sonho, é por si só involuntária. A natureza não se explica, ela é.”

Percebendo que apenas se conhece as sensações e o mundo, quando se faz parte dele nem que seja por 1 segundo. Dentre tantas as realidades que poderia viver, viveu aquela que estava ao seu alcance e morreu, naquela realidade, naquela cama de hospital, aquela que chamaram mais tarde de indigente, que nunca fez mal a ninguém, mas que sempre questionou o porquê do mundo ser tão torto, o porquê do mundo ter tanta gente ruim. Eram questões que pairavam em seu universo ao deitar-se em sua cama de papelão abraçada em seu pet, um vira-lata salsicha que mais uma vez teria que seguir sozinho em busca da própria sobrevivência.




sábado, 23 de maio de 2020

Coluna social - Folha 2 - em revisão


A leveza das coisas simples e o caos mundano se chocam nos momentos chuvosos nos quais a alma se delimita em apenas residir em uma casca bruta e sem critérios. A relatividade nos traz a o que se torna arbitrário, a expectativa contra a realidade, o choque contra o arbusto, o sermão contra o coração, a sensibilidade contra o muro frio.

Dentre os mais criticados momentos em que a sociedade se vê diante de um momento de clausura e vingança, transparecemos o momento de dar a outra face e viver uma vida sem expectativas na qual “aquele que não se ilude, não se desilude”.

Compreender que a virtude do sábio não é ensinar a pensar, mas deixar com que pensem e muitas vezes compreender o seu papel no meio em que vive e este é apenas um parênteses no grande leque que se abre ao estudar as ciências, a literatura, as normas técnicas e as tantas formas de expressão artístico-cultural que servem o mundo.

Buscar a empatia é também compreender o lado oposto ao seu e negar de todas as formas um discurso que carregue as raízes de um pensamento pessoal. Olhar todos os lados e compreender não qual está certo ou errado, mas, qual deles é o menos favorecido. É olhar pelo bem comum para que nenhum seja esquecido.

Pensar sempre no melhor também é uma forma de aquecer os corações e se arriscar em um infinito árduo. O inferno paira no ar e o paraíso estará sempre a 7 palmos do chão. A chave não está no credo, mas no self, a única expectativa que será possível se criar, é a expectativa em si mesmo. Ela é uma bailarina, na corda bamba, com seu guarda-chuva e roupas inadequadas.

A expectativa pode ser a atriz, o palhaço, o domador, pode ser até mesmo o dono do circo, mas jamais será a equilibrista, jamais saberemos se ela chegará ao outro poste após os 20 passos.


quinta-feira, 16 de abril de 2020

O Enforcado


Existem dias em que as coisas fluem de forma a nos fazer pensar um pouco mais fora da caixa e compreender os papéis de todos ao nosso redor sem esquecer que a vida é uma provação sem fim, onde as leis nos mantêm no jogo árduo da liberdade.

As vezes nos colocamos a pensar em como seria a vida destas pessoas se por um acaso não existíssemos, é uma provação, pois, por muitas vezes caímos no pensamento de que talvez isto realmente fosse uma ideia palpável e também as vezes pensamos no mundo como um imenso redemoinho no qual apenas somos carregados até o centro escuro e desconhecido, qual o legado deixado por nós? Quais as verdadeiras coisas que nos impulsionam e quais as desilusões que nos trouxeram até aqui? Por que suportamos as coisas por um bem maior, se as vezes o bem maior é também apenas uma ilusão?

As feridas deixam cicatrizes, calam nossa voz, transformam o nosso caráter já moldado com unhas e dentes desde a infância. As feridas permanecem abertas em nossas memórias e, a questão ainda permanece viva em nossas cabeças, em nossas memórias. Somos seres humanos, erramos, acertamos, pedimos clemência e aceitamos muitas vezes coisas que não desejamos aos outros e um fato interessante da vida é que tudo se parece tanto com o passado distante, o ser humano cresce e a mente deixa de evoluir na imprudência de um bebe acalantado em seu berço e cobertor.

No tarot, o Enforcado mostra não apenas quem você é e a sua situação, mas mostra quem você deve deixar para trás, quem você deve esquecer e quem você deve ser. Ao morrer, não em vida, mas com a simplicidade de aceitar as mudanças, uma questão confronta com as nossas mentes, quem você gostaria de ser quando estiver no meio fio entre a vida e a morte? De quem você lembraria neste momento? Onde seria? Como faria? Se pudesse, daria a mão aos seus inimigos e pessoas que te fizeram mal? Abraçaria as pessoas que te fizeram bem? Conseguiria pesar tudo isso antes de partir? O enforcado, além de tudo, te avisa sobre maus bocados, mas também de instrui a enfrenta-los com alegria e entusiasmo. Esbarramos em uma frase sem sentido na qual pensamos “qual seriam nossas últimas palavras” se o nosso fim fosse hoje?

Quando vi aquela carta de tarô, pensei: "Este é quem eu sou agora, o homem enforcado." Talvez esse fosse o meu destino. Meu próprio ancestral tentou me matar. Talvez não fosse para eu existir. Talvez não. Mas eu mudei. Lembra quando me perguntou sobre minhas últimas palavras? Eu pensei que sabia quais seriam. O que importou foi o último rosto que vi. 

O seu rosto.



terça-feira, 7 de abril de 2020

Devaneios Sociais - Folheto 02 - Página 01


Independentemente de onde venham as pessoas e quais sejam os seus costumes, a vida urge como um raiar de Sol entre as frestas das folhagens nas arvores. A empatia está muitas vezes ligada a representatividade de tal ação e vemos que o ser humano ainda reage com raiva aos seus desafetos quando deveria procurar compreender da melhor maneira que qualquer ação varia de sua própria natureza.

Nossos atos estão estritamente ligados à nossa consciência, e, muitas vezes fazer o errado é um conceito moral no qual se sabe das consequências, mas, possui-se a total certeza de que nada acontecerá, como em um jogo de perde e ganha. Quando furam filas, quando veem o troco errado na mão e não devolvem, quando se pega algum doce no mercado sem pagar, entre outros pequenos delitos que são moralmente errados, porém a fragilidade moral de que “o que os olhos não veem o coração não sente”.

A sociedade acaba por se escravizar nestes conceitos nos quais se prendem as leis e estas são implacáveis, mas, os reguladores destas também se baseiam em conceitos morais vindos de sua criação e também se entregam muitas vezes ao que chamamos de voto de confiança ao julgar um crime, entende-se a lei, porém se interpreta arbitrariamente a mesma de forma a pensar em tantas as formas em que a verdade pode ser dita ao longo de tantas as formas que ela coexiste. É olhar a imagem de um número 6 no chão, sempre haverá alguém que julgará aquele número como um 9 e afinal a única pessoa que poderá saciar esta questão de fato, será quem desenhou aquele número no chão.

O grande impacto é na idealização de que a sociedade se baseia na vingança para que as pessoas sejam punidas e não reeducadas, ou, que esta reeducação seja de fato uma punição tão severa quanto a própria morte, e deste modo acabamos por criar nossos próprios lunáticos. Quantas pessoas que foram pegas, presas e reformadas, trazendo um bem para a sociedade ao invés que adentrar de vez ao mundo do crime? A sociedade constrói as leis, as aprova e as segue, assim desta mesma forma institui-se penas de morte e sabemos que os nossos criminosos sempre serão os rostos que representam a marginalidade de uma sociedade. É difícil assumir a culpa, é difícil resolver tudo, mais difícil ainda a meu ver é enviar pessoas todos os dias para o corredor da morte, ou pior, para uma cela onde não haverá nenhuma estrutura onde esta pessoa não apenas pense no que fez, mas que também pense que é possível uma vida fora dali após se redimir dos seus erros.

Um ser humano sempre nascerá puro e será sempre corrompido pela sociedade. Cabe a própria sociedade encontrar formas de educa-lo enquanto é tempo ao invés de encaminha-lo ao corredor da morte de uma forma gradativa. Enquanto dividirmos a sociedade entre quem pode pagar e quem estuda de graça, continuaremos também fazendo com que a desigualdade seja ainda maior e este seja um ponto importante a se perceber que ninguém entra no crime porque quer, penso que se todos tivessem acesso a o que é certo e ao conhecimento, teríamos mais cientistas, artistas e educadores, teríamos menos pastores e muito menos complexos prisionais. O contingente policial seria reduzido e as industrias bélicas não teriam serventia. Quanto mais lutamos contra nós mesmos, mais nos desvalorizamos e mais caminhamos rumo a própria extinção.  

Entre a corda e o nó sempre haverá um inocente.




segunda-feira, 6 de abril de 2020

Uma carta


Quando o mundo se afunda e você não tem para onde correr, o único refúgio está em si mesmo. Você não pode obrigar as pessoas a confiarem em ti, mas, as suas atitudes sempre serão um porto seguro contra todas as mazelas.

O primeiro passo é confiar em si mesmo e manter sempre o seu caminho aberto para a felicidade. Ser feliz de fato é uma caminhada, já que a felicidade é e sempre será baseada em um momento no qual você sempre terá duas escolhas, mantê-la em sua memória ou esquecê-la para sempre.

Aquele frio na barriga é característico, acordar todas as manhãs com um propósito diferente na cabeça, pensar, agir e sempre manter a sobriedade perante os acontecimentos mundanos é uma porta para a felicidade, ela acontece, ela se mantém mas, no menor deslize ela se vai e se vai muitas vezes para não voltar mais. É uma equação complexa na qual nos dispomos a interferir diariamente e muitas vezes nos deixamos levar pela tristeza de um momento e ali a tristeza fica, assim como a alegria.

Por isso o ideal de vida tem dois lados (sem levar em conta distúrbios psicológicos) a escolha sempre será sua e unicamente sua. A questão principal é sempre aquela pela qual nos faz levantar da cama e sorrir e não há problema em ter dias ruins, nunca houve, o problema está em não tentar fazer com que eles sejam bons, reverter o jogo é fundamental em alguns aspectos. Sorrir de fato, olhar para os lados e ver a beleza que te cerca, ver que as vezes nossos pensamentos estão recheados de coisas que supomos e por supor coisas nós acabamos por nos afundar em nossa própria contradição afinal, quem veio ao mundo para ser uma pessoa triste?

Quem está aqui para sofrer? Quem está aqui para de fato utilizar dos anos que correm em contagem regressiva, de forma a gozar de uma vida, com seus altos e baixos sim, mas, de fato pensar na mais valia de sair da cama todas as manhãs? A vida é curta, o processo é lento, os diagramas surgem em ritmo alucinante, os sorrisos se desfazem, as contas continuam a entrar pela caixa de correio e o dinheiro vai faltar (pode ter certeza). A busca pela felicidade está no momento e também está na manutenção dele. Há quem consiga sorrir nos momentos mais difíceis e há quem consiga desabar a qualquer conflito. O meio-termo se faz necessário para que a força esteja em nós, não seremos malucos e não seremos fracos. A felicidade está no amor tanto quanto o amor está na felicidade e sem ambos, bem, retorno a questão do início do parágrafo.

“Quem diz que Amor é falso ou enganoso,
ligeiro, ingrato, vão, desconhecido,
sem falta lhe terá bem merecido
que lhe seja cruel ou rigoroso.

Amor é brando, é doce e é piadoso.
Quem o contrário diz não seja crido;
seja por cego e apaixonado tido,
e aos homens, e inda aos deuses, odioso.

Se males faz Amor, em mi se vêem;
em mi mostrando todo o seu rigor,
ao mundo quis mostrar quanto podia.

Mas todas suas iras são de amor;
todos estes seus males são um bem,
que eu por todo outro bem não trocaria.”

                                                Luís de Camões




terça-feira, 31 de março de 2020

A necessidade do brilhantismo nos tempos atuais


Nos dias atuais as pessoas tem a necessidade de se destacar intelectualmente, por motivos obscurecidos pelas próprias. Vemos isso em discussões em bares, em discussões nas redes sociais, em debates em faculdades e afins. Alimentar o ego é de fato algo que a sociedade hoje precisa (e sempre precisou), os indivíduos, financeiramente falando, já possuem a maior parte das coisas que almejam e as que não podem ter são de fato inalcançáveis a sua classe, ou seja, se tem carros, apartamentos, casas e todos os tipos de penduricalhos possíveis. O dinheiro que se ganha com o trabalho formal ou informal acaba por ser consumido pelos eletrônicos, planos de assinatura de aplicativos e afins. Salvos os desempregados e pessoas de baixa-renda que não possuem de fato o poder aquisitivo para o consumo que abrange grande parte da população. O fato que desejo expor é mesmo o da expressão que se faz de título ao texto, “a necessidade do brilhantismo nos tempos atuais”, e me baseio nos contatos nos quais possuo e que compõe as classes sociais de meu convívio (que assumo ser bem amplo).
Por quais sejam os motivos que levam as pessoas a se demonstrarem inteligentes em meio a sociedade da mesma forma que denigrem a imagem de outros, as conversas se transformam em uma guerra, o que chamaria isso em algumas traduções de livros consagrados de “travar conhecimento” através do diálogo. O caso é que nos tempos anteriores a nós e a tecnologia que dissemina as noticias e o próprio conhecimento a informação era de fato comprovada antes de ir para os livros (ressalto que não falo dos livros sensacionalistas de pessoas que prometiam coisas e subornavam outras para ver seus livros nas prateleiras) mas, ainda daí eu integro o pensamento de que o intelecto era também um artifício dos ricos que podiam contar com as enciclopédias e que de uma maneira geral sabiam ler e escrever. As sociedades de formavam assim, os nobres eram detentores da cultura e o povo detinha da mão de obra. Raras as vezes estas classes se misturavam e quando acontecia, era por vezes um homem rico que se aproximava de uma mulher pobre, porém belíssima e com um grande potencial para aprender as etiquetas da sociedade nobre (levando-se em conta a sociedade machista das épocas e deixando claro que nos dias de hoje lutamos pela igualdade). O fato que assumo neste contexto é que hoje por mais que as classes sociais se distanciem em alguns aspectos deter de conhecimento se faz ainda muito necessário, já que nos dias de hoje (ainda bem) o conhecimento se tornou mais democrático e acessível e, deste modo, com a rapidez, a falta de credibilidade das informações acabamos por ignorar o bom senso e acreditar em “verdades” ditas para confundir , acreditamos em teorias da conspiração e em histórias que são tão bem contadas que espalhamos aos quatro ventos o que acreditamos e de fato podemos provar pouca coisa. Em troca do tal brilhantismo. Acreditamos que frases de efeito podem ser o ápice para se tornar o tal “pensador” da turma ou a pessoa moralmente inteligente a ser seguida pelo bando.
Nestes tempos em que a desinformação é um prato cheio aos desavisados, meu conselho (não que valha de muito) é que se “auto proíba” de dizer coisas que simplesmente não tem domínio, e não quero ser o chato que proíbe as pessoas, mesmo porque, conselhos servem para mostrar um outro ponto de vista e cada um pode (e deve) seguir o que seu coração mandar, porém, o que peço é que se não tem domínio de algo que gostaria de debater, sinta na pele a sensação de absorver os assuntos de uma forma imparcial e não acredite em tudo o que lê por aí, questione, busque conhecimento, acredite no que quiser acreditar, mas tenha embasamento para discutir o assunto por mais de 2 horas. Desta forma as relações serão mais verdadeiras, os assuntos serão mais didáticos e “travar conhecimento” se tornará uma diversão sadia entre os amigos. O estudo se torna algo sério, belo e prazeroso. Já que ao pensar em algo, traremos Descartes à mesa do jantar e sua famosa colocação utilizada até hoje, “penso logo existo”, na qual, do latim, “cogito, ergo sum” ou “penso, portanto sou”.

Pensemos, portanto, sejamos.



domingo, 15 de março de 2020

A lama


Em mais um dia como em um terreno frio, como se estivesse tocando a lama fria nos pés, no fundo de um rio nas montanhas geladas, aquele que te faz observar a vida toda num piscar de olhos e nada daquilo parecia fazer sentido a não ser a sobrevivência. A relação em que se observa ao relento, jogado no fundo de um rio como uma pedra que estará ali, estática por anos e anos e anos...

Parece tão cruel quanto uma corda que entrelaça e sufoca ou como uma faca que invade e desobstrui a vazão dos fluidos vitais. A sobriedade de um ser que se deslumbra com o mundo é tão incrédula quanto o ser que se arrasta pelo mesmo e se afoga nos horizontes de um céu escuro em plena luz do dia. O monstro não o persegue, ele mesmo o é e todos os dias de uma vida viverá a sombra deste que vive dentro de si, ao mesmo clarão de sobriedade que o mundo as vezes o faz pensar que talvez tenha uma esperança, me trazendo a ideia da equilibrista que no primeiro deslize se faz uma força desumana para se manter em pé e raras as vezes acabará vencendo a corda bamba estendida de um mastro a outro.

Compreender a vida é compreender a desilusão, é compreender que não existirá nunca o dia seguinte por mais que os mais cheios de compaixão convivam com as esperanças de trazer os descrentes para a superfície. É uma via de duas mãos quando se observa um peixe no fundo da água e se observa a lontra na superfície, ela desce para a caça, enquanto se o peixe subir por muito tempo ele estará morto.  Com a faca nos meus pulsos, com a minha gravata no meu pescoço, com meu o monstro nas costas e com a cabeça vazia, minha querida, cante comigo esta canção, por uma última vez, com os anjos e demônios que dançam em uma elipse ao redor da Via-Láctea. 

"I lost something in the hill country. They took a piece of my heart away from me. Among other things he's a cold heartbreaker. The broken cowboy stole my music maker."